Nosso mundo é obcecado pela ideia de progresso. Acreditamos que a história se move em linha reta e ascendente, e que o amanhã será melhor que o hoje. Baseados nessa fé acreditamos em todas as promessas de cinquenta anos de progresso. Ainda bem que alguns chamados nos questionam essa fé inabalável, como o novo lançamento do filósofo Slavoj Žižek. Nos treze breves capítulos de seu livro mais recente (Contra o Progresso, 2025) ele nos convida a questionar essa ideia, argumentando que nossa fé no progresso é perigosa, porque nos impede de encarar a realidade.
Fantasia Ideológica do Progresso
Para Žižek, o progresso funciona como uma “fantasia ideológica”. A narrativa do progresso não é uma descrição real do mundo, mas uma história que nos damos, para mascarar contradições brutais. A promessa de um futuro melhor nos ajuda a suportar ou, o que é pior, a esconder as injustiças do presente. Pensemos na crise climática. Racionalmente, sabemos que nosso modo de vida é insustentável. No entanto, continuamos agindo como se nada estivesse acontecendo, acreditando que alguma inovação tecnológica futura — carros elétricos, roças em Marte, energia limpa e abundante — nos salvará no último minuto. Essa é a fantasia do progresso em ação: ela nos permite saber da catástrofe e, ao mesmo tempo, ignorá-la, mantendo intacto o nosso jeitinho negacionista. Žižek, provocado por Jacques Lacan, chama isso de “cisão fetichista”: a capacidade, que nos inspira e adoece, de saber de algo e, ainda assim, agir como se não soubéssemos. É um mecanismo de autoengano coletivo, como se disséssemos que sabemos bem que estamos caminhando para o colapso, mas mesmo assim, seguimos com a vida, como se o futuro estivesse garantido.
Pássaros esmagados, cadáveres do progresso
Žižek argumenta que toda narrativa de progresso esconde uma violência brutal. Ele usa a metáfora de um truque de mágica em que um pássaro desaparece: o público aplaude a mágica, mas nos bastidores vão se amontoando cadáveres de pássaros esmagados que precisam ser escondidos, para que o truque funcione. O “progresso” da civilização ocidental é o belo truque de mágica, mas o colonialismo, a escravidão, a exploração e a destruição ambiental são seus “pássaros esmagados”. No Brasil acrescentaríamos o racismo, genocídios e muita história jogada para debaixo da mesa.
Mas para onde ir, se não for “para o alto e avante”?
Se a ideia de progresso é uma fantasia que justifica um sonho de vida simultaneamente desejado e paralisante, o que resta? Žižek nos propõe o abandono realista da noção de progresso, para criarmos espaço para uma mudança real. Isso não significa cair no desespero. Pelo contrário, significa libertar-se da obrigação de acreditar em uma história que se provou falsa e destrutiva. A verdadeira tarefa não é acelerar um progresso ilusório, mas, como sugeriu o filósofo Walter Benjamin, “puxar o freio de emergência” antes que o trem da história nos leve ao abismo. A proposta de Žižek é um chamado para uma análise concreta da nossa situação vital, sem as muletas da ideologia do progresso. Em vez de esperar por futuros utópicos, em vez de justificar nossa escolha de líderes que depois se revelam falsos e desonestos messias, devemos confrontar as crises do presente. A esperança não mora na certeza de que as coisas vão melhorar, mas na coragem de agir sem muletas. Talvez o único progresso autêntico seja aquele que começa quando paramos de acreditar no progresso.
Josemar de Campos Maciel é Doutor em Psicologia (PUC-Campinas) e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da UCDB. Email: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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