Maria Eduarda: Estudante de cinema e artes visuais na American University em Washington E.U.A.
Gosto de cinema e cultivo imenso carinho pela história do cinema do sul de Mato Grosso, particularmente da cidade de Campo Grande que, na primeira década do século XX, quando o município não contava ainda com energia elétrica, começou a ofertar a uma parte da população aquilo que ficou conhecido como a sétima arte.
Era algo ainda embrionário, porque essa dimensão artística dava seus primeiros passos no Brasil. O cinema chegou ao País na virada do século XIX para o XX. Nessa época, as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais importantes começaram a disponibilizar esse tipo de serviço, que representava enorme novidade. Era um passo muito avançado em relação à fotografia. A indústria cultural conquistava espaços importantes, porque a ideia de lazer passou a ser um direito da população.
Campo Grande era um progressista município do interior de Mato Grosso, quando o cinema aqui chegou. Havia em toda cidade pouco mais 30 mil pessoas. A expectativa da sociedade era o término da construção da ferrovia que ia permitir interligar a cidade com os grandes centros da época. E o trem era a esperança de dias melhores para o município, por isso migrantes de vários continentes escolhiam a Cidade Morena para viver e trabalhar.
O cinema era uma coisa relativamente distante, no início do século passado, embora uma parte da população que migrou da Europa para o sul de Mato Grosso já o conhecesse. Afinal, os registos históricos indicam que, desde o ano de 1896, as imagens em movimento encantam as pessoas no mundo.
A presença da sétima arte em Campo Grande expressou, claro, o papel econômico e social que a cidade começava a desempenhar. Havia estratos sociais que podiam “consumir” arte, assim os caixeiros viajantes, com suas máquinas mirabolantes, adotaram o mercado campo-grandense como rota para suas apresentações.
O primeiro cinema que se instalou em Campo Grande chegou pelas mãos do italiano Rafhael Orrico, no ano de 1910. Relata a jornalista e pesquisadora Marinete Pinheiro (2008), que Orrico hospedou-se no Hotel Democrata e ali montou a estrutura do seu cinema, que funcionava a céu aberto e as imagens eram refletidas em um imenso pano branco colocado em uma das paredes do hotel.
Não havia cadeiras nem o mínimo de conforto para quem ia assistir ao espetáculo. Cada expectador encontrava um jeito de se acomodar e se divertir com as imagens em movimento. Essa era a realidade de Campo Grande e da imensa maioria das cidades brasileiras.
Ademais, ainda de acordo com Marinete Pinheiro (2008), os frequentadores do chamado Cine Brasil, nome fantasia daquele espetáculo, acomodavam-se em tábuas rústicas colocadas sobre caixotes. Algumas vezes, era necessário levar o próprio assento, com o nome gravado, para não o perder. Os mais aventureiros subiam nas árvores para assistir às cenas trazidas por Orrico.
Como a cidade era bastante fria e não havia proteção contra o vento, os presentes eram aquecidos com chocolate quente. Era uma aventura lúdica que a sétima arte provocava e que continua desafiando mentes e corações que buscam a telinha para se alimentar de cultura.
Em função do sucesso do cinema de Orrico, a pequena Campo Grande passou a receber sistematicamente outros caixeiros viajantes, que sabiam que era um bom negócio ofertar sua arte na cidade. A partir de 1912, então, ela ganhou sua primeira sala exclusiva para cinema. Depois vieram outras. Mas essa história quero dividir com os leitores no próximo artigo.