Documentário retrata a história da Aldeia Urbana Marçal de Souza e será lançado em homenagem ao Dia Nacional dos Povos Indígenas
O projeto Vémo’um — Em Terena significa “Nossa Voz” — é uma iniciativa que vem ganhando destaque em Mato Grosso do Sul, não apenas pela sua relevância cultural, mas também pela forma inovadora com que aborda questões importantes como a preservação das tradições indígenas e a inclusão digital. Com o apoio financeiro da Lei Paulo Gustavo, o projeto será apresentado em um documentário que será lançado em 19 de abril de 2025, no Dia Nacional dos Povos Indígenas. O filme, com duração de 15 minutos, promete trazer à tona uma reflexão profunda sobre a identidade indígena em um contexto urbano, destacando as histórias e vivências dos moradores da Aldeia Urbana Marçal de Souza.
Idealizado pela gestora cultural Maria Auxiliadora Bezerra e pela atriz Thaís Umar, o projeto Vémo’um se propôs a ir além da realização de um simples documentário, criando também um espaço de formação cultural. Durante o processo de criação, foram oferecidas oficinas de cinema e fotografia para os moradores da aldeia, com o objetivo de capacitá-los para a produção audiovisual. Essas oficinas foram voltadas tanto para adolescentes quanto para adultos, proporcionando uma imersão no universo do audiovisual, com noções de filmagem, fotografia e edição.
A primeira parte do documentário foi filmada em 14 e 15 de dezembro e contou com depoimentos de oito moradores da comunidade. Essas entrevistas representam diferentes faixas etárias, possibilitando uma ampla gama de perspectivas sobre a vida na aldeia. Thaís Umar, que acompanhou de perto o processo de filmagem, comentou sobre a dedicação dos moradores e a importância das histórias contadas: “Dentro e fora da cena, vi o empenho de cada um. Pudemos ouvir relatos muito potentes sobre a vivência na aldeia, com temas como identidade, memória e os desafios de ser indígena em um contexto urbano”, afirma.
Criação e Desenvolvimento
O documentário explora temas complexos, como a preservação das línguas nativas e a importância da cultura indígena no cenário atual. Um dos aspectos mais impactantes da obra é a valorização da presença e do papel das mulheres na comunidade, especialmente as artesãs. Ao longo do projeto, as oficinas não serviram apenas para ensinar técnicas de audiovisual, mas também para fortalecer a voz da comunidade indígena. A jovem Sâmara Figueiredo, foi selecionada para ser entrevistadora no set de filmagens, uma experiência que ela descreveu como “uma honra” e um “desafio superado”.
A colaboração e o aprendizado conjunto foram elementos-chave durante todo o processo de criação do documentário. As oficinas foram uma oportunidade para que os moradores da aldeia compartilhassem suas histórias e também para que eles se envolvessem ativamente na produção do conteúdo. “As oficinas vieram como um complemento para valorizar a cultura indígena e ampliar a voz das comunidades”, explicou Thaís Umar. Ela destacou que, além de aprenderem sobre técnicas de filmagem, os participantes puderam vivenciar na prática o que significa trabalhar em um set de filmagem, promovendo uma troca rica de conhecimentos.
Além de todo o trabalho com os moradores da aldeia, o projeto tem uma forte conexão com o Memorial da Cultura Indígena Cacique Enir Terena, um ponto simbólico para a comunidade. O memorial, que é um importante espaço de preservação cultural, foi incluído no documentário, destacando a importância da história e das tradições indígenas para a formação da identidade do povo Terena. O filme, portanto, busca não apenas registrar a cultura atual, mas também preservar e transmitir essa memória para as futuras gerações.
Maria Auxiliadora Bezerra, uma das responsáveis pela idealização do projeto, contou que a ideia surgiu a partir de uma preocupação com a juventude da aldeia. “A ideia surgiu de uma conversa com a Thaís, por conta de uma preocupação minha enquanto mãe e mulher, especialmente com a juventude. Vivemos em uma realidade onde o mundo virtual é muito presente para eles. Queremos ressaltar a importância da ocupação desse espaço digital pelos jovens, que têm aptidão e precisam ocupar esse lugar”, explicou.
Os Artistas
A ideia de fomentar a presença de indígenas no mercado artístico não é nova para Breno Moroni, roteirista e preparador de elenco do documentário. Para o Jornal o Estado, ele relata que o impacto do projeto vai além da realização do filme em si, sendo uma ferramenta poderosa para a inclusão dos povos indígenas no mundo das artes.
“O maior impacto desse trabalho é mostrar que o indígena é também um artista. Ele pode ser ator, cineasta, músico. O objetivo é fomentar a arte indígena e não apenas fazer com que os indígenas sejam consumidores da arte feita por outros”, afirmou.
A importância do audiovisual no contexto indígena foi ressaltada em várias falas durante o processo de produção do documentário. Breno Moroni destacou a capacidade do cinema de ser uma “arma de defesa”, permitindo que os indígenas registrem e denunciem as violações que enfrentam.
“A câmera se tornou um instrumento para registrar as invasões de terras, a violência policial, as queimadas e outras formas de agressão contra os povos indígenas. O audiovisual consegue documentar e denunciar as dificuldades que os povos indígenas enfrentam no dia a dia. Além disso, o cinema é uma forma de dar visibilidade às nossas lutas, permitindo que nossas histórias sejam contadas de maneira autêntica e impactante”, argumenta.
O impacto desse trabalho, no entanto, vai além da questão política e social. Ele busca, acima de tudo, valorizar a cultura indígena em seus diversos aspectos, como as danças, músicas e histórias tradicionais. “O indígena precisa ser mais reconhecido pela sociedade. Temos que colocar em evidência a riqueza da cultura indígena e a importância que ela tem para a nossa história”, ressalta Breno.r
Para o roteirista, cada depoimento registrado é essencial e carrega um valor imenso, principalmente por sua rica diversidade de perspectivas. Sua experiência com os povos indígenas começou de forma tardia, quando se mudou para Campo Grande, vindo de Petrópolis (RJ), onde a presença indígena era quase inexistente. Ele revela que, ao chegar no Mato Grosso do Sul, ficou surpreso ao descobrir a imensa diversidade cultural indígena, incluindo a existência de mais de 350 línguas e dialetos.
“A convivência com os povos indígenas me levou a aprender a respeitar a cultura e a história do Brasil de uma forma muito mais profunda. Para mim, os depoimentos não são apenas algo que documenta, mas sim um aprendizado diário. Cada história que escuto transforma a minha visão sobre o Brasil e sobre as suas raízes, me fazendo enxergar o país de uma maneira mais verdadeira e completa”.
Através da inclusão, do aprendizado e da troca de experiências, a comunidade da Aldeia Urbana Marçal de Souza se fortalece, e suas vozes, por meio do audiovisual, encontram uma nova forma de ser ouvidas. “Somos todos indígenas neste país. Todos temos sangue indígena, seja na veia, nas mãos ou na alma”, conclui Breno Moroni, ressaltando a importância de reconhecer e valorizar os povos indígenas e suas culturas no Brasil.
Amanda Ferreira