Ativista do movimento negro será palestrante na Universidade Central da Carolina do Norte, onde falará sobre empoderamento e vivências
Uma das vozes mais importantes do ativismo e da militância do movimento negro no Mato Grosso do Sul, a campo-grandense Romilda Pizani representará o estado e o Brasil na Universidade Central da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. No dia 21 de outubro, ela será palestrante em um evento acadêmico internacional, onde abordará o tema “Vivências e resistências da mulher negra no Brasil”. A participação marca não apenas o reconhecimento de sua trajetória, mas também a amplificação de narrativas negras brasileiras em espaços de debate global.
Com uma trajetória marcada pela atuação coletiva e pela luta antirracista, Romilda Pizani compartilha registros importantes de sua caminhada, que vão desde a concessão do título de Doutora Honoris Causa até sua atuação como consultora para o elenco da novela Terra e Paixão, da TV Globo. Um detalhe simbólico é a conexão com o jornal O Estado, onde Romilda gravou episódios do podcast Questão de Pele, cujas entrevistas serviram como base de pesquisa para a construção de personagens na novela global, evidenciando o alcance de sua voz e de suas vivências na grande mídia.
Romilda Pizani é uma referência na luta por direitos e representatividade no Mato Grosso do Sul. Educadora social, apresentadora, atriz e locutora, ela atua em diversas frentes com o mesmo propósito: dar voz à população negra e periférica. Coordena o Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS e integra o Grupo TEZ – Trabalho e Estudos Zumbi. É representante estadual da CONEN (Coordenação Nacional das Entidades Negras), além de ocupar cadeiras como conselheira municipal dos Direitos do Negro e de Cultura. Também faz parte da Marcha Mundial de Mulheres e do Teatral Grupo de Risco, unindo militância, arte e comunicação em uma trajetória marcada pelo compromisso com a transformação social.

Foto: Arquivo Pessoal
Impacto para as mulheres
Para o Jornal O Estado, Romilda Pizani contou que o convite para palestrar nos Estados Unidos aconteceu a convite da professora doutora Gladys Mitchell, coordenadora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Central da Carolina do Norte. Romilda embarca no dia 19 de outubro de 2025 e ministra sua palestra no dia 21, levando ao público internacional reflexões sobre as vivências e resistências das mulheres negras brasileiras.
“Representa mais do que um reconhecimento pessoal, é um marco simbólico de anos de compromisso e dedicação à luta pela melhoria da qualidade de vida das mulheres negras no Brasil.Esse convite me fez revisitar toda a nossa trajetória de vida enquanto mulheres negras. Ainda há muito a avançar, mas este momento é especial por muitos motivos, principalmente por acontecer em um dos países mais influentes do mundo”, afirma.
Com o tema “Mulheres Negras: Uma Jornada de Empoderamento e Luta no Brasil”, Romilda Pizani pretende compartilhar na palestra um panorama das vivências, conquistas e desafios enfrentados pelas mulheres negras no país. la também pretende relacionar sua fala à Marcha Nacional das Mulheres Negras, que será realizada em 25 de novembro, em Brasília.
“Vou contextualizar de onde surgimos, em quais políticas tivemos avanços e quais são os nossos maiores desafios. Quero aproveitar esse espaço para reforçar a importância de continuarmos lutando por políticas públicas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida de todas nós, mulheres negras e pretas”, explica.
Romilda também destaca a importância simbólica de ser uma mulher negra da região Centro-Oeste convidada a participar de um evento internacional desse porte. Ela lembra ainda que, nos Estados Unidos, o mês de outubro nas universidades é dedicado à valorização da cultura e da história da população negra, em uma iniciativa semelhante ao que ocorre no Brasil em novembro.
“Penso que seja importante deixar registrado que uma mulher negra da região Centro-Oeste está sendo convidada. Isso representa muito, porque ainda somos pouco visibilizadas nesses espaços. É como se fosse o nosso Novembro Negro. É um período em que a pauta da população negra ganha maior proporção. Estar presente nesse momento é extremamente significativo”, completa.
Vivências até aqui
Para chegar onde está hoje, Romilda percorreu um caminho marcado por desafios. A infância, vivida no

Romilda Pizani recebendo seu título de honra – Foto: Arquivo pessoal
bairro Guanandi, em Campo Grande, foi atravessada por episódios de discriminação que deixaram marcas profundas. As dores vividas naquela fase se transformaram em força e consciência política.
“Toda criança negra infelizmente passa por isso. A diferença é que, na época, não existiam leis que nos protegessem. As violências foram de diversas formas, mas as verbais foram as mais cruéis. A vida e seus mistérios. Posso afirmar que trago comigo a dor e a delícia de ser uma mulher negra de pele retinta, que esta cultura racista insiste em excluir do seu lugar de direito”, relembra ela que transforma essa vivência em voz ativa nos palcos, nas universidades e nos movimentos sociais.
O encontro com o movimento negro marcou uma virada definitiva na trajetória de Romilda Pizani.Ela conta que tudo começou de forma inesperada, em uma tarde comum no centro de Campo Grande.A partir dali, passou a enxergar o racismo como um sistema e não mais como uma responsabilidade individual.
“O movimento foi o divisor de águas da minha vida, com certeza, e gosto de reafirmar isso. Estava atravessando a rua 13 de Maio quando fui abordada por dois homens negros: Carlos Porto e Sionei Ricardo Leão. Eles me convidaram para uma reunião do Grupo TEZ. Fui e nunca mais saí.Tudo mudou. Passei a entender que não era minha culpa. Existe um racismo sistêmico que tenta impedir que a gente se perceba como pessoas merecedoras das coisas boas da vida”, completa.
Além da militância e das ações políticas, Romilda também tem se dedicado à escrita como forma de resistência e cura. “Faço parte do coletivo Mulherio das Letras e estou escrevendo um livro que fala das minhas escrevivências enquanto mulher negra, especialmente sobre esse lugar da solidão que tantas de nós conhecemos. Entendi que a escrita vai além do papel, ela é terapêutica, organizadora. Serve para olharmos nossas histórias e percebermos que, mesmo quando as coisas mudam, a essência ainda está ali”, reflete.
A viagem aos Estados Unidos também carrega desejos pessoais: “Conhecer o Brooklyn, sem dúvida. E ir a um culto em uma daquelas igrejas só para ver aquelas mulheres elegantes cantando e batendo palmas. Isso faz parte da minha memória afetiva de infância”, finaliza. Entre conquistas, sonhos e lutas, Romilda leva ao mundo a força e a beleza da mulher negra brasileira, com fé, palavras e presença.
Amanda Ferreira
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