Raízes Migrantes: Média-metragem estreia em 8 de outubro e retrata a influência de migrantes nordestinos na identidade cultural de Três Lagoas

Foto: Déia Fernandes/Divulgação
Foto: Déia Fernandes/Divulgação

Será lançado no próximo dia 8 de outubro, em Três Lagoas (MS), o documentário “Raízes Migrantes –Histórias Nordestinas no coração de Mato Grosso do Sul”, uma produção da Educ’Art Produções Artísticas, com direção de Déia Fernandes. Com 35 minutos de duração, a obra propõe um mergulho sensível e inédito na formação cultural e social da região da Costa Leste sul-mato-grossense, a partir do olhar de migrantes nordestinos que contribuíram diretamente para o desenvolvimento do território.

O filme combina pesquisa histórica e abordagem poética. A narrativa foi construída com base em materiais do acervo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da biblioteca municipal, além de entrevistas com três migrantes que vivem em Três Lagoas. Seus relatos revelam as dificuldades da migração, os afetos preservados e os novos laços criados no processo de adaptação e pertencimento.

Classificado como um documentário experimental, Raízes Migrantes une linguagem artística e documental para provocar o espectador a refletir sobre memória, identidade e ancestralidade. A produção levanta questões universais sobre o que levamos conosco ao migrar e como reconstruímos nossas raízes em um novo chão. Com forte apelo emocional e relevância histórica, o filme se estabelece como um registro necessário sobre a força da migração nordestina no coração de Mato Grosso do Sul.

Guerreira: Dona Josefa, dona de casa, narra a difícil missão de recomeçar do zero, representando a força silenciosa de tantas mulheres migrantes que sustentaram suas famílias

Idealização

O documentário destaca as trajetórias de três personagens nordestinos que ajudaram a construir a identidade da cidade. Maria da Consolação, do Ceará, superou os desafios da migração e realizou o sonho de se tornar professora após os 40 anos, tornando-se referência em alfabetização no município.

Jerônimo, pernambucano conhecido como Instrutor Vaquejada, preserva suas raízes sertanejas por meio da capoeira, ressignificando sua ancestralidade no novo território. Já Dona Josefa, dona de casa, narra a difícil missão de recomeçar do zero, representando a força silenciosa de tantas mulheres migrantes que sustentaram suas famílias com coragem e trabalho.

Em entrevista ao Jornal O Estado, a diretora e idealizadora Déia Fernandes contou que a ideia do documentário Raízes Migrantes nasceu de uma inquietação pessoal com a falta de referências históricas e culturais no ensino sobre Três Lagoas. (Migrante, ela mesma chegou à cidade aos 11 anos) Déia iniciou, em 2016, um trabalho de pesquisa para um espetáculo teatral em comemoração ao centenário do município.

Durante esse processo, se deparou com histórias pouco conhecidas, como o apagamento da tribo indígena Alfaier e a forte presença de migrantes nordestinos nas fases de industrialização e construção ferroviária. A partir dessas descobertas, desenvolveu projetos como Nossa Nascente, voltado à ancestralidade indígena, e o espetáculo Tecendo Saudade, inspirado na cultura nordestina em formato de cordel.

“Quando se fala em Mato Grosso do Sul, a referência costuma ser o Pantanal ou o Paraguai. Mas aqui na Costa Leste há uma presença muito forte de famílias nordestinas e asiáticas que moldaram a identidade da região. Nossa referência aqui é muito do interior de São Paulo, estamos mais próximos de São Paulo do que da Capital”, afirma.

Personagens

A escolha dos entrevistados para o documentário, Déia explicou que não foi uma decisão fácil. Os três protagonistas são migrantes do sertão nordestino, dois pernambucanos e uma cearense, e representam gerações distintas: uma idosa, uma mulher de meia-idade e um jovem. Apesar das diferenças de idade, seus relatos se entrelaçam pelas mesmas dores e experiências comuns à migração.

“Nós temos muitos nordestinos em Três Lagoas. É a maior população nordestina de imigrantes aqui, e também a dos japoneses. Temos uma associação nipo-brasileira na cidade. As histórias dos personagens se comunicam.São muitas histórias fantásticas, mas essa escolha teve um peso afetivo muito forte para mim”, destaca Déia.

Ancestralidade: Jerônimo, o instrutor vaquejada, preserva as raízes sertanejas com a capoeira – Foto: Déia Fernandes/Divulgação

Experiências Artísticas

Déia explica que a escolha por uma abordagem experimental no documentário foi, acima de tudo, uma decisão coerente com a natureza do trabalho da Educ’Art Produções Artísticas. Segundo ela, a equipe optou por uma linguagem mais simples, acessível e sensível, que permitisse experimentar e construir a narrativa de forma orgânica, a partir das vivências e escutas.

“Nossa produtora não é especializada em cinema tradicional; nosso foco é a criação autoral, o laboratório artístico e a economia criativa. A intenção foi experienciar cada visita, cada pesquisa, de forma única”, explica.

A narrativa do filme é toda poética e autoral, e, para Déia, a maior influência artística veio dos próprios personagens retratados. “Usei meu dom artístico para escrever, mas a verdadeira influência foram eles tudo o que escutei, vivi e senti a partir dessas histórias”.

Ao ser questionada sobre o impacto esperado do documentário Raízes Migrantes, a diretora Déia Fernandes destaca um desejo claro: provocar um movimento de reconhecimento e fortalecimento da identidade cultural de Três Lagoas. Déia relembra a demolição de construções históricas, como a antiga igreja matriz e o primeiro hotel da cidade, além do corte de um jatobá centenário, substituído por um monumento simbólico.

“O maior sentimento que tenho é que ainda não temos uma raiz firmada. Três Lagoas, para crescer, destruiu muito do que a definia culturalmente. É como se a história tivesse sido apagada para dar lugar ao que é moderno”.

Atuando desde 2012 na direção de espetáculos e filmes na cidade, ela observa que Três Lagoas, embora vista como uma potência industrial, carece de reconhecimento cultural e vive à margem da identidade pantaneira ou paraguaia que marca outras regiões do Estado.

“Nossa referência é mais próxima do interior paulista, e temos uma herança indígena forte, que também é pouco valorizada. O documentário pretende mostrar que a Costa Leste sul-mato-grossense não é apenas um centro de produção de celulose, mas um território de histórias vivas. Três Lagoas é uma cidade de passagem, onde muitos chegam, passam ou recomeçam. Precisamos nos reconhecer nessas histórias para construir, enfim, uma identidade cultural sólida e real”, finaliza.

A produção contou com a colaboração de uma equipe jovem e criativa: Pietra Fernandes Brazil (assistente de produção), Bianca de Oliveira (captação e edição de vídeo) e Henrique Lopes (produção). O resultado é um mosaico audiovisual que reafirma o compromisso da Educ’Art Produções Artísticas em valorizar narrativas locais e democratizar o acesso à arte e à memória cultural.

 

Amanda Ferreira

 

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