O dia em que toquei com Lincão Batera de axé até pagodão

No último sábado, Eduardo Lincoln Gouveia Camargo, conhecido popularmente como “Lincão Batera”, faleceu vítima de complicações de quadro de diabetes. Ele estava internado desde o dia 17 de dezembro do ano passado. Exímio baterista, Lincão dominava todos os ritmos e fez parte da formação de trabalhos que tocavam de tudo. No currículo apresentações com Celito e Geraldo Espíndola, Zé Pretim, Juci Ibanez, Grupo Acaba e Banda Lilás, fora inúmeros freelances que fez ao longo da vida musical.

Lincão era muito engraçado e era difícil não rir das suas piadas e tiradas maneiras. Tinha um coração enorme e vai deixar muitas saudades nas pessoas com quem conviveu. Creio que muitos músicos tenham boas histórias com ele, e vou contar hoje uma passagem da minha vida, que tive o prazer de dividir com essa saudosa figura. No início dos anos 2000, me recuperava de uma separação e da perda dos meus avós, com quem fui criado.

Eram tempos difíceis e nessa época morava na casa do Fábio Brum, que era guitarrista dos Bêbados Habilidosos, banda da qual faço parte até hoje. Lincão tinha um som para fazer em uma feijoada e precisava de um baixista e de um guitarrista. Ele ligou para o Brum que topou de imediato a empreitada e me colocou no negócio. O cachê era bom e tinha comida e cerveja livre. Fiquei feliz pacas, pois tinha um emprego simplório, e a música me garantia um pouco mais de dignidade, além de saber que ia ser diversão garantida.

No caminho Fábio me comunicou que não iríamos tocar blues e que seria um som mais eclético. Na época eu só pensava em blues e já fiquei desanimado com o que se descortinaria à minha frente quando chegasse no local da festa. Chegando lá, parecia a letra da música “Eduardo e Mônica”, da Legião Urbana. “Festa estranha com gente esquisita”, eis que chega Lincão com um sorriso enorme e o abraço fraterno. “Que bom que vocês Vieram! Vamos nos divertir!”

O repertório tinha de tudo: Daniela Mercury, forró pé de serra, uma ou outra sertaneja, pagode e algumas musiquinhas populares tipo “Whisky a Go Go”, do Roupa Nova, Wando e tudo mais o que você possa imaginar. Eu suava como uma bica d’água acompanhando aquele mundaréu de músicas que nunca havia tocado, e Lincão ria de se esbaldar. Em determinado momento, tanto eu, como Fábio Brum nos entregamos para aquela sessão musical e rachávamos o bico da situação. Éramos os caras do blues tocando até pagodão. No intervalo fomos comer uma feijoada. Lincão ria muito e tirava onda da minha cara dizendo que eu levava jeito pra tocar axé! Tocamos bastante e no fim até mandamos uns blues e uns rocks para deixar a nossa assinatura. Nesse momento já não suava mais como uma tampa de marmita e me divertia pacas com a situação inusitada.

O que tiro desses momentos? É que a vida é curta demais e que esses tipos de momentos ficam gravados na nossa história. Eu tinha meu pensamento radical, quanto a outros gêneros musicais, e de repente estava lá tocando esses ritmos e vendo a galera animada dançando, nem aí para saber se quem estava tocando era blueseiro, ou roqueiro. Tirando o nervosismo inicial, curti muito a bagunça e foi o dia em que toquei com um dos grandes bateristas da música de Mato Grosso do Sul. Me muito sinto privilegiado por isso.

Lincão cumpriu com dignidade seu papel na história da música do Estado. Seu filho, Lincoln Gouveia, é um grande músico e carrega o DNA musical do pai. “Linquinho” segue por aqui, lutando pelo reggae em uma associação recém-formada com outros artistas da Capital. Lincão deixa muitas saudades e jamais me esquecerei do dia em que toquei um monte de estilos musicais, que jamais imaginei tocar nesta vida ao lado dessa grande figura. Obrigado, Lincão! Um dia a gente se encontra. Fica em paz.

(Texto: Marcelo Rezende)

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