Músico une tradição e inovação no samba e no choro de MS, com trajetória reconhecida em trabalhos acadêmicos que destacam seu legado como educador e maestro
Referência no samba sul-mato-grossense, Bibi do Cavaco é um dos músicos que ajudaram a construir e fortalecer a identidade do gênero no Estado. Em entrevista ao Jornal O Estado, o artista relembrou uma trajetória marcada pela convivência precoce com a música e pelo aprendizado dentro das escolas de samba. Nascido Vladimir Benedito de Carvalho, ele iniciou sua formação ainda criança, na década de 1970, na Unidos da Vila Carvalho, onde teve contato direto com a bateria e aprendeu, na prática, os fundamentos rítmicos que definiriam sua carreira.
Ao longo da década de 1980, Bibi ampliou sua formação musical e encontrou no cavaquinho o instrumento que o projetou para além das rodas locais. Integrante de grupos de destaque na cena regional, passou a acompanhar nomes consagrados do samba brasileiro, como Moreira da Silva e Jovelina Pérola Negra, além de intérpretes tradicionais do samba-enredo, em apresentações realizadas em Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Além da atuação nos palcos, Bibi do Cavaco teve papel fundamental na produção musical do Estado, sendo fundador do grupo Zuera, pioneiro no registro fonográfico do samba sul-mato-grossense. Também integrou diversos projetos e parcerias com artistas locais, contribuindo como instrumentista e compositor. Atualmente, dedica-se à formação de novos músicos como regente da Orquestra Jovem do Sesc Lageado.
Carreira

O mestre! Conhecido como exímio músico, Bibi também é mestre e ensina música que lhe rendeu homenagem
Em entrevista ao Jornal O Estado Bibi do Cavaco contou que acumulou momentos que ajudaram a consolidar seu nome no cenário musical. Para o músico, alguns episódios simbolizam não apenas reconhecimento profissional, mas também a valorização do estudo e da dedicação à arte, especialmente em um gênero tradicionalmente marcado pela oralidade e pela vivência prática.
“Eu tive muitos momentos importantes, mas os mais marcantes foram aqueles que uniram reconhecimento artístico e dedicação à música. Um deles foi o convite para tocar com o Moreira da Silva, em 1989, e depois com a Jovelina Pérola Negra, em 1990. Esses convites vieram muito pelo fato de eu ser um músico autodidata que sempre se preocupou em estudar leitura de partitura, algo que naquela época era um diferencial e fez muita diferença na minha trajetória”.
Além de dividir o palco com nomes consagrados da música brasileira, Bibi do Cavaco destaca experiências que ultrapassam o reconhecimento individual e se conectam diretamente à história do samba.
“Eu tive a oportunidade de tocar com artistas que são pilares da música brasileira, como Moreira da Silva e Jovelina Pérola Negra, e também de abrir shows de Zeca Pagodinho e Martinho da Vila com o Grupo Zuera. Mas um momento que vai além do palco foi tocar no Cacique de Ramos, a convite do Bira Presidente. Aquele lugar é sagrado para o samba”, afirma Bibi.
Mato Grosso do Sul
Com uma sonoridade marcada pela identidade regional, Bibi do Cavaco construiu um estilo que dialoga com o samba tradicional, mas incorpora influências da cultura de fronteira e da música produzida em Mato Grosso do Sul. Essa combinação dá ao músico um sotaque próprio, resultado de vivências que vão além do universo do samba carioca.
“Minha base é o samba, mas a minha música carrega muito da nossa região. Cresci em um bairro com forte presença da cultura paraguaia, ouvindo polca e chamamé, e isso acabou entrando naturalmente na minha forma de tocar. Também tive contato com a música sul-mato-grossense e toquei em bailes, o que me deu versatilidade. No fim das contas, é essa mistura de influências que faz o meu som ser diferente”, explica Bibi.
O chorinho tem vivido um momento de fortalecimento em Mato Grosso do Sul, impulsionado por músicos, projetos educativos e espaços culturais que mantêm o gênero em circulação. Para Bibi , esse movimento representa não apenas um resgate da tradição, mas também uma renovação estética que dialoga com a identidade regional e com o samba raiz.
“Dá pra afirmar com segurança que o choro vive uma grande fase no Estado. Tem muitos músicos comprometidos com esse gênero e espaços como o Escritório Bar, que mantêm rodas de choro e ajudam a formar novos instrumentistas. Como educador, eu também incentivo meus alunos a tocar esse repertório, o que resultou na criação do grupo Som que Chora, no Sesc Lageado. Gravei o CD Choro Meu e gosto de trazer canções da fronteira para o universo do choro, como uma forma de unir a tradição brasileira com a sonoridade da nossa região”, detalha Bibi.

O músico e pupilo O trabalho de Introdução à Etnomusicologia de Samuel Ferreira emociou o mestre Bibi, que sentiu-se honrado – Foto: reprodução
Homenagem
A trajetória de Bibi do Cavaco também ganhou reconhecimento no meio acadêmico por meio de uma homenagem realizada pelo jovem músico Samuel Ferreira, integrante da Orquestra Jovem Sesc MS e instrumentista. O trabalho, desenvolvido na disciplina de Introdução à Etnomusicologia, analisa a atuação de Bibi não apenas como instrumentista, mas principalmente como educador e regente, destacando sua contribuição para a formação musical de novas gerações.
“Receber essa homenagem foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Ver um jovem como o Samuel dedicar um trabalho inteiro à minha trajetória me trouxe uma sensação enorme de felicidade e honra. Ele conseguiu captar algo muito importante, que é essa ponte entre a formação acadêmica e a música popular brasileira. Saber que minha forma de ensinar está deixando um legado é algo que me enche de gratidão e me dá ainda mais vontade de seguir nesse caminho”.
Samuel, estudante de Licenciatura em Música na UFMS, escolheu Bibi do Cavaco como tema de seu trabalho de Introdução à Etnomusicologia. O objetivo da pesquisa era estudar artistas que marcaram a música em Mato Grosso do Sul, analisando suas trajetórias, atuações e legados. Para Samuel, a escolha fez sentido também por sua convivência diária com Bibi na Orquestra Jovem do Sesc MS, onde ele atua como maestro.
“Além de ser um nome importante do samba e do choro em Campo Grande, ele é meu maestro na Orquestra Jovem do Sesc. Eu convivo com ele toda semana, mas sabia pouco da história dele como músico e educador. A pesquisa me mostrou uma trajetória muito maior do que eu imaginava e me deixou com mais curiosidade sobre quem ele é”, conta Samuel.
A pesquisa mostrou a Samuel que música erudita e popular são complementares, e que a prática do samba e do choro pode dialogar com a formação acadêmica, ampliando sua visão sobre repertório e atuação como músico.
“Hoje eu vejo que não existe um muro entre a música da universidade e a popular. Estudar Bach ou Haydn e tocar samba fazem parte da mesma formação musical. Essa experiência me abriu a mente, me deixou com menos preconceito de estilo e me dá vontade de levar essa mistura também para a minha carreira como músico e futuro educador”, revela Samuel.
Futuro
O ano de 2025 foi intenso para Bibi do Cavaco, marcado pelo trabalho na Orquestra Jovem Sesc MS e pelo foco na educação musical. Além de reger a orquestra, ele buscou levar o samba e o choro como ferramentas de transformação social e cultural, ampliando o acesso da juventude a experiências musicais que vão além do palco.
“Acredito que a educação musical tem um papel fundamental no desenvolvimento das pessoas. Às vezes penso em submeter projetos a órgãos estatais para conseguir apoio, mas ainda há resistência em reconhecer o potencial transformador desses gêneros. Mesmo assim, continuo buscando caminhos para que mais jovens tenham acesso à música, porque acredito no poder dela de mudar vidas e abrir horizontes”.
Para 2026, Bibi do Cavaco adianta aos fãs um projeto muito especial: No Mato Tem Samba. A iniciativa visa registrar composições que marcaram o cancioneiro de Mato Grosso do Sul, mas reinterpretadas com o ritmo do samba, celebrando as raízes regionais e a paixão do músico pelo gênero.
“Os fãs podem esperar o lançamento e a divulgação desse trabalho, que será um marco na minha carreira. Além disso, quero continuar e, se possível, expandir meu trabalho na educação musical, levando o samba e o choro para mais jovens. A música é, para mim, a ferramenta mais poderosa para construir um futuro melhor”, finaliza Bibi.
Por Amanda Ferreira e Marcelo Rezende
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