Entre memória e arte, Lenilde Ramos traça o retrato vivo da identidade cultural sul-mato-grossense através das histórias de Margarida Neder, Norma Jornada e Paulo Simões em novo livro
A literatura sul-mato-grossense ganha um novo retrato de sua identidade no próximo dia 15 de outubro, às 19h30, com o lançamento do livro “Margarida – Retratos Culturais de Mato Grosso do Sul”, da escritora e jornalista Lenilde Ramos. O evento acontece na Estação Cultural Teatro do Mundo, localizada na Rua Barão de Melgaço, 177, e é um convite à memória, à arte e à formação cultural do estado, tendo como fio condutor a trajetória de Margarida Simões Corrêa Neder, mulher pioneira que ajudou a moldar a cena cultural de Mato Grosso do Sul.
O livro responde a uma questão de 1977, ano da criação do estado: “Qual é nossa identidade cultural?”. Quase 50 anos depois, Lenilde reflete sobre essa construção, usando as memórias de Norma Jornada e a história de Margarida para mostrar o papel de mulheres que, em tempos difíceis, impulsionaram arte, educação e acolhimento. Margarida, que faria 100 anos em 2025, foi estilista, educadora informal e madrinha afetiva de várias meninas, incluindo Norma, influenciando ainda crianças como Paulo Simões e Almir Sater.
O livro resgata passagens marcantes da vida de Margarida, nascida em Maracaju, com raízes no Rio de Janeiro e trajetória consolidada em Campo Grande, e mostra como sua casa se transformou em um ponto de efervescência cultural e afetiva. A criação da empresa de moda “Eme Ene” e a convivência com artistas e músicos revelam como o feminino, a arte e o cotidiano se entrelaçaram na formação de um imaginário cultural próprio.
Ao narrar essa história, Lenilde Ramos, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, oferece ao leitor uma obra que é ao mesmo tempo biográfica, histórica e profundamente poética.

Família Margarida, primeira à esquerda, pais e irmãos – Foto: Arquivo pessoal Lenilde Ramos
Marco Inicial
Para o Jornal O Estado, a escritora Lenilde Ramos afirma que “a história de Margarida, por si só, já valeria um livro”. A obra marca o centenário de nascimento de Margarida Neder e os 50 anos da música Trem do Pantanal, de seu sobrinho Paulo Simões, destacando sua contribuição à formação cultural de MS. Ao lado dos seis filhos biológicos, Margarida acolheu oito meninas, entre elas Norma Jornada, fonte central da narrativa.
“Depois da sua morte, em 2003, percebi o quanto a vida dela estava ligada à construção da nossa identidade cultural. A influência de Margarida, como estilista, educadora e figura agregadora, foi decisiva para o fortalecimento das nossas raízes culturais, especialmente após a criação de Mato Grosso do Sul, quando ela se aproximou ainda mais dos movimentos artísticos por meio do sobrinho, músico e compositor”, explica Lenilde.
Segundo Lenilde, a identidade cultural de Mato Grosso do Sul é marcada pela diversidade e pela constante fusão de influências. Segundo ela, desde 1977, o estado vem moldando uma expressão própria a partir do encontro entre raízes indígenas, migrantes do Sudeste, sulistas, paraguaios, japoneses, árabes e outros.
“Sempre foi e continua sendo uma colcha de retalhos.O traço principal que nos caracteriza é a fusão dessa mistura, de onde saiu a riqueza de nossa música, a bovinocultura de Humberto Espíndola, a poesia de Manoel de Barros e até o prato típico de Campo Grande, que é japonês”, a autora.

Artistas: Na Peña Eme Ene, Miska, Paulo Simões, Margarida e Mário Zan, compositor da famosa Chalana – Foto: Arquivo pessoal Lenilde Ramos
Peña Eme Ene
Ao longo do livro, Lenilde discute como símbolos, trajetórias pessoais e movimentos coletivos ajudaram a moldar a identidade cultural de MS. A autora resgata momentos marcantes, como o surgimento da música Trem do Pantanal em 1975 e a Comitiva Esperança, em 1983, que simboliza o despertar artístico do estado recém-criado.Também explora a transformação do ateliê Eme Ene em espaço cultural e a criação da Peña Eme Ene, que por uma década reuniu música, dança, poesia e culinária regional.
“A Peña Eme Ene nasceu quando Humberto Espíndola era secretário de cultura e incentivou o intercâmbio com Paraguai e Bolívia. Inspirado por uma Peña que conheceu em La Paz, Paulo Simões trouxe a ideia para Campo Grande e, com sua tia Margarida, criou esse espaço que por 10 anos reuniu música regional, poesia, dança típica e culinária local. Ali, nossa identidade cultural se materializou em sons, sabores e imagens, como as roupas com letras de músicas e estampas pantaneiras. Foi um marco para a Geração Prata da Casa”, resume Lenilde.
Lenilde destaca o papel fundamental de mulheres como Margarida Neder e Norma Jornada na construção da identidade cultural do estado, apontando que elas foram a ponta de um iceberg composto por muitas outras mulheres empreendedoras que, sem perceber, fizeram história.
“A força e o entusiasmo dessas mulheres sempre me pareceram admiráveis, especialmente pela capacidade que tiveram de reunir artistas de diferentes áreas e inspirá-los. A Peña Eme Ene, espaço idealizado por elas, foi palco para grandes nomes da música regional, como Délio e Delinha, Almir Sater, Guilherme Rondon, Miska, além de jovens talentos como Michel Teló e Marcelo Loureiro. Para mim, contar a história dessas mulheres é essencial para reconhecer a importância feminina nesse processo histórico e artístico”, detalha.

O espaço: A sede da Eme Ene, na Afonso Pena, tornou-se um centro difusor da expressão cultural de Mato Grosso do Sul – Foto: Arquivo pessoal Lenilde Ramos
Importância
O livro de Lenilde Ramos resgata momentos históricos que mostram como diferentes trajetórias se cruzam dentro do universo artístico de MS. A obra destaca a importância de Margarida, uma mulher que influenciou outras a repensarem seu lugar e seu papel na cultura. Margarida foi peça-chave no fortalecimento da identidade cultural do estado, ajudando a projetar sua arte e tradição para o cenário nacional.
A autora espera que o livro não só emocione aqueles que vivenciaram a história de Mato Grosso do Sul, mas também inspire as novas gerações a reconhecerem a riqueza cultural do estado, apesar de sua juventude.
“É importante saber que pessoas “normais”, que não são “autoridades” ou não têm cargos públicos, fazem história e contribuem com ela. É como diz a música Tocando em Frente, do Renato Teixeira e Almir Sater: ‘Cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si, carrega o dom de ser capaz, de ser feliz’”, finaliza Lenilde.
Serviço: O lançamento do livro será no dia 15 de outubro, às 19h30 na Estação Cultural Teatro do Mundo que está localizada na Rua Barão de Melgaço, 177. Entrada gratuita.
Amanda Ferreira