“O homem nasce livre, livre para viver e para morrer”. Quem assistir ao trailer de ‘Malês’, filme nacional que estreia nesta quinta-feira (2) verá como essa frase é vivida e sentida no na nova obra dirigida pelo icônico Antônio Pitanga, sobre uma época sombria no Brasil, que parece que ainda não deixamos para trás.
‘Malês’ é baseado em fatos históricos e retrata a Revolta dos Malês, maior revolução da história do Brasil, organizada pela população negra, escravizada e liberta pelas ruas de Salvador contra a escravidão em 1835. A revolta foi chefiada por africanos muçulmanos e encabeçada por líderes como Pacífico Licutan, que reforçava a importância da participação de diferentes grupos, tribos e religiões para o sucesso da revolta e para o fim da escravidão. Na trama, um casal é separado após serem arrancados de sua terra natal na África e trazidos para o Brasil à força, como escravizados. Enquanto lutam para sobreviver e tentar se reencontrar, ambos se envolvem no levante dos Malês.
Além da direção, Antônio Pitanga também dá vida a Licutan. O elenco é composto por Camila Pitanga, Rocco Pitanga, Samira Carvalho, Patrícia Pilar e outros. O roteiro fica por conta de Manuela Dias e produção da Obá Cacauê Produções.
Um pouco de história…
A revolta dos Malês foi uma rebelião de escravizados africanos que ocorreu no Brasil, durante o Primeiro Reinado, em Salvador, capital da Bahia, em 24 de janeiro de 1835. É considerada como o maior levante de escravizados da história do Brasil.
A palavra “malê” deriva do iorubá ‘ìmàle’, que significa ‘muçulmano’. Era, portanto, a autodesignação dos africanos muçulmanos, falantes de iorubá e procedentes da antiga Costa dos Escravos (litoral dos atuais Benim, Togo e Nigéria) entre os séculos XV e XIX. Entretanto, na Bahia, os malês eram mais conhecidos como nagôs (do jeje anago, nagôr), denominação dada pelos falantes da língua jeje aos que falavam iorubá, e que acabou por se generalizar, Brasil.
Participaram cerca de 600 combatentes, que deixaram a cidade em polvorosa por algumas horas. Durante o combate, mais de setenta rebeldes e cerca de uma dúzia de oponentes foram mortos. Vencidos, dezenas de africanos foram condenados a penas de açoite, prisão, e morte.
Exibições
No início de setembro, o filme foi exibido no Palácio da Alvorada, com a presença do elenco, do Presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), da Primeira Dama, Janja da Silva e da ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Na ocasião, o diretor e ator Antônio Pitanga destacou que trazer essa história para o cinema foi como um ato de resistência. “O século XIX foi marcado por acontecimentos que mudaram o Brasil: independência, abolição, a república e levantes populares. A Revolta dos Malês é um desses episódios fundamentais, mas pouco ensinado nas escolas. Esse filme mostra que os negros não foram apenas vítimas, mas sujeitos ativos que sonhavam, lutavam e construíam um país melhor. É uma história de resistência, de democracia e de esperança”.
Durante a exibição, a atriz Camila Pitanga, recebeu a Ordem do Mérito Cultural. “É uma honra enorme receber essa medalha da ministra Margareth Menezes e do presidente Lula. Lembro quando acompanhei meu pai sendo homenageado aqui em Brasília, e agora, como ativista da cultura, sinto que sigo os passos dele. É um reconhecimento que carrego com muita gratidão e responsabilidade”.
Recepção
Janda Montenegro, do portal CinePop, destaca que a grandiosidade da produção, tanto no seu tempo quanto no seu tema, que permanece, infelizmente, atemporal. “‘Malês’ é uma produção enorme em muitos sentidos – seja porque levou dez anos para ficar pronta, seja pelo talento de seu elenco, seja por ser uma superprodução, gravada em Salvador, Cachoeira e Maricá. É também o projeto que o audiovisual brasileiro precisava para contar de maneira acertada este que é um dos principais e mais importantes eventos da História do país”.
Como a Revolta dos Malês é um episódio pouco falado e ensinado, o filme precisa explicar para o público do que se trata, antes de aprofundar em seus personagens, segundo Montenegro. “Ao mesmo tempo em que abraça tudo que se sabe do levante, também precisa apresentá-lo ao grande público desconhece os acontecimentos – e, nesse ponto, reside a sobrecarga de informações, com muitas línguas, culturas, sotaques, nomes, lugares os quais não fazem parte do cotidiano do brasileiro comum”, explica.
“Intenso, ‘Malês’ é um filme para o Brasil ver e nunca mais esquecer daqueles que lutaram pela liberdade”, finaliza.
Inácio Araujo, da Folha de S.Paulo, reforça a intenção da obra, de mostrar como um acontecimento histórico pode ressoar nos dias atuais quando se trata da população negra no Brasil.
“A representação da revolta dos malês pelo filme tem muito a ver com o fundo histórico com que o Brasil convive até hoje, naturalmente, mas nisso o que mais afeta a realização, o que a motiva, é o esquecimento —desse episódio histórico, para começar. Tem a ver também com a capacidade de evocar nosso passado angustiante e entrelaçá-lo ao presente que nos assombra, do qual é parte indissociável a naturalização da violência contra os negros —e pobres em geral— no país. É disso que trata “Malês”, no fim das contas”.
Por Carolina Rampi
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