Zé Pretim revolucionou a música sul-mato-grossense e foi além com seu blues pantaneiro
A cultura de Mato Grosso do Sul amanheceu mais triste na manhã desta quinta-feira, o músico Zé Pretim (67), foi encontrado morto em sua residência no Bairro São Jorge da Lagoa, na Capital. Natural de Inhapim, Minas Gerais, José Geraldo Rodrigues, o “Zé Pretim”, nasceu em 16 de maio de 1954. De passagem por São Luís do Maranhão, foi até a Bahia e, aos 15 anos, mudou-se para Rondonópolis, no Mato Grosso.
Foi lá mesmo em Rondonópolis que, ainda menino, aos oito anos, Zé Pretim ganhou de sua mãe um cavaquinho, o qual aprendeu a tocar, escondido do pai. “Meu pai dizia que era coisa de vagabundo”, me disse o blueseiro certa vez em entrevista. Com dez anos de idade, ele tocava várias canções de Luiz Gonzaga. E, para migrar pro violão, foi um pulo. O pai acabou se convencendo do talento do filho e deixou que Zé seguisse sua carreira.
Em 1973, Zé chega a Campo Grande e conhece alguns músicos, com os quais viria a tocar. Miguelito e o já falecido Lúcio Val, entre tantos outros. Um jovem e promissor baterista torna-se seu grande amigo e apresenta o blues de Jimi Hendrix, Janis Joplin e B.B. King. Era João Bosco, lendário baterista do Estado, hoje, baterista do Bando do Velho Jack e com o grupo Chalana de Prata.
Nessa época, Zé Pretim tocou com a banda Euforia. Montada por Bosco e ele. A proposta era fazer algo diferente. Alguma coisa entre a MPB e o Blues com pitadas de Rock. Carregado de influências brasileiras, Zé já caminhava para aquilo que viria ser seu estilo: mesclar Blues com MPB. Conheceu, nesse meio tempo, o Rock latino do guitarrista Santana e, obviamente, o Jazz. Em 1974, a cena musical de Campo Grande ainda engatinhava, em se tratando de blues. E Zé Pretim ganhava a vida tocando MPB em serenatas. Com o grupo Euphoria, começa a incluir Blues no repertório, e uma revolução acontece em Campo Grande.
Discografia
Em Rondonópolis-MT, Zé Pretim percebeu que sua carreira dependia de um registro fonográfico. Assim, grava, em 2000, seu primeiro álbum “Zé Pretim em Primavera”. Feito de forma independente, tendo como tema a estação das flores. Zé chegou a dizer que o disco reflete sua paixão pelos prazeres do mundo e funciona como uma homenagem às mulheres de sua vida. Em 2005, de volta a Campo Grande, lança o disco “Zé Pretim Blues Show”. Com 14 músicas gravadas e destaque para as versões Blues de Chico Mineiro, Asa Branca e Vida Cigana, além de suas composições que mesclam o Blues com a música popular brasileira. Em 2008, conclui o disco “Blues Pantaneiro”, um álbum mais autoral, com uma regravação de Chico Mineiro, que, no disco anterior, soava mais como um Blues Rural, tal qual as gravações de Skip James (21/06/1902 – 03/10/1969) e, revitalizada, com uma pegada de Blues urbano “mais Chicago”.
Zé Pretim no Jô Soares
Em 2006, a jornalista Mariana Godoy, da rede Globo, envia o disco “Zé Pretim Blues Show” para a produção do “Programa do Jô”, o que acaba rendendo ao músico uma grande entrevista, com excelente repercussão nacional. Zé domina a entrevista e conquista Jô Soares com suas histórias do Blues. Foi um sucesso tão grande, que a matéria foi reprisada no fim do ano, como uma das melhores entrevistas do programa. Zé Pretim sempre destacou a importância desse acontecimento em sua carreira, ele afirmava que foi o grande momento de sua vida.
Pausa na carreira
Em setembro de 2008, um acidente de moto lhe custou cerca de cinco meses no leito. Acometido por fraturas no fêmur e num braço, Zé acaba se ausentando dos palcos e, assim, fica sem sua fonte de renda. Com a ajuda de amigos e fãs, campanhas são feitas para compra de seu novo CD. E são realizados shows, cuja renda é remetida em seu favor.
Arrebentando no Raul Gil
Em 2017, Zé Pretim participou do Programa Raul Gil, onde fez muito sucesso, ganhando respeito do júri e encantando o próprio apresentador com a versão blueseira de Asa Branca.
Amigos lamentam a partida do bluesman
O músico Luis Ávila, um dos representantes do blues da Capital, foi amigo, parceiro de música e atuante na vida do cantor, conseguindo inclusive, tratamento para que o bluesman conseguisse se livrar do vício em álcool. Luis recorda esses momentos de luta. “O Zé Pretim foi um parceiro que Deus e a Música me presentearam nesta vida. Um dos pioneiros do Blues do MS, que quando nossos caminhos se encontraram ele infelizmente não estava passando pelos seus melhores dias. Mas nunca deixei de acreditar na importância e no potencial dele, especialmente porque a gente tinha recém-perdido o Renatão (ex-vocalista e compositor dos Bêbados Habilidosos)”, salienta o guitarrista.
De acordo com Ávila, a vivência que teve com Zé Pretim, marcará em definitivo sua vida. “Passada a fase mais difícil da vida dele, eu vi o que é Deus agindo na vida de uma pessoa, trazendo um homem de uma condição de ‘quase morte’, e fazendo ele voar, de uma clínica de reabilitação para o palco do Raul Gil e de alguns dos maiores festivais de Blues do Brasil. Algumas das histórias mais incríveis da minha vida, foi pela oportunidade de poder ser amigo e ter trabalhado com esse gênio, de talento único. Ninguém no planeta fazia o Blues do jeito que ele fazia”.
Quem também lamentou a passagem do artista foi o guitarrista Rodrigo Queiroz, dos Bêbados Habilidosos, que relembrou os momentos dividindo os palcos com Zé Pretim. “Zé era o preto velho do blues, um bluesman com muito feeling e uma voz incrível, além de muitos shows com participação dos Bêbados, eu também toquei blues e mpb com ele em bares de Campo Grande quando eu tinha meus 18 anos, muita história ele fez aqui no Mato Grosso do sul e no Brasil. É um orgulho do nosso Blues regional só lembranças boas vai deixar”.
Fabio Terra, guitarrista do Bando do Velho Jack, apontou que Zé Pretim influenciou muitos artistas e bandas de Mato Grosso do Sul, e salientou ainda que o saudoso músico foi além da música regional. “Fui pego de surpresa como todo mundo pela morte do Zé Pretim. A importância dele pra música sul-mato-grossense é imensurável, porque ele começou lá com o Zutrik, fez parte do Euforia, que depois acabou sendo a banda seminal do Alta Tensão, que deu origem ao Bando do Velho Jack, a Blues Band e indiretamente os Bêbados Habilidosos. Ele ajudou a criar uma cena, ele, junto com o Miguelito lá nos anos 1970”.
“O número de músicos que ele influenciou aqui em Campo Grande é enorme. O próprio Bosco, que hoje toca no Bando do Velho Jack, já passou pelo Made in Brasil, passou pelo Alta Tensão, ele sempre comenta sobre a originalidade do Zé e como foi conhecer ele. O Miguelito sempre afirmou que Zé Pretim era um cara diferente, que tocava, que era um crooner, que cantava bem. É imensurável, a perda que nós tivemos hoje, e fecha-se um capítulo da história da música sul-mato-grossense, porque às vezes a gente confunde a música sul-mato-grossense, com a turma do Almir Sater, Paulo Simões, Geraldo Espíndola, que criou um som mais caracterizado como o regionalismo daqui, mas o Zé Pretim era um cara que ele saia do regionalismo e ele ia além”, finaliza Fabio Terra.
Até o fechamento desta edição não tivemos informações sobre a causa da morte nem o local do funeral de Zé Pretim.
(Texto: Marcelo Rezende)