Artesã de MS transforma materiais descartados em peças com consumo responsável
Um acessório que carrega história, propósito e consciência ambiental. O que antes era malote de lona usado pelos Correios, agora ganha nova função nas mãos da artesã sul-mato-grossense Lucienne Lopes Teixeira, 57 anos, à frente do Lú Lopes Ateliê. A iniciativa transforma o que seria descartado em itens de moda como mini mochilas, bolsas rolê e nécessaires, peças sustentáveis que já circulam entre consumidores atentos ao consumo responsável.
Pelo destaque da proposta, Lucienne foi convidada para representar o projeto na Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP 30, que será realizada em 2025 em Belém (PA). Na bagagem, leva 150 peças exclusivas confeccionadas com os malotes postais, 50 mini mochilas, 50 bolsas rolê e 50 nécessaires, para apresentar ao mundo uma moda que vai além da estética: ela transforma realidades.
Mais do que estilo, cada criação carrega uma narrativa de reaproveitamento e transformação social. As vendas das peças colaboram diretamente com as ações do Instituto Moinho Cultural Sul-Americano, com apoio do Sebrae/MS. O Moinho é uma organização sediada em Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, que há 21 anos promove educação, arte e empreendedorismo criativo para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. O Moinho foi reconhecido como a melhor ONG de Cultura do Brasil.
Iniciativa
Para o Jornal O Estado, Lucienne Lopes Teixeira contou que a ideia de transformar malotes dos Correios em acessórios sustentáveis nasceu a partir de um curso de costura oferecido pelo Instituto Moinho Cultural, em Corumbá (MS), que havia se mudado para a cidade após seu marido militar ir para a reserva, foi incentivada pela irmã, professora voluntária no Moinho, a participar das oficinas de artesanato.
Lá, com o apoio de uma consultora de São Paulo e o uso de materiais doados pelos Correios, ela aprendeu técnicas de reaproveitamento têxtil. “O desafio foi dar vida a um material que seria descartado”, conta. O projeto começou com experimentações em serigrafia, e embora Lucienne tenha se mudado para Campo Grande para acompanhar os estudos da filha, levou consigo o conhecimento e o propósito de transformar resíduos em peças únicas e cheias de história.
Para a artesã, a trajetória de transformação começou no Moinho Cultural e deixou marcas profundas. Ela destaca que o aprendizado oferecido pela instituição foi essencial não apenas para o desenvolvimento técnico, mas também pessoal e profissional. Além de reaproveitar malotes dos Correios, Lucienne aprendeu a confeccionar camisetas, trabalhar com lycra e até participou da produção de figurinos para espetáculos do Moinho.
“A maior parte do que sei hoje, aprendi lá dentro. Voltar a ter uma parceria com eles, depois de tantos anos, é um prazer que não tem tamanho. O que mais me marcou foi perceber que, enquanto muitos não aproveitam as oportunidades oferecidas, eu me agarrei a cada ensinamento.Para mim, o Moinho foi a base de tudo o que construí e reencontrar esse caminho é como costurar, mais uma vez, uma história de gratidão, aprendizado e propósito”, afirma.

Foto: Assessoria/Divulgação
Processo Criativo
As estampas e bordados com animais do Pantanal que decoram as peças assinadas por Lucienne nasceram de uma virada criativa em sua produção. No início, ela trabalhava apenas com apliques de flores, que, segundo relata, tinham pouca aceitação no mercado. A mudança veio quando uma amiga mostrou uma toalha bordada com a imagem de uma capivara.
“Fiquei encantada com o resultado, procurei o bordador responsável, Franks D’Oner, que mais tarde se tornaria meu parceiro criativo. Foi ele quem me ajudou a criar e desenvolver outros animais para a coleção. Juntos, passamos a incluir bichos emblemáticos da fauna pantaneira, como forma de valorizar a identidade regional e dar ainda mais significado às peças sustentáveis que produzo”, destaca.
O processo de transformar malotes dos Correios em peças únicas, foi bastante artesanal e guiado pela demanda dos clientes. Inicialmente, como não tinha um catálogo fixo, ela trabalhava sob encomenda, adaptando tamanho e formato conforme os pedidos recebidos.
A pochete, hoje uma das peças mais procuradas, nasceu justamente de uma solicitação prática.
“Uma amiga artesã me pediu para fazer uma pochete de lona para o marido dela, cansada de comprar sempre o mesmo modelo desgastado. Então, usei a peça velha como molde para desenvolver meu próprio modelo, que acabou se tornando referência na coleção. Assim, o trabalho de costura, bordado e criação das estampas foi se moldando ao longo do tempo, sempre a partir de necessidades reais e do reaproveitamento criativo do material”, explica.
Para a confecção das bolsas e acessórios feitos a partir dos malotes dos Correios, Lucienne utiliza uma máquina de costura industrial reta, especialmente regulada para trabalhar com materiais pesados como lona. “Não costuro tecidos finos, como os usados em vestuário, porque a máquina é preparada exclusivamente para lona”, explica.
Já os bordados são realizados por um parceiro que opera uma máquina de bordado computadorizado, responsável por criar as artes que dão vida às peças. Lucienne corta as lonas, leva para o parceiro bordar e depois retorna para finalizar a montagem dos produtos antes de entregá-los aos clientes. Esse trabalho conjunto entre costura manual e tecnologia garante a qualidade e a durabilidade das peças sustentáveis.
Representatividade
Embora não vá pessoalmente à COP 30, em Belém, a artesã celebra o envio de suas peças para o evento por meio de uma parceria com o Sebrae. Selecionadas pelo programa nacional, suas bolsas e acessórios serão comercializados em uma loja colaborativa durante a conferência, ampliando a visibilidade do seu trabalho para um público internacional.
“Para mim, essa oportunidade é motivo de orgulho e gratidão, especialmente ao lembrar que minhas criações já chegaram a países como Japão, Estados Unidos e Alemanha, mostrando o alcance global da moda sustentável e com propósito feita no Brasil”.
Mais do que vender peças, o projeto de Lucienne transforma vidas e inspira pessoas. Ela relata a emoção de ver o brilho nos olhos dos clientes ao conhecerem a história por trás de cada bolsa feita a partir de material reaproveitado, mostrando que a moda pode sim ser uma poderosa ferramenta de mudança social.
“Faço tudo com muito amor e carinho, e poder mostrar minha arte para o mundo é uma conquista que traz esperança e renovação. Meu compromisso vai além da moda é sobre criar impacto e abrir caminhos para quem acredita no poder da transformação”, finaliza.
Serviço:Para além da COP30, as peças da artesã podem ser adquiridas por meio das redes sociais, @lulopesatelie. Lú também participa de feiras de artesanato em Campo Grande.
Amanda Ferreira