Modelo contou ao Jornal O Estado como foi o evento
De origem tupi-guarani, a atriz, modelo, artista e defensora da cultura indígena, Dandara Queiroz alcançou voo de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul e chegou a lugares onde alguns pensavam que os povos originários não conseguiriam chegar: nas capas de revista, passarelas e televisão. Nesta semana, a jovem de 27 anos, foi destaque na São Paulo Fashion Week – SPFW N60 e da SPFW Academy, série de workshops com profissionais do setor. Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado, Dandara contou como está sendo a experiência.
A modelo foi a estrela no desfile do estilista Ronaldo Fraga, em apresentação que marcou o retorno de Fraga ao calendário oficial de desfiles. Ela também integrou outros desfiles aguardados como Santa Resistência e Flávia Aranha. A semana de moda brasileira irá até o dia 20 de outubro.
Natural de Araçatuba, em São Paulo, e criada em Três Lagoas, sua vivência em MS auxiliou a conhecer melhor suas próprias raízes e mergulhar nas lutas dos povos indígenas. “O Estado do MS tem uma população indígena enorme, com muitos povos e culturas diferentes. Eu tive a oportunidade de conviver com os Guarani-kaiowá, Nhandewa, Terena, Kadiwéu e entender que, apesar das belezas singulares, a luta é coletiva. A realidade é árdua e precisa da colaboração e conscientização de todos. A luta pelos territórios, pelo nosso modo de viver (nhanderekó), para existir ali com dignidade é algo que atravessa gerações. É literalmente ancestral e faz parte do meu propósito”, disse ao Jornal O Estado.
Emoção
O estilista mineiro Ronaldo Fraga é conhecido por realizar desfiles com histórias ligadas à identidade cultural brasileira. Ele estava afastado das passarelas há seis anos, mas retornou para a comemoração de 30 anos da SPFW com uma coleção inspirada no amigo Milton Nascimento. Para Dandara, participar desse retorno foi além do imaginado.
“Foi a primeira vez que desfilei para o Ronaldo e eu vivi um misto de felicidade e realização.
Eu fiquei genuinamente emocionada com aquele momento porque o Ronaldo tem algo que eu admiro grandemente, a humildade. E é inevitável não torcer e vibrar para uma pessoa como ele. Foi lindo, criativo e com um significado muito profundo. Não consegui conter as lágrimas”.
Também parte do SPFW Academy, que propõe uma troca com profissionais do setor, Dandara teve a oportunidade de compartilhar um pouco da sua trajetória em um evento que sempre foi seu sonho, e ainda ser exemplo para tantos jovens pelo país.
“Estou muito feliz em somar com essa primeira edição do SPFW Academy. Há poucos anos o meu maior sonho como modelo era pisar na passarela do SPFW, e hoje, além disso, tenho a oportunidade de falar sobre a minha trajetória nessa conversa com grandes nomes da moda, como, por exemplo, o Ed Benini, que inclusive contribui para o meu crescimento, sempre confiou no meu potencial. Realização e orgulho definem. Nesses momentos, eu penso muito na minha família e nas pessoas que se espelham em mim. A gente nunca pode deixar de vibrar quando alcançamos os nossos sonhos e quando conseguimos usar a nossa voz como ferramenta de comunicação pelo que acreditamos”.
Virtual para eternizar
Dandara engaja-se trabalhando coletivamente com lideranças originárias para inclusão e representação. Nas redes sociais, compartilha também trabalhos, lutas e raízes, além de artes como as pinturas corporais indígenas, usando de jenipapo a urucum, honrando origem e ancestralidade. A artista também produz acessórios como amuletos de proteção.
“O artista indígena aprende que a arte não se separa do nosso modo de viver, do nosso sagrado, rituais, do nosso dia-a-dia. O artesanato, canto, danças e pinturas são a nossa forma de existir. Criar é uma conexão com o criador. É uma prece”, explica. “Quando eu crio, eu alimento minha alma, a conexão com a minha história, com as minhas ancestrais e com a minha potência artística. Levar tudo isso para o mundo virtual é uma forma de não deixar a nossa cultura se apagar. É eternizar esse sentimento e conseguir compartilhar com as pessoas, já que essa rede interliga todos nós”.
Antes de despontar, Dandara chegou a vender geladinhos para engordar a renda familiar.
Multiartista, vem chamando atenção após emplacar em seguidas obras: aposta da Rede Globo, brilhou como Benvinda na novela ‘No Rancho Fundo’. Pouco antes, protagonizou ‘Falas da Terra – Histórias Impossíveis’, em episódio que homenageou os povos originários.
Recentemente, foi eleita para o time de apresentadores de ‘Planeta Menos 1 Lixo’, programa do Globoplay e canal Futura em que explora consumo e descarte, com o objetivo de educar e inspirar para uma consciência ambiental proativa.
Em 2025, também estreou nos teatros, vivendo Maria Cabocla no elogiado musical ‘Torto Arado’. Antes da atuação como atriz, Dandara já havia despontado como modelo: detém título de recordista de desfiles na São Paulo Fashion Week de 2022, passagens pelo mercado internacional, capas para Vogue e Elle, e trabalhos para grifes renomadas como Lancôme, em que estrelou campanha mundial junto à prestigiada atriz Zendaya.
Tão engajada nas próprias histórias e origens, a modelo destaca como é viver no meio da moda, que pode muitas vezes de apropriar de símbolos indígenas sem conhecer seu real significado ou dar os devidos créditos.
“É uma luta diária. Os grafismos são sagrados, a maioria tem seu significado individual, de cada povo. Utilizar disso sem conhecimento e permissão é falta de respeito. Eu me sinto muito feliz quando as pessoas se interessam em saber os significados, o que tem por trás da estética dos nossos símbolos. E eu também me dedico muito nesses estudos”, ressaltou.
Com um nome reconhecido no meio, ela já deixa o recado para outras jovens indígenas que sonham em ocupar espaços como a passarela, cinema ou artes visuais: “Precisamos ressignificar o nosso olhar para nós mesmas”, explicou. “Entender a magnitude do nosso valor, o quão sagrada é a nossa cultura e essência. Eu ainda vivo esse processo e sei que ele é necessário para ocuparmos os lugares que merecemos estar. Precisamos entender e assim trabalhar para que os outros também entendam, valorizem e respeitem quem somos.
A retomada originária está por toda parte e de muitas formas diferentes. Quando eu comecei, mal tinham referências e inspirações que eu me sentisse representada. Não é um trabalho fácil, mas hoje sinto que contribuo com ele. E se hoje eu tenho a oportunidade de estar aqui, espero estar abrindo os caminhos para as próximas que virão. Eu penso nisso em cada trabalho que faço”, finalizou.
Por Carolina Rampi