Obra de Teylor Fuchs será lançada hoje (11) e revela mais de um século de folia popular e resistência cultural na Capital
No dia 11 de setembro, às 19h, o Eden Beer (Av. Mato Grosso, 68) será palco do lançamento do livro “Do Clube dos Fidalgos ao Cordão Valu: Alegria e Resistência Ocupando as Ruas da Cidade”, do pesquisador Teylor Fuchs. A publicação investiga a construção histórica do carnaval de rua em Campo Grande, oferecendo um olhar aprofundado sobre como essa manifestação popular se enraizou na cidade ao longo das décadas.
A pesquisa, desenvolvida no mestrado em Estudos Culturais pela UFMS, atravessa mais de cem anos de celebrações, começando pelas primeiras iniciativas carnavalescas do Clube dos Fidalgos e alcançando o impacto do Cordão Valu no século XXI. O livro analisa como essas expressões festivas evoluíram, ampliaram sua força social e passaram a ocupar as ruas com protagonismo, diversidade e potência coletiva.
Mais do que narrar uma sequência de eventos, a obra propõe uma leitura do carnaval como ferramenta de resistência e identidade cultural. Durante o lançamento, o público poderá participar de uma sessão de autógrafos e curtir a apresentação do Valu Samba Trio. A entrada é livre, e o encontro promete reunir amantes da cultura popular, estudiosos e quem vê na folia um gesto político e afetivo de pertencimento à cidade.

Obra analisa como essas expressões festivas evoluíram, ampliaram sua força social nas ruas – Foto: arquivo pessoal
Como o Carnaval começou…
O interesse de Teylor Fuchs pelo carnaval de rua de Campo Grande nasceu da vivência direta com o Cordão Valu, do qual faz parte desde sua criação, mas também de um olhar crítico como sociólogo e pesquisador da cidade. Sua motivação para transformar o tema em objeto de estudo surgiu a partir de episódios marcantes, como a proibição do grupo Islam Campão de recitar poesia em praça pública por falta de alvará, em 2018, e a tentativa de impedir a realização do Cordão Valu na Esplanada Ferroviária, em 2019.
Esses acontecimentos o levaram a refletir sobre o direito à cidade e a dificuldade de ocupar o espaço público em Campo Grande. A partir dessa inquietação, nasceu a pesquisa de mestrado em Estudos Culturais pela UFMS, que agora se transforma em livro, com o propósito de discutir o carnaval não apenas como festa, mas como prática de resistência, ocupação e construção coletiva da vida urbana.
Para o Jornal O Estado, Teylor contou que ao longo de três anos de pesquisa, mergulhou profundamente na história do carnaval campo-grandense, explorando documentos raros e pouco acessados. Sua investigação passou por jornais do século XIX na Hemeroteca da Biblioteca Nacional e pelo ARCA, o arquivo histórico de Campo Grande, onde analisou registros ano a ano desde 1910.
Entre as descobertas mais surpreendentes, ele encontrou relatos de festas carnavalescas já no fim do século XIX, quando a cidade ainda se resumia à atual Rua 26 de Agosto. Mesmo com uma população reduzida, Campo Grande já brincava com o Carnaval através do entrudo, uma prática popular da época que envolvia farinha, água e muita irreverência.
“Encontrei informações sobre o Clube dos Fidalgos, que em 1912 criou o primeiro bloco de rua a desfilar em Campo Grande, e é daí que vem o título do livro. Depois, na década de 1920, surge o Rádio Clube e os bailes de salão passam a ter destaque. A partir dos anos 1940, aparecem novos blocos de rua; nos anos 1960 e 1970, algumas dessas agremiações viram escolas de samba, que ganham força nas décadas seguintes. Nos anos 2000, temos o surgimento do Cordão Valu, em 2007, que marca uma nova fase do Carnaval de rua na cidade”, explica o autor.
Teylor complementa que, ao longo da história, Campo Grande nunca deixou de ter Carnaval, e quando teve, contou com forte adesão popular. “Fiicou claro o quanto sempre foi difícil ocupar as ruas. Em todas as épocas, houve obstáculos: escolas de samba com dificuldades para desfilar na 14 de Julho, eventos sendo barrados ou com pouca estrutura. O livro fala disso também, dá resistência e luta por ocupar os espaços públicos e exercer o direito à cidade”, detalha.
Resistência cultural
A pesquisa também evela que o carnaval de rua em Campo Grande é muito mais do que uma festa: é um ato político e de resistência. Apesar da força e da adesão popular crescente, os blocos enfrentam ano após ano obstáculos que vão desde entraves burocráticos até a repressão direta por parte das forças de segurança.
O pesquisador reforça que a ocupação das ruas, seja por meio da poesia, do teatro ou da folia, continua sendo uma batalha contra forças conservadoras que tentam limitar o uso do espaço público. “Mesmo o Carnaval da Esplanada, já consolidado, é construído com muito esforço por coletivos independentes, como o Cordão Valu e o Capivara Blasé, e não pelo poder público, que muitas vezes impõe barreiras ao invés de apoiar”, revela.
Nesse cenário, o Cordão Valu ganha destaque como um agente transformador da paisagem urbana e cultural da cidade. Surgido em 2007, o bloco não apenas fortaleceu o carnaval popular e democrático, como também ressignificou o uso da Esplanada Ferroviária, um espaço antes negligenciado e hoje símbolo da folia campo-grandense.
“A partir dessa ocupação, outros blocos e iniciativas culturais passaram a surgir, ampliando a noção de direito à cidade. O Cordão Valu ajudou a mudar o imaginário coletivo sobre o uso das ruas. Feira do Bosque, Feira Ziriguidum entre outras, todas essas feiras elas surgem após o carnaval de rua.Você pode ver que a maioria dessas feiras são pessoas que estão ligadas ao Carnaval que organizam. Isso têm transformado a relação da população com os espaços públicos da Capital sul-mato-grossense”.

Foto: arquivo pessoal
Das folias a literatura
O autor acredita que o livro “Do Clube dos Fidalgos ao Cordão Valu” vem preencher uma lacuna importante na historiografia local, ao reunir e sistematizar, pela primeira vez, informações detalhadas sobre o carnaval de rua em Campo Grande. A partir de uma extensa pesquisa documental, incluindo jornais antigos, arquivos públicos e memórias orais, a obra oferece um panorama inédito da folia campo-grandense, desde os primeiros registros no século XIX até os blocos contemporâneos.
“O livro funciona como uma ponte entre passado e presente, facilitando o acesso de futuros pesquisadores a dados que antes exigiam um esforço enorme para serem encontrados em acervos dispersos. Mais do que um registro histórico, vejo a publicação como um símbolo e um ato político: valorizar a identidade cultural de Campo Grande e reconhecer o protagonismo dos blocos, artistas e foliões que, ano após ano, constroem o carnaval da cidade”, finaliza Teylor.
O livro registra a trajetória das manifestações e dos coletivos que mantêm viva a tradição do carnaval de rua em Campo Grande, contribuindo para legitimar essa festa como parte fundamental da cultura local. A obra desmistifica a ideia de que a cidade nunca teve uma tradição carnavalesca forte, revelando a persistência e a criatividade de foliões e organizadores que, apesar dos desafios, seguem ocupando as ruas com festa e arte.
Serviço: O lançamento do livro “Do Clube dos Fidalgos ao Cordão Valu” acontece hoje, 11 de setembro, quinta-feira, às 19h, no Eden Beer, localizado na Avenida Mato Grosso, 68, em Campo Grande/MS. A noite contará com a apresentação do Valu Samba Trio, e a entrada é gratuita para o público.
Por Amanda Ferreira
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