Odilon Esteves fará ponte com literatura e teatro regados a Manoel de Barros
O FIT (Festival Internacional de Teatro) Dourados voltou com tudo após um hiato de seis anos e nesta quinta-feira (25) traz em sua programação uma palestra com o ator Odilon Esteves, nome reconhecido nacionalmente tanto da TV quanto do teatro.
Intitulada ‘Para abrir outras janelas’, a palestra cênico-literária propõe que o público escolha quais autores e livros serão abordados durante a apresentação. Mas se engana quem pensa que a palestra será interativa do tipo ‘suba ao palco’; em entrevista, Odilon explica que este não é o método que costuma usar.
“Tem gente que morre de vergonha dessa interação. A minha palestra não é interativa assim. A interatividade é assim: a cada rodada da apresentação, eu ofereço em torno de três opções para o público presente, de obras, autores ou textos, e eles votam. Então, o mais votado é o que vai ser abordado. E assim sucessivamente. Então, eu nunca sei por qual percurso vamos passar. Nem toda escolha é exatamente racional. Tem uma rodada em que eu mostro três objetos que estão relacionados a alguns textos, mas eu não falo de quem são as autorias, quais são os títulos ou quais são as sinopses. Não, eles têm que escolher o objeto. E, a partir do objeto mais votado, eu apresento o texto que está relacionado a ele. Então, a interatividade se dá muito nesse sentido”, explicou.
Conforme Odilon, a palestra será um entroncamento entre a literatura e os palcos. “É uma palestra cênico-literária, em que vou falar de literatura do ponto de vista do leitor, vou usar de recursos cênicos porque sou ator e preciso desse recurso para estar falando de literatura”.
Ele confessa que, normalmente, é convidado em festivais que tratam apenas de literatura, então ele está animado em poder unir a paixão pelos livros com o teatro. “Estou muito feliz de estar participando de um festival de teatro, estou numa expectativa imensa, porque será a primeira vez que estou indo com essa palestra para um festival de teatro. Acho audacioso e corajoso da curadoria colocar uma atividade dessa natureza na programação e num horário que é de peças teatrais”, disse.
“Se as obras de teatro muitas vezes partem da literatura para chegar em outro lugar, aqui não. Aqui eu uso dos recursos cênicos para oferecer a própria literatura. A literatura é que é a estrela da coisa. A literatura é que é o foco do acontecimento. Mas, claro, eu tendo plena consciência de que estou colocando a minha subjetividade na transposição dessa literatura escrita para a literatura oral, para a oralidade, para chegar ao outro passando pelo meu corpo e pela minha voz”, complementa.
“O cisco tem importância de catedral”
Entre as leituras e encenações, o convidado percorre sua trajetória como leitor e ator, que traz em sua bagagem referências como Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Julio Cortázar, Dostoiévski, Nelson Rodrigues e, especialmente, Manoel de Barros, poeta pantaneiro de grande importância para a obra e a formação artística do ator. Foi ainda no fim dos anos 90 que Odilon conheceu a obra de Manoel de Barros, mas foi com o documentário ‘Só 10% é mentira’, de 2010, que o poeta ocupou um espaço profundo na vida do ator. E foi ali, na simplicidade de Barros, que Odilon se enxergou e aprendeu a ver o mundo ao seu redor.
“Aquilo me tocou muito, a partir do contato com esse documentário tive outro nível de acesso à obra do Manoel de Barros. Também sou do interior, de Minas Gerais, de uma cidade chamada Novo Cruzeiro. Cresci num quintal com coisas, com lata de óleo, com coisas jogadas, em que aprendia com os meus amigos a transformar aquilo em brinquedo. Manoel nos convida a olhar para aqui que não tem valor, que aos olhos dele, tem um valor infinito”, destacou.
Essa relação se aprofundou em 2015, quando enfrentou o luto pela morte de Maria da Paz, sua babá desde a infância, que ajudou sua mãe em sua criação e permaneceu presente até a vida adulta. “Atravessei esse luto com dois autores ao meu lado – Guimarães Rosa, cuja linguagem me remetia ao interior de Minas e à própria Maria, e Manoel de Barros, em cuja obra reencontrei a pureza dela”, relembrou.
“Mal sabia eu que, cinco anos depois de ter visto aquele filme, era justamente aquela obra que iria me ajudar em um dos processos mais dolorosos da minha vida. Não foi nenhum medicamento, foi a obra de Manoel de Barros”.
A presença de Manoel de Barros no repertório de Odilon cria ainda uma ponte especial com o público sul-mato-grossense, aproximando a poesia do Pantanal e a literatura brasileira contemporânea. “O Bernardo, personagem de uma das obras do Manoel, lia a natureza, os sons, as cores. É um convite para a gente exercitar um olhar mais delicado e atento ao mundo ao redor”, reforça Odilon.
Artista
Odilon Esteves, mineiro da cidade de Novo Cruzeiro, é ator com licenciatura em Teatro pela UFMG e uma carreira consolidada em teatro, cinema e TV. No palco, atuou em peças a partir de textos de Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Dostoiévski, Julio Cortázar, Manoel de Barros e Nelson Rodrigues. No cinema, participou do longa “Batismo de Sangue”, e na TV esteve em produções como “Queridos Amigos”, “Sob Pressão”, “Hit Parade”, “Mar do Sertão” e “Guerreiros do Sol” (Globoplay).
Serviço: A palestra cênico-literária ‘Para abrir outras janelas’, do Festival Internacional de Teatro de Dourados será nesta quinta-feira (25), às 20h, no Cine-auditório Wilson Biasotto – UFGD (Unidade 1), de forma gratuita.
Por Carolina Rampi