Acervo destaca sua trajetória artística e a sensibilidade das obras do artista
Foi inaugurada na última quarta-feira (23), na Casa de Ensaio, a exposição “Flores e Bichos: A Leveza na Arte de Galvão Pretto”, uma homenagem ao renomado artista, que faleceu em 2023. A mostra celebra a trajetória de Galvão, consagrado por suas linhas, formas e traços que marcaram a arte da região. Com um olhar sensível sobre a natureza, a exposição traz um recorte da leveza e da delicadeza presentes no universo de “Flores e Bichos”. A visitação está aberta ao público.
A exposição apresenta a proposta do artista de transmutar energias pesadas, trazendo leveza mesmo diante de um contexto de racismo ainda presente. Por meio de suas obras, o público tem a oportunidade de vivenciar a delicadeza e suavidade que Galvão tanto valorizava, enquanto explora como sua arte, ao abordar flores e bichos, transmite uma perspectiva suave, mas igualmente poderosa.
Galvão Pretto sempre desafiou a ideia de que um artista negro deveria se limitar a temas de denúncia e crítica social centrados na questão afro. Ele questionava: “Por que não podemos pintar flores? Por que não podemos fazer releituras de artistas franceses?”. Para o artista, a arte deveria ser uma expressão de liberdade e leveza, refletindo a beleza do mundo ao seu redor, como as flores que brotam no solo árido do cerrado, simbolizando a resistência da natureza.
Os Humanos entre Flores & Bichos

Foto: Ademir Rodrigues
A viúva de Galvão Pretto, psicóloga e idealizadora da exposição, Jacy Curado, revelou ao Jornal O Estado que a ideia da mostra surgiu quando parte da obra de Galvão começou a ser preservada em um acervo particular no ateliê do casal. Jacy, explicou que, desde o falecimento do marido, ela nutria o desejo de realizar uma exposição que homenageasse sua trajetória e perpetuasse sua memória.
“Honrar a memória de uma pessoa também faz parte do processo de cura e superação do luto”, afirmou ela. A idealizadora recebeu um convite dos coordenadores da Casa de Ensaio, incluindo Lúcia Barbosa, para reinauguração de sua galeria. Como Galvão já havia exposto no local, Jacy aceitou a parceria. “Lógico que tivemos que repensar o projeto original para criar uma exposição mais focada em parte de sua obra, mais próxima do final de sua trajetória, que são as flores e os bichos”, explicou.
No entanto, ela enfrentou dificuldades, pois, segundo Jacy, Campo Grande possui poucos espaços públicos para exposições, e atualmente o Marco Museu está desativado. Além disso, o Centro Cultural Octávio Guizzo, que no ano passado realizou uma única exposição dividida em três fases, não ofereceu condições para o uso do espaço. Jacy destacou que esses lugares seriam seus preferidos, já que Galvão trabalhou como gestor cultural por 16 anos, promovendo inúmeras exposições e os salões de artes plásticas nesses equipamentos.
A seleção das obras da exposição foi feita pela curadora Ilva Canale, que já era conhecedora

Foto: Ademir Rodrigues
do acervo de Galvão Pretto. A curadoria foi pensada a partir da temática das flores e bichos, elementos recorrentes no trabalho do artista.
“Os bichos interagem com os humanos, transformando-se, por exemplo, em um jacaré com pele de mulheres nuas, um consumista ou representando seus ‘brothers’ de raça, todos apresentados de forma ecológica. Acredito que, no contexto atual, os problemas do cotidiano não podem mais ser abordados de maneira fragmentada e simplista. A arte de Galvão exige uma abordagem mais complexa e multifacetada, onde a transdisciplinaridade e a transgressão são elementos essenciais”, destaca Ilva.
Processo Crítico e Criativo
A exposição em memória de Galvão Pretto traz à tona a leveza, uma sensação de liberdade e fluidez que se reflete na sua obra. Desde sua primeira mostra em Mato Grosso do Sul, no MARCO (Museu de Arte Contemporânea) em 1998, Galvão foi se transformando, adaptando sua arte e se conectando cada vez mais com o território sul-mato-grossense.

Foto: Ademir Rodrigues
As flores, já presentes em exposições cariocas como “Pitangas no Jardim” (1997) e “A Frô do Amor” (1999), ganharam nova interpretação no estado, com destaque para as flores de papelão expostas na Morada do Bais (2001) e a série “Flores da Primavera” (2017). A delicadeza que brota no cerrado foi evidenciada em “Flores e Pássaros do Cerrado” (2018), e, durante a pandemia, ele revisitou a obra do francês Odilon Redon, resultando em “Flores para Redon” (2021).
Galvão também retratou os animais do Pantanal em “Solta os Bichos” (2012), com obras como araras, tuiuiús e jacarés, além de criar peças premiadas como as “CAPI” (2014), feitas de papel de embrulho e gesso. Mesmo diante da escassez de materiais de pintura, Galvão inovava, criando obras como “A vida é boa para cachorro” e “O osso é duro de roer”, trabalhos feitos na máquina de costura com retalhos e espumas, que retratavam pets e ossos coloridos. Sua capacidade de reinventar a arte, sempre buscando novas formas de expressão, é um dos legados que ele deixa para o público.
“A vernissagem da exposição de Galvão Pretto foi um evento emocionante e marcante. Ao chegarem, muitas pessoas se emocionaram, choraram e se sentiram tocadas pela obra do artista, relembrando-o com muito carinho e admiração”. finaliza, Jacy.
Sobre Galvão Pretto

Foto: Ademir Rodrigues
Galvão Pretto, nascido Ilacír Galvão dos Santos em 1954, no bairro do Méier, Rio de Janeiro, se formou em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da UFRJ e pós-graduou-se em Artes Visuais pela UERJ. Em 2001, mudou-se para Campo Grande/MS, onde participou de diversas exposições e eventos artísticos, tanto como expositor quanto organizador. Atuou como professor de arte em universidades locais, foi curador de exposições e escreveu textos sobre arte, além de desenvolver pesquisa na área de desenho. Seu trabalho, que utilizava diversas técnicas, abordava questões sociais e raciais, buscando sempre refletir sobre esses temas de forma crítica e envolvente.
O lançamento da exposição aconteceu na última quarta-feira, dia 23, contando com o apoio da galerista Celeste Curado. Todos os detalhes do evento foram cuidadosamente planejados, incluindo a escolha da música, com afrojazz de Jorge Aluvaiá. Mais de 100 pessoas, entre artistas, amigos, colegas e familiares, prestigiaram a vernissagem.

Foto: Ademir Rodrigues
Serviço: A exposição é gratuita e permanece aberta ao público na Casa de Ensaio localizado na R. Visconde. De Taunay, 203, bairro Amambai e pode ser visitada até o dia 23 de julho das 8h às 17 horas.
Amanda Ferreira
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