Observar o trabalho da avó Rufina Belizário foi o que fez Benilda Vergílio, 33 anos, se encantar pelo trabalho artístico manual ainda criança. Nascida em Alves de Barros, pequena aldeia de Mato Grosso do Sul, a indígena da etnia kadiwéu se tornou estilista e, hoje, sua arte atravessa as fronteiras do Estado e do Brasil e mostra às pessoas a beleza da arte de seu povo.
Benilda realiza desfiles e participa de exposições em São Paulo e outras grandes cidades do Brasil, e suas peças já chegaram a ser encomendadas para fora do país. O sonho que a estilista vive hoje é o resultado de muita luta, resistência e incentivo de sua família, que sempre a impulsionou a mostrar ao mundo o poder da arte kadiwéu.
Matriarca do povo kadiwéu, a avó de Benilda é sua grande referência. Dona Rufina organizava festas tradicionais, trabalhava na plantação de algodão e desenvolvia seus próprios instrumentos de trabalho. “Ela fazia bolsas, trabalhos com teares e sabia o valor que aquilo tinha, não vendia para qualquer um. Isso me marcou muito e hoje ajudo outras mulheres indígenas a darem o devido valor a sua arte”, comenta a artista.
Com a morte da avó, aos 10 anos, Benilda se mudou para a cidade de Bodoquena-MS, com seu avô Liberdito Rocha, que era cacique kadiwéu e lutava pela salvaguarda de seu povo. A artista conta que com os avós, além de entender sobre a nobreza e a importância de lutar pelo seu povo, aprendeu que a arte também é uma forma de mostrar a resistência indígena.
O avô comprava revistas de moda para a neta e a incentivava sempre a produzir, seja o que fosse. Durante a adolescência foi pegando gosto pela criação de vestidos e decidiu estudar moda, entretanto a vida de uma jovem indígena fora da aldeia é mais difícil do que parece e, por mais que Benilda tivesse apoio dos pais e do avô, ir para a cidade grande e estudar em uma universidade foi um grande desafio.
Benilda descobriu o Curso de Design da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) e teve apoio da Rede de Saberes, um projeto do NEPPI (Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas), que auxilia acadêmicos indígenas a se manterem estudando. Eles recebem ajuda com bolsa de estudos, aulas de informática, reforço de conteúdos, entre outros recursos.
“Me encontrei no curso, a partir das aulas de desenho técnico, comecei a ver como o grafismo kadiwéu é uma forma de comunicação do nosso povo desde o começo, lá na Guerra do Paraguai. Ela existe como uma forma de mostrar a beleza, a estética e a alegria de quem cria”, destaca a artista.
Mesmo recebendo apoio da universidade e da família, assim como muitos jovens indígenas que vão para a Capital, sofreu com o preconceito e a dificuldade com a língua portuguesa, já que sempre falou o idioma kadiwéu. “Meus amigos me apoiaram muito comprando minhas peças e isso ajudou a me manter. Sair da aldeia para a cidade não é fácil, por mais que tenha apoio da família, você precisa sobreviver”, enfatiza Benilda.
A luta da estilista hoje é grande, trabalha contra a desvalorização da arte kadiwéu e tem os atravessadores, aqueles que pagam pouco pelas peças e acabam ficando com grande parte do lucro. Benilda conversa com mulheres da sua etnia para mostrar-lhes como seu trabalho é valioso e que não pode ser vendido por pouco.
“Já vi muitas mulheres com vasos grandes na cabeça trocando suas cerâmicas por roupas usadas ou comida. Sempre pensei que de certa forma essa é uma maneira de exploração, então hoje faço um trabalho de formiguinha, realizo reuniões ou converso individualmente e tento mostrar o quanto sua arte é única e deve ser valorizada”, destaca a artista.
As peças de sua marca Benilda Kadiwéu são produzidas especificamente para desfiles e exposições, de forma artesanal. Como somente ela confecciona as roupas, demora até seis meses para produzir uma coleção para um evento, o que não é um problema para a estilista, pois ela gosta do processo lento e artesanal.
“Depois desses eventos vendo as peças pelas redes sociais, acaba tudo rapidinho. Não faço em grande escala, apenas para essas ocasiões, são peças únicas, por isso as pessoas ficam encantadas”, destaca.
Ser indígena é lutar todos os dias por sua vida e por seu espaço e Benilda vem ganhando o seu. E hoje vive o sonho de viver da moda e mostrar ao mundo o grafismo kadiwéu. “A moda indígena é ocupar espaço, mostrar a realidade de um povo, defender contra atravessadores. É a salvaguarda da cultura indígena, é proteger o que pertence a cada etnia. Moda indígena é luta, vida, espiritualidade e paz”, finaliza.
Texto: Ellen Prudente
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