Foto: Acervo pessoal
Muitas pessoas acreditam que se tornar ator é uma tarefa fácil, mas dar vida a um personagem vai muito além de usar um figurino bacana e decorar as falas. Na verdade, atuar exige se entregar à profissão, estudar, dedicar-se e dominar muitas e muitas técnicas de atuação. É fato que o ofício do ator é complexo, já que seu dia a dia envolve aprendizado constante e muito contato com a sensibilidade do ser humano.
O Estado Online conversou com exclusividade com o ator Espedito Di Montebranco, que nos contou um pouco da sua história de vida, carreira e de sua participação no remake da novela Pantanal (Rede Globo).
Natural de Bodocó- PE, ele é ator, diretor, produtor, iluminador cênico dentre tantas outras habilidades, graduado em Jornalismo e Artes Cênicas. Pós-graduado em Arte Educação e Cultura Regional. Pós-Graduado em Audiovisual – Fotografia, cinema e vídeo.
Executou mais de 1.000 projetos de Iluminação cênica. Atuou em mais de 30 peças de teatro, centenas de trabalhos publicitários, programas televisivos e 26 filmes. No Teatro, destaca-se Murro em Ponta de Faca, de Augusto Boal e direção de Paulo José-RJ. No cinema destacou-se em Do Sul- A vingança, com David Cardoso e Direção de Fábio Flecha. Na televisão, relembra participação em quadro do Programa Caldeirão do Huck.
Em 27 anos de profissão, recebeu mais de 50 prêmios e 12 menções honrosas da Câmara de Vereadores e Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
Pedimos para Espedito que nos respondesse 7 perguntas objetivas e dividimos aqui as respostas curiosas desse artista completo e instigante.
Foto: Acervo pessoal
1) Seu nome artístico foi uma homenagem a atriz Fernanda Montenegro?
EM– “Como venho da poesia, artes plásticas (visuais) tive muitos nomes artísticos: Espedito Pedro, Pedro Avlis, Pedro Silva, Speed Silva, Pedro Rembrandt, Pedro Valença e demais mas nunca me senti confortável. Em 2002 fiz a primeira oficina teatral com a Fernanda Montenegro e na despedida, em um bate papo descontraído eu falei a ela de que precisávamos de uma Montenegro por aqui justamente para termos forças para buscar as Leis de fomento ( que ainda não tínhamos). Ela falou das dificuldades que enfrentava mesmo sendo uma atriz renomada e disparei: Já que não pode ser a Montenegro, uma Montebranco já servia.
Ela disse: Um bom nome artístico, veja se não tem nenhuma família tradicional com este sobrenome que possa se incomodar e se quiser aceita-lo. Está batizado. Pronto, virei Montebranco e minha vida mudou depois disso. Adquiri personalidade e o compromisso de não desapontar a Dama do Teatro Brasileiro. Meu sonho é reencontrá-la e agradecê-la pessoalmente pelo nome, por ser quem é e por representar tão bem esta arte maravilhosa. Fernanda é um ícone maior”.
2) Conte-nos um pouco da sua infância. Nesse período já sonhava com essa profissão?
EM– “Nasci em Bodocó-PE, Meu pai acabou abandonando minha mãe e veio para Junqueirópolis-SP, tempos depois minha mãe segue em busca dele pois naquela época as mulheres separadas dos maridos eram praticamente condenadas pela sociedade. Em Junqueirópolis lembro que na esquina de casa tinha um cinema e eu fiz amizade com os filhos do dono do cinema e entrávamos escondidos para assistir aos filmes. Lá eu via Os Trapalhões, Mazzaropi e até os filmes proibidos do David Cardoso. Ali começou o desejo de estar na grande tela. De lá meu pai novamente abandona a família e vêm para MS, na época MT e se estabelece na região da Quinta Linha próximo a Fátima do Sul, minha mãe novamente vêm em busca dele, de MS meu pai foi para Presidente Médici-RO, um vilarejo que nem energia elétrica tinha. Na década de 70, o Governo dava terras a quem desejasse naquela região e meu pai adquiriu extensas áreas (fazendas), inclusive ele acabou sendo um dos fundadores do Município de Alvorada do Oeste-RO”.
“Em presidente Médici tinha um gerador de energia que era ligado as 19h e desligado as 23h. Uma vizinha dona de um Bolicho ( pequeno supermercado) tinha uma televisão preto e branco e aos domingos nos convidava para ver os filmes dos Trapalhões e novamente eu era sucumbido pelo desejo de estar na tela e atuar com aquelas pessoas. Infelizmente meu pai era um homem farrista, machista, mulherengo e agressivo. Acabou perdendo tudo que tinha em jogos de azar e se mudou para uma zona do baixo meretrício deixando minha mãe com 3 filhos e um irmão menor de idade para criar. Minha irmã mais nova acabou adoecendo de malária e desenganada pelo médico. Não tínhamos o que comer e eramos sempre socorrida por esta vizinha dono do Bolicho que nos dava muitas vezes alimentos que estavam carunchados. Essa mesma vizinha comprou novas passagens de ônibus e resolvemos voltar para Campo Grande e aqui graças a Deus tudo foi mudando. Na escola novamente fui colocando em prática “O teatrinho” como era dito pelos professores. Toda oportunidade que tinha de trabalhos escolares eu fazia “um teatrinho” até surgirem as oportunidades de oficinas na área, faculdade e nunca mais parei”.
“Faço questão de dizer que aos 10 anos de idade eu já tinha sido: engraxate, vendedor de picolé, carregador de produtos da Avon, funileiro, tapeceiro, vendedor nas feiras de Campo Grande , até que a Patrulha Mirim, que era cuidada pelo Policia Militar foi criada. Entrei e em 1983 o ex prefeito Ludio Coelho transformou a Patrulha em Agência de Emprego e hoje se chama Instituto Mirim. Fui o primeiro Mirim a ser empregado aqui na Capital, fui para o Dersul, depois efetivei no serviço publico, fiquei 18 anos e em 1998 no Plano de Demissão Voluntária do ex governador Wilson Barbosa Martins pedi demissão pois decidi que iria viver da arte. Infelizmente não tive tempo de atuar com Os Trapalhões e Mazzaropi, mas fui dirigido e atuei várias vezes com David Cardoso que hoje é meu grande amigo. Boa parte do sonho já realizei”.
Foto: Acervo pessoal
3) Com muitos filmes na carreira, como você percebe o mercado de cinema atualmente no MS?
EM– “São 27 filmes no currículo, mais de 30 peças de teatro, mais de 100 comerciais para TV e mais de 1.000 projetos de iluminação. O cinema está a meu ver no mesmo caminho e dificuldade das demais áreas. Os recursos são poucos e com o pouco se produz o que dá. Novamente qualidade em profissionais não é o problema. MS é privilegiado para o cinema quando se trata de cenários, só olhar em volta da capital que encontra o cenário que precisa: fazendas antigas, rios, cachoeiras, montanhas, cidades históricas, brancos, negros, índios. Temos tudo aqui concentrado e misturado, mas o cinema nacional não sabe porque não existe uma política cultural que convide a todos para virem filmar aqui. Fazemos nossos filmes para nós mesmos e raramente alguém sai para mostrar nosso trabalho ao mundo. Como as produções são poucas novamente nos esbarramos nas dificuldades dos atores. Os atores daqui não conseguem viver exclusivamente de sua arte, daí tem que optar por uma outra profissão deixando a atuação na maioria das vezes para um segundo plano. São raros os atores de teatro e cinema que vivem só de sua atuação por aqui. Precisamos sacudir isso tudo e fazer MS pulsar arte, dança, teatro, cinema, capoeira e etc… Chega de ver nossos artistas terem que ir embora para serem reconhecidos primeiro fora para só depois aqui. Isso é vergonhoso. Precisamos ciscar para dentro”.
4) Qual a sua opinião sobre o teatro que é produzido hoje no MS?
EM– “Comecei a atuar em 1995, mas bem antes disso eu já era poeta, artista plástico, escultor e etc… A arte sempre esteve presente em minha vida. Sou um apaixonado pelo teatro e é graças a ele que cheguei até aqui. Vejo que nossas produções são boas. Em todos os lugares existem produções excelentes, razoáveis e consideradas ruins. Mas digo que nossa produção é boa porque somos de uma geração que aprendeu na manivela, digo, por paixão sabe. Infelizmente e infelizmente a meu ver aconteceu uma coisa muito estranha que a meu ver nos atrapalha. Conseguimos implementar bons editais mas perdemos os espaços para apresentações. Acaba que temos produção mas não temos teatros disponíveis o que muitas vezes impedem nosso crescimento profissional. Não me adianta muito um edital para criar se não tenho para quem mostrar. Meu sonho é viver de bilheteria, ver o publico em desespero pagando com orgulho para ver nossos trabalhos. Que a verdade seja dita. Nesta gestão atual do Governo do Estado perdemos quase tudo. Desde o Fundo de investimentos Culturais, que foi retomado só agora depois de 6 anos e capenga, os editais do Prêmio Rubens Corrêa, edital de Circulação de Espetáculos pelo interior do Estado e tantos outros. Aliás só Campo Grande e Dourados ainda possuem teatros, sendo que o Teatro de Dourados está fechado e o Governo do estado fechou o teatro Aracy Balabanian no primeiro ano deste mandato. Então repito, a produção é boa mas impedida de ser mostrada em espaços fechados para pagantes. Nem todo espetáculo cabe na rua ou em barracão. Falei do teatro, mas todos os editais de todas as áreas também foram cortados”.
“A meu ver o Governo age de má fé e confunde as coisas: Eu não quero que ele me pague por uma apresentação teatral, mas quero que ele mantenha os espaços para apresentações, crie novas possibilidades para o interior e Capital e com os Editais fomente a produção e circulação dos espetáculos. Que tenha uma política de cultura e cumpra sua real obrigação com a sociedade. É muito pedir isso?”.
Foto: Acervo pessoal
5) Atualmente atua no remake da novela Pantanal. Conte-nos um pouco dessa experiência.
EM– “Outro dia uma pessoa entrou em contato comigo e disse: Preciso de um favor, que me passe o contato do produtor da Novela Remake Pantanal da Globo pois ela também queria gravar. Foi demorado explicar a ela que as coisas não funcionam assim. Que é preciso ter um DRT, um registro profissional no Ministério do Trabalho, um cadastro na Globo que deve ser renovado sempre, um bom portfólio, estar ativo na profissão e tantas coisas. É uma luta de cada dia que pode dar certo ou não, algo do tipo, jogar na mega- sena uma vida inteira e que pode dar certo. Mas depois de muita insistência fui escolhido e gravei com a Julia Dalavia e o Cazarré, atores generosos e bem preparados. Aliás a ida até o Pantanal que amo e gravar com aquelas pessoas foi o que mais valeu a pena. Só me deu certeza daquilo que já sabia, que o amor á profissão tem que ser maior que qualquer coisa. O carinho de todos, desde a função mais simples até do diretor geral foi lindo, o respeito com a profissão e com as pessoas ali no meio daquele sol quente pantaneiro foi algo que me tocou. Estamos em um mundo em que muitos buscam a arte pelo glamour e acho que já começam errados. A maioria quer atuar para se orgulhar em dizer que é bom quando na verdade quem diz se você é bom ou não são as pessoas que lhe veem, então eu sempre procurei seguir o caminho inverso. Não quero gritar que sou bom, tento ser e me aprimorar a cada dia para que digam isso, o que novamente é igual a Mega-Sena e pode acontecer ou não, a diferença aqui é que só depende de mim, moldar meu talento, cavar as oportunidades, estar na hora certa e no lugar certo para que as pessoas certas me vejam e isso tudo está atrelado á minha fé em Deus. Dou-lhe o produto que tenho e peço a eles uma forcinha nas oportunidades”.
“Amei atuar no Caldeirão do Hulk, no Remake de Pantanal e sinto que outras portas se abrem para minha vida artística. Já estou buscando oportunidades em novos filmes e novelas. Desanimar jamais. Sigam me os bons”.
6) Após essa experiência, qual seus planos e sonhos?
EM– “Estou sonhando com a próxima novela e um papel maior. Uma atuação maior no cinema nacional mas enquanto isso não acontece vou atuando nos meus vídeos, nos espetáculos de teatro, desenvolvendo meus projetos de iluminação cênica, minhas poesias, quadros… Sou uma pessoa que não para nunca, sou elétrico. Dirijo o Grupo Teatral Palco Sociedade Dramática desde 1995. Um grupo composto por ótimos profissionais: Bruno Moser, Jurema de Castro, Stepheen Abrego, Claudeir Dilly, Giovanna Zottino e que agora com a graça de Deus iremos em janeiro começar os ensaios de uma nova comédia. O Bruno sempre que está comigo diz: Espê, me faz um favor?
O cineasta Davi Pierre também sempre que passa aqui em casa me encontra fazendo algo e ele diz: Você não para?
Acho que é isso que me mantem criativo aos 52 anos de idade de quase 30 de profissão, criar, buscar, inovar. Antes eu tinha um medo medonho de errar, hoje eu aprendi que errar é o que nos faz crescer. Posso errar a vontade desde que não atrapalhe a vida das demais pessoas a meu redor. Eu só quero é ser feliz e para isso preciso estar bem profissionalmente. Esperando novos convites por aqui também pois temos bons cineastas: Fábio Flecha, Davi Pierri, Orivaldo Mendes, Marinete Pinheiro, Márcio Padilha Filipi Silveira, Pedro Melo, Miguel Horta e tantos outros”.
7) Deixe uma mensagem para nossos leitores que sonham em ser atores em um Estado com tão pouco espaço para a profissão .
EM– “Hoje nós temos uma ferramenta fantástica que é a internet. Todas as informações estão ali. Se você quer ser um artista então abra as ferramentas e pesquise, coloque em prática. Conforme mencionei no começo da conversa. Eu queria fazer teatro sem saber que o que eu via era cinema. Levou tempo para entender. Hoje está simples e fácil. Cada criança tem um celular que a grosso modo é uma câmera. Dá para fazer cinema com o celular. Então qual é a dificuldade? Não deixe que a dificuldade seja você, suas desculpas. Simplesmente faça as coisas acontecerem. Faça cursos de teatro pois o teatro vai te trazer conhecimento para a vida e não só para a profissão do ator. Costumo dizer que quem faz teatro é mais feliz, porque você exercita o tempo todo, pode ser vários personagens sem precisar sê-los na vida real. Tem algo melhor que isso? Meu maior prazer é quando alguém me interrompe e diz: Você está falando sério? Ou está Brincando?”
“Isso mostra o quão grandioso é a arte da atuação e também porque os governos tentam acabar, abafar pois ela é uma ferramenta que oferece risco a eles. Quem atua tem um maior poder de persuasão e isso assusta. Quem atua é mais feliz e isso assusta. Governos precisam de gente sofrida, doente, dependente deles para serem manipuladas”.
Foto: Acervo pessoal
Espedito um ator espetacular super profissional e um ser humano incrível em ser amigo de todos, tenho muito orgulho de sermos amigos e termos trabalhado juntos em vários projetos.
Parabéns e sucesso sempre amigo.
Helio Camerieri
Diretor de fotografia