Produção filmada integralmente em Coxim transforma memórias, identidade e pertencimento em narrativa cinematográfica sobre o Cerrado e a infância coxinense
Coxim volta a ocupar o centro da própria narrativa ao se transformar, até este domingo, em cenário e personagem de Carne Amarela, curta-metragem de ficção dirigido por Gleycielli Nonato Guató e produzido por Marcus Teles. Nascidos na cidade, os realizadores retornam ao território de origem para filmar integralmente a obra no município, com elenco local, moradores estreando no audiovisual e uma equipe majoritariamente formada por coxinenses.
Mais do que uma escolha estética, filmar em Coxim é uma decisão ética e afetiva. O filme nasce do desejo de fazer a cidade se reconhecer na tela grande, em suas cores, luz, rios, frutos e infâncias, e também da urgência de refletir sobre o significado desses elementos para a identidade local. O roteiro, assinado por Gleycielli, é inspirado no poema Carne Amarela e no conto É Tempo de Ouro no Cerrado, textos que evocam uma Coxim marcada pela mata, pelo rio e pelo pequi, símbolo central da narrativa.
A protagonista Zoraide, interpretada por Maria Agripina, mãe da diretora e pioneira do teatro coxinense, reúne traços das mulheres que moldaram a trajetória de Gleycielli: mãe, tias, avó e bisavó. A produção também se destaca por ter todos os cargos de direção ocupados por mulheres e por valorizar profissionais locais, além de contar com a participação especial do ator Breno Moroni, conhecido pelo Mascarado da novela A Viagem, em seu 101º trabalho audiovisual.
Com delicadeza voltada também ao público infantil, Carne Amarela aborda temas como queimadas, desmatamento e perda de territórios, propondo um olhar sensível sobre pertencimento e cuidado com a terra. Viabilizado por recursos da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc), o curta pretende circular por festivais no Brasil e no exterior, mas, sobretudo, devolver a Coxim a consciência de seu próprio valor e de sua memória coletiva.
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- Bastidores! A maioria dos participantes do filme é formada por moradores da cidade, muitos deles estreando no audiovisual
Preparação
Para o Jornal O Estado, a diretora Gleycielli Nonato Guató, natural de Coxim, afirmou que o processo de seleção da equipe foi desafiador, devido ao grande número de interessados em comparação às poucas vagas disponíveis.
“Foi um processo bem trabalhoso, porque muita gente queria participar do projeto e as vagas eram poucas. Recebemos muitas propostas de estágio e pessoas interessadas no elenco. É uma oportunidade única, que eu mesma não tive no começo”, conta.
A maioria dos escolhidos é formado por moradores da cidade, muitos deles estreando no audiovisual, o que exigiu preparo e acompanhamento, mas também possibilitou descobertas importantes e o fortalecimento da mão de obra local.
“Por isso, penso com muito carinho na formação de mão de obra para o audiovisual em Coxim. Trabalhar com pessoas que nunca fizeram é um desafio maravilhoso, porque alguém também me deu essa oportunidade um dia. Poder oferecer isso para minha cidade e mostrar que o audiovisual é cultura, economia e oportunidade é muito gratificante”.
Gleycielli explicou que a estética do filme foi construída a partir das cores, da luz e da paisagem que remetem às suas memórias de infância em Coxim. Tons quentes como amarelo, vermelho e laranja, inspirados no nascer e no pôr do sol, foram essenciais para criar um filme ensolarado, acolhedor e afetivo.
“Quando pensei no roteiro, pensei numa Coxim solarada, amarela, vermelha, laranjada, que remete muito ao pôr do sol e ao nascer do sol, que são imagens lindíssimas daqui. É um filme ensolarado, sorridente, gostoso, que dá a sensação de que a gente conhece aquele lugar, aquele quintal, e é o quintal da minha vida. Foi onde cresci, colhi engás, goiabas, cajus, pequis”, detalha.
As locações foram escolhidas para representar essa “Coxim de memória”, valorizando espaços preservados, com árvores, frutos, rios e a simplicidade da vida em um pequeno vilarejo.
Essa memória afetiva construiu a estética do filme. As locações foram escolhidas porque trazem essa pegada de mata e preservação, com árvores, pássaros, o rio, os animais, as casas simples. É a Coxim da minha infância, esse pequeno vilarejo cheio de natureza, que talvez hoje exista um pouco menos, mas que ainda carrega muita beleza e afeto”, comenta.

Coxinenses! O filme é dirigido por Gleycielli Nonato Guató e produzido por Marcus Teles, ambos de Coxim – Foto: Marcus Teles/divulgação
Importância
O curta busca despertar o sentimento de pertencimento como base para a preservação do Cerrado e da memória afetiva de Coxim. A proposta é fazer com que crianças e adultos se reconheçam no território, compreendendo que a identidade cultural do município está diretamente ligada à sua natureza, aos seus símbolos e à necessidade de cuidado com esse patrimônio, gerando consciência e responsabilidade coletiva.
“O pertencimento é fundamental, porque quando você sente que pertence a um território, você cuida dele, você preserva. O filme trabalha essa sensação de pertencimento à natureza do Cerrado Pantaneiro de Coxim, para que o pequi, o pequizeiro e tudo isso seja pertencido a cada pessoa que assista. O pequizeiro é um patrimônio da cidade, mas hoje já existem menos do que quando eu era criança, e haverá menos ainda no futuro se não houver cuidado. É esse sentimento que eu quero despertar: que as pessoas se sintam pertencidas a esse território e que esse pertencimento gere preservação, cuidado e consciência”.
A adaptação de seus textos literários para o cinema partiu de um processo já muito visual, no qual palavra, oralidade e imagem sempre caminharam juntas.“Eu costumo dizer que escrevo em 3D, porque a literatura escrita, a oralidade e a imagem sempre estiveram juntas no meu processo criativo. Quando faço um poema ou um conto, ele já nasce com uma cena, com uma imagem e com uma forma de ser falado”, conta a diretora.
Finalizando, Gleycielli destaca que o maior desafio não esteve na escrita em si, mas na transposição dessas narrativas para as sensações que o audiovisual provoca, ampliando as histórias com novas camadas de significado.
“Por isso, a adaptação não foi tão desafiadora na escrita quanto será agora naquilo que é visto e sentido. O audiovisual traz novas camadas: história, oralidade, afetividade, imagem e sensações. É quase uma linguagem 4D ou 5D. É algo novo para mim, e eu estou adorando aprender e descobrir tudo o que o cinema pode acrescentar a essas histórias”, finaliza.
Por Amanda Ferreira
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