Iniciativa valoriza técnicas tradicionais e sustentabilidade, oferecendo oficinas práticas de extração de fibras, cestaria, trançados e macramê
Campo Grande recebe nesta semana, o projeto cultural “Tecendo Saberes”, que oferece oficinas gratuitas de extração de fibras naturais, cestaria, trançados e macramê. As atividades valorizam técnicas tradicionais e materiais sustentáveis, como bananeira, buriti, sisal e sementes do Cerrado, focando na prática e no resgate dos saberes do Pantanal, além de promover a troca entre os participantes. O casal Jonas Ferreira Caminha e Kamila de Souza Leite, artesãos com 30 anos de experiência, conduz as oficinas, que tiveram início em agosto.
Atualmente, uma nova edição acontece no Instituto Aciesp, com carga horária de 30 horas, até o dia 12 de setembro. Em seguida, o projeto segue para a Escola Especial Colibri, com encontros até outubro, e também para a Associação dos Moradores do São Conrado, entre os dias 22 e 26 de setembro.
Além das oficinas, o projeto realizará workshops abertos ao público nas feiras Bosque da Paz (21 de setembro) e Borogodó (5 de outubro), com turmas de até 15 pessoas. Os encontros têm duração de duas horas e não exigem experiência prévia. A iniciativa busca aproximar a comunidade das técnicas artesanais, promovendo o uso sustentável de e a valorização de saberes tradicionais.
Ancestralidade
Para a reportagem do Jornal O Estado, um dos idealizadores do projeto, Jonas Ferreira, contou que o trabalho com fibras naturais é resultado direto de sua trajetória familiar e cultural. Artesão há décadas, ele também desenvolve outras técnicas, como modelagem em argila, escultura em metal e trançados em couro, sempre mesclando saberes em obras que carregam o legado de sua família.
“A ideia surge das nossas ancestralidades. Cresci observando as técnicas do meu pai, conhecido como Cristo, o ‘troglodita pantaneiro’. Desde jovem, comecei a experimentar com fibras naturais, inspirado pelas tradições do baixo Pantanal e das raízes amazônicas”, destaca.
Para a produção artesanal com fibras naturais, o processo começa ainda na natureza, com a extração cuidadosa da matéria-prima. Jonas Ferreira explica que, no caso da bananeira, o corte do caule é feito com técnica e respeito ao tempo da planta.Após a extração, começa a separação manual das talas do caule, feita com sensibilidade e atenção.
“A colheita é preferencialmente feita na lua nova, porque a água desce para as raízes, o que facilita o corte e permite a rebrota. A gente corta a 40 cm do chão e já faz a limpeza das folhas para começar a preparar as fibras.A gente vai tateando as separações, sentindo onde as talas se soltam naturalmente. É um processo de escuta e paciência”, explica.
A preparação das fibras naturais utilizadas nas oficinas do projeto “Tecendo Saberes” exige cuidado e técnica em cada etapa. Após a colheita do caule da bananeira, são retiradas cinco camadas específicas: os filés, o contrafilé, a capa da renda, a renda e a folha.Depois da separação, as fibras são penduradas para secar à sombra e passam por um processo de amaciamento.
“Cada parte tem sua função no artesanato. A folha, por exemplo, vira bagaço, que usamos como musgo decorativo ou para fazer papel ecológico. Deixamos de molho com vinagre e amaciante. Isso ajuda na flexibilidade, deixa a fibra mais ‘trabalhável’ e pronta para as técnicas de cestaria, trançado e macramê”, detalha o artesão.
Algumas fibras ainda são tingidas com pigmentos naturais ou sintéticos, conforme o uso. Já no caso do buriti, abundante nas áreas verdes de Campo Grande, Jonas destaca que a extração é feita com cuidado: “A gente tira uma camada fina das folhas ainda fechadas, conhecida como ‘olho’ do buriti. Ela dá uma fibra que parece seda, excelente para artesanato”.
Tempo é Arte
Nas oficinas do projeto “Tecendo Saberes”, serão utilizadas diferentes fibras naturais, como bananeira, buriti, sisal, além de galhos naturais, sementes do Cerrado, couro e barbantes ecológicos. Jonas explica que a escolha desses materiais não é aleatória.
“A fibra de bananeira foi escolhida pela abundância e facilidade de ser encontrada nos quintais e no bioma pantaneiro. É um material acessível, com forte identidade cultural e sustentável, que permite a criação de peças artesanais a baixo custo e com potencial de geração de renda”, conta.
Para ele, mais do que ensinar técnicas, a proposta é promover uma experiência transformadora. “Tempo é arte. A arte de tecer saberes é tão gratificante que conecta você com o criador. Quem se dispõe a tecer nessa conectividade sai preenchido de conhecimento e com a satisfação de sentir pertencimento”.
O trabalho com fibras naturais está diretamente ligado à sustentabilidade e à valorização dos saberes tradicionais. Com passagem por 10 países e experiência em diversas técnicas artesanais, ele afirma que aprendeu na prática que “tudo se transforma e nada se perde”.
“Sempre utilizei materiais reciclados nas minhas criações; papel machê, arames, madeira, vidro, garrafas e latas. Esse olhar de reaproveitamento e respeito ao meio ambiente me acompanha desde cedo”, conta.
Futuro
A inspiração para transformar resíduos em arte o levou a criar o perfil no Instagram @ziriguidumdolixoaoluxo, onde compartilha seus trabalhos e reflexões. “É por isso que me proponho a dar continuidade às técnicas tradicionais do nosso povo. Sendo caboclo e agraciado pelo dom de fazer arte, vejo nesse ofício uma forma de manter viva a cultura e cuidar do planeta ao mesmo tempo”.
Os idealizadores projetam para o futuro a criação do Ponto de Cultura Tecendo Saberes, com o objetivo de preservar e fortalecer as técnicas tradicionais do Mato Grosso do Sul e da região. O projeto tem como missão resgatar as técnicas ancestrais dos povos originários e incentivar novos artistas sul-mato-grossenses.
“Queremos criar um coletivo de artesãos para levar cultura e saberes a todo o Estado. No começo, os participantes se surpreendem ao extrair fibras da bananeira, depois despertam sua criatividade e, ao final, se emocionam com as peças feitas por eles. Ver o brilho nos olhos e os sorrisos é nossa maior recompensa”, finaliza.
Serviço: Com carga horária de 30 horas, as oficinas serão realizadas no Instituto ACIESP, no Aero Rancho, entre os dias 8 e 12 de setembro, no período da manhã, das 8h às 11h. Outra turma acontecerá na Associação dos Moradores do São Conrado, de 22 a 26 de setembro de 2025, com aulas nos dois turnos: manhã, das 8h às 11h, e tarde, das 13h às 16h. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelos telefones (67) 99280-8291 e (67) 99173-5477.
Por Amanda Ferreira
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