A douradense, atriz e modelo transexual, Onna Silva, representou o Brasil em um dos maiores festivais de cinema: Cannes. Integrante do elenco de ‘Levante’, filme nacional que aborda o tema do aborto, o longa foi exibido no Festival de Cannes de 2023, no qual conquistou um prêmio. Em conversa com o jornal O Estado, Onna compartilha sobre a experiência no festival, profissão, desafios e expectativas.
Homenageado com o título de “Melhor Filme de Estreia” pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema), o longa brasileiro ‘Levante’, incubiu a Onna o exercício de representar o Brasil em Cannes. Estrelado por Domenica Dias (filha do Mano Brown) e dirigido por Lillah Halla, o filme aborda o tema do aborto, um tópico de avanço moroso no Brasil, que afeta mais de 800 mil mulheres, segundo dados da OMS. Para a atriz, trazer à tona a discussão do aborto sem as rédeas do moralismo, mas como uma questão de saúde pública e direitos da mulher em um prestigiado festival, escancarou o tardio progresso brasileiro em pautas de extrema relevância.
“Enquanto nos países colonizadores esse debate já foi resolvido há anos em relação às leis do aborto, para nós, no Brasil, ainda é extremamente necessário reivindicar sobre a saúde pública de meninas, das periferias e das mulheres de modo geral”, afirmou.
Contudo, Cannes também foi “bonito, mágico e muito questionador” em outros quesitos para Onna. Enquanto ‘Levante’ recebeu um prêmio na mostra Semaine de la Critique, parte da programação de Cannes 2023, para a atriz sul-mato-grossense, estar no festival também representou um momento de árdua travessia pessoal.
“Eu acredito que a diversidade cultural na França não é como a que temos aqui, em São Paulo, digamos assim. Lá, o meu corpo ainda era estranho para eles – uma travesti em um festival de cinema. Mas foi um momento incrível e importante, eu me senti representando a comunidade trans, e o filme ‘Levante’ representou o Brasil todo.”
Carreira
O talento artístico da atriz douradense já repercutiu em atrações nacionais, como a série ‘As Five’, do Globoplay, na qual fez parte do elenco. Além disso, já foi ‘hero’ em campanhas do Spotify, Avon e Salonline. Ao optar pela carreira de atriz, Onna lida com as incertezas e sobrecargas da profissão diariamente. Contudo, afirma fazer dos desafios um estímulo.
“Você sabe que não pode depender apenas dessa profissão e, ao mesmo tempo, tem que se virar com vários outros trabalhos, o que às vezes pode consumir muito do seu tempo, desgaste físico e emocional. Podemos dizer assim, que isso se torna um incentivo para ser uma atriz dedicada”, explicou.
Apesar de uma carreira artística prematura, o currículo de Onna não se limita somente a séries e campanhas publicitárias. A sul-mato-grossense também integrou o musical ‘Chega de Saudade’, dirigido por Marco André Nunes, no qual interpretou Nara Leão. Além disso, participou do ‘Trupe em Cena’, um projeto de desenvolvimento artístico executado pela Rede Globo, com mentoria de Lázaro Ramos. Essas são algumas das maravilhas da profissão, conhecer artistas cujo trabalho acompanhou desde que era adolescente, conforme explicou a atriz.
“Foi maravilhoso ter conhecido pessoas que eu sempre acompanhei, como Lázaro Ramos, Thaís Araújo e Renata Sohá”, pontuou.
O encontro fortuito com o artista global, de encontro com os talentos artísticos de Onna, ainda rendeu à atriz um papel no longa “Medida Provisória”, primeiro filme dirigido por Lázaro Ramos, indicado a vários prêmios. “Foi uma experiência única”, segundo Onna.
“O Lázaro Ramos foi um grande parceiro que acreditou no meu potencial e foi muito generoso em compartilhar esse processo comigo, tendo me convidado para participar de um filme que marcou a sua estreia como diretor. Enfim, é muito gratificante sair do interior do Mato Grosso do Sul sem expectativa nenhuma de vida, se instalar em outro Estado e, em menos de um ano, ver tudo acontecendo”, acrescentou a atriz.
Trajetória
Ainda em Dourados, a artista integrou a série ‘Natasha’, dirigida por Thiago Rotta, em 2017. Diante de um cenário preconceituoso e conturbado após sua transição, Onna resolveu deixar Mato Grosso do Sul em busca de uma vida melhor. Rumo ao Rio de Janeiro, onde decidiu começar uma vida nova, a atriz conheceu o contraste pungente das contradições sociais e outros desafios da cidade carioca. Após vivenciar um período de intensa dificuldade no Rio, um reencontro com o diretor Thiago Rotta proporcionou uma nova virada positiva em sua vida: o teste de elenco para a Rede Globo, seleção que levou Onna até o ‘Trupe de Cena’.
Sobre os planos para a carreira, Onna agradece o momento que vivência e anseia por novos trabalhos que contemplem e prosperem sua carreira artística. “Continuar recebendo tudo que eu puder de teste para filmes, séries, publicidade, TV, mestres de cerimônias, tudo que contemple a minha arte. Graças a Deus, estou numa bolha agora na qual posso sentir uma rede de apoio. Tenho pessoas que me auxiliam, me ajudam, confiam no meu trabalho, me indicam e fazem toda essa movimentação acontecer, independentemente de ser rápido ou não”, clamou Onna.”
Ainda, para os jovens trans que desejam atuar, a artriz sugere muito “pé no chão”, e acrescenta que paciência é um bem necessário nesses casos, pois, conforme salientou a atriz, “esse é um caminho que não acontece de uma vez”.
“Pode sim acontecer, tipo, do nada você fez um projeto legal e ficou famoso porque a veiculação é maior, mas é necessário ter calma, paciência, porque a vida artística não é todo esse glamour; é um processo. É preciso se resolver muito mentalmente, se organizar, aprender a ceder”, explicou.
O longa ‘Levante’ foi lançado nos cinemas franceses 6 de dezembro de 2023, no Brasil ainda aguarda previsão. Para conhecer mais sobre o trabalho de Onna, acesse @onnasilva.
Por Ana Cavalcante.
Confira mais notícias na edição impressa do Jornal O Estado do MS.
Acesse as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram.