Com mais tempo em isolamento social, eles possuem mais chances de apresentar sintomas depressivos
O cansaço físico e mental virou rotina, o sono deixou de ser reparador e o futuro tornou- -se assustador. O estudo sobre o processo de envelhecimento durante a pandemia de COVID-19, coordenado pela pesquisadora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Bruna Moretti Luchesi constatou que os idosos, há mais tempo em isolamento social, possuem mais chances de apresentarem sintomas depressivos.
Durante o mês de junho, 380 idosos responderam a um questionário on-line para avaliar eventuais transtornos de saúde mental, sendo 286 mulheres e 94 homens. A média de idade foi 67,2 anos, com participantes de todas as regiões do Brasil. Foi identificado na pesquisa que 28,7% tinham sintomas de depressão e 26,1% sintomas de ansiedade.
De acordo com a pesquisadora, muitas pessoas consideram que “ser velho é ser triste”, e acabam não dando importância quando os idosos apresentam alguma queixa, ou aparentam algum sintoma. Luchesi reiterou que a taxa de suicídio em idosos é altíssima no Brasil e no mundo.
Dados do Ministério da Saúde, divulgados em 2018, apontam que na faixa etária acima de 70 anos, foi registrada a taxa média de 8,9 mortes por 100 mil nos últimos anos. A taxa média nacional é de 5,5 por 100 mil.
Abordar suicídio, ansiedade e depressão em idosos é extremamente importante, pois há um alto grau de subnotificação. A professora considera até uma “certa negligência em tratar da temática”, principalmente por ser um grupo etário que está “próximo da morte”.
Os motivos que levam um idoso a cometer o suicídio variam. Podem envolver as perdas, sejam elas de saúde, do trabalho, de independência e autonomia, ou ainda dos cônjuges, familiares e amigos. Além disso, existe uma desvalorização social em relação aos idosos, que, por não estarem inseridos no contexto da produtividade capitalista, são considerados um fardo.
“Nesse contexto de perdas, atrelado à desvalorização social, o idoso sente que não tem mais valor para a sociedade e para a família, o que leva à perda de sentido da vida, à dor e ao sofrimento, podendo culminar no suicídio”, pontuou Bruna.
Luchesi explicou que os primeiros sinais de suicídio usualmente envolvem a mudança de comportamento. Os idosos ficam mais tristes e retraídos, e podem, ainda, querer se despedir dos familiares.
Para impedir o suicídio, a pesquisadora ressaltou a importância de mantê-los ativos, em contato com amigos e familiares. “A conversa e o afeto são muito importantes para que o idoso se sinta querido, ele precisa se sentir integrado na sociedade, se sentir pertencido para conseguir ressignificar a vida mesmo diante de tantas perdas”, frisou Bruna.
Setembro Amarelo
Desde 2014, a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), em parceria com o CFM (Conselho Federal de Medicina) e o CVV (Centro de Valorização da Vida), organizam nacionalmente o Setembro Amarelo. São registrados, em média, 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Por volta de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais.
Os transtornos mentais são considerados a segunda principal causa de dias improdutivos, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e do abuso de substâncias.
A Lasme (Liga Acadêmica de Saúde Mental de Enfermagem) foi criada em 2014 na UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e tem por finalidade proporcionar ações assistenciais aos acadêmicos e à comunidade, por meio de atividades de preservação à vida e debates sobre saúde mental.
Para a coordenadora da Lasme, Bianca Cristina Ciccone Giacon, há várias maneiras de se estabelecer um diálogo mais efetivos com temas relacionados à saúde mental. “Um dos principais, no meu entendimento, é por meio da quebra de estigmas e preconceitos, muitas vezes enraizados, sobre o tema saúde mental e adoecimento mental”, reiterou Bianca.
Giacon ressaltou que condições de depressão e ansiedade podem ser passageiras ou duradouras. O quadro de progressão da doença depende de como a pessoa vivenciou o transtorno e pelo contexto de vida que ela está inserida. A professora acredita que é essencial identificar precocemente o sofrimento, alteração ou condição de saúde.
O uso de plataformas digitais e redes sociais, de maneira correta e responsável, pode ser uma boa estratégia para promover conhecimento, diálogos e reflexões sobre prevenção ao suicídio, afirmou a docente. “Ademais, a atuação da liga, proporciona a extensão do conhecimento produzido dentro da universidade para a comunidade externa, em uma linguagem muitas vezes mais acessível”, disse Giacon.
Para a presidente da SPMS (Sociedade Psicanalítica de Mato Grosso do Sul), Catia Bonini Codorniz, a dor psíquica pode ser tão insuportável a ponto de desencadear sintomas físicos, depressão, confusão, além de comportamentos, ideias e sentimentos com os quais a pessoa pode não saber lidar.
É um dano que pode durar anos, passar de pai para filho, e perdurar por gerações, ponderou Codorniz. A presidente da SPMS acrescenta que o trauma psicológico só vai diminuir se as pessoas entenderem seus pensamentos e lidarem com os seus sentimentos. O acolhimento profissional torna-se essencial nesse contexto por conta da “tomada de consciência que relembra a dor vivida”, reiterou.
Codorniz salientou que, no atendimento humanitário oferecido no SPMS, a faixa etária que mais buscou ajuda foi a das pessoas de 25 a 35 anos. O sentimento de ansiedade, conforme a médica, é uma queixa constante nas suas mais diversas expressões, como em casos de pânico, agressividade e somatizações.
Saúde mental nos jovens
O instituto Datafolha realizou no mês de julho a pesquisa “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”. Foram feitas cerca de 1.500 entrevistas com responsáveis por alunos de 6 a 18 anos de escolas municipais e estaduais de todo o país.
A falta de motivação atingiu cerca de 51% dos estudantes; 67% alegaram dificuldade para manter a rotina; 41% estão tristes; 48% estão durante a pandemia menos envolvidos com as atividades escolares. O percentual dos jovens entrevistados que se sentem tristes, ansiosos e irritados é de 74%.
Um estudo da OMS, de 2019, mostrou que o suicídio é a segunda causa de morte mais frequente entre pessoas de 15 a 24 anos. Para a psicóloga Sandra Armôa, existe uma previsão de que, no pós-pandemia, teremos um número muito alto de pessoas com problemas de saúde mental.
Quanto à faixa etária suscetível a problemas de saúde mental, a psicóloga afirmou que fatores como genética, contexto social e cultural atuam como os gatilhos. “Alguns transtornos ocorrem mais na adolescência, outros são mais comuns na vida adulta. É provável que a pandemia poderá desencadear muitos quadros”, afirmou Armôa.
O coordenador do Curso de Prevenção ao Suicídio do Humap-UFMS (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian), capelão Edilson dos Reis, observou uma maior procura por ajuda psicológica neste momento de pandemia. Entretanto, ressaltou que os estudos apontam um quadro preocupante de transtornos mentais nos próximos anos, desencadeados durante a pandemia em decorrência do sentimento constante de insegurança e medo.
Para Reis, toda a dor não compartilhada dói mais. É necessário criar na sociedade espaço para essas pessoas com sofrimento serem acolhidas. “Essa dor precisa ser respeitada, isso é fundamental para que possamos apontar caminhos para esse indivíduo se tratar”, pontuou.
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(Texto: Mariana Moreira)