Medida ocorre após decisão judicial favorável ao Consórcio Guaicurus
A prefeitura de Campo Grande iniciou uma disputa judicial com o Consórcio Guaicurus para evitar que o preço da passagem nos ônibus da cidade passe de R$ 4,10 para R$ 4,30. O reajuste foi decidido pelo juiz Ricardo Galbiati, da 2ª Vara de Fazenda Pública, que atendeu pedido feito pelo consórcio responsável por administrar o transporte coletivo da cidade para incluir os valores pagos de ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) no cálculo da tarifa. A sentença foi proferida em março, pouco antes do início da pandemia, mas a gestão Marquinhos Trad recorreu apenas nesta semana para impedir o aumento no valor.
No processo, a Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) alegou que o cálculo da tarifa não inclui o tributo municipal, mas sim gastos diversos, como preço do combustível, salário do motorista, INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), valor de peças e o índice de passageiros por quilômetro equivalente. A justificativa da prefeitura é a de que o contrato original firmado em outubro de 2012, ainda na gestão Nelsinho Trad, não previa a inclusão do ISSQN no cálculo da tarifa. O acordo tem duração de 20 anos, prorrogáveis por mais dez. “Ficou demonstrado que a relação jurídica é regulada pelas cláusulas contratuais e que o imposto em questão não é considerado para efeito de cálculo na fórmula paramétrica de reajuste tarifário e que não houve desconsideração do valor do ISSQN no cálculo do reajuste tarifário, uma vez que os efeitos da retirada da isenção ainda não haviam ocorrido”, alegaram os procuradores municipais no processo.
Ao O Estado, o diretor-presidente da Agereg, Vinícius Leite Campos, antecipou que a intenção de Trad é recorrer até que haja instâncias superiores. “Há realmente um desagrado do serviço do transporte coletivo, por parte da prefeitura e do usuário. Mas é um problema de todo o país. A queda de passageiros é constante, a concessionária alega que não tem dinheiro para fazer os investimentos necessários para se modernizar a frota. E estamos buscando uma saída”, apontou Campos.
O Consórcio Guaicurus defendeu a manutenção e o cumprimento imediato da sentença judicial. O advogado André Borges, representante, citou um trecho do contrato em que é claro ao incluir impostos e taxas no cálculo do valor da passagem. “Carga tributária, ademais, que no passado (2013) foi extinta exatamente para reduzir o valor da tarifa (projeto de lei 385/13, nos autos), tanto que consta de todos os projetos de leis (que também estão nos autos) que a manutenção da isenção servia para beneficiar os usuários do transporte, sendo o valor dele integralmente repassado ao preço da tarifa. Como agora a carga tributária retornou, o valor da tarifa necessariamente deveria ser maior, caso a despesa fiscal nova tivesse sido considerada pelas autoridades coautoras”, disse Borges no processo.
O recurso deverá ser encaminhado ao Tribunal de Justiça, que poderá suspender a sentença ou determinar a sua execução imediata.
Futuro incerto
Na avaliação do diretor-presidente da Agereg, Vinícius Leite Campos, há risco até mesmo do Consórcio romper o contrato. O Consórcio Guaicurus está com outra ação na Justiça, em que pede o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Além de elevar a tarifa para até R$ 4,50, o grupo de empresas alega prejuízos de R$ 76 milhões. De acordo com a prefeitura, as dificuldades financeiras não permitem o cumprimento de alguns itens do contrato, como a renovação da frota. Fato que se tornou quase que impossível com o coronavírus. “Nossa principal preocupação nesse momento é pela continuidade do serviço”, disse o diretor-presidente da Agereg. “Eles (Consórcio) têm obrigação de renovar frota este ano, adquirir veículos para atingir a idade média prevista no contrato, mas não sabemos como vai ficar essa e outras questões com a pandemia, houve uma queda muito grande de passageiros. Precisamos analisar os dois lados da situação. De um lado o cidadão, do outro lado a concessionária, que alega prejuízo. Precisamos ver um meio termo disso aí”, completou.
Campos disse que a gestão campo-grandense vê com preocupação o fato de que administradoras de transporte público estarem entregando as concessões em outras cidades por conta do COVID-19. “Extraoficialmente o Consórcio sinalizou sim que pode não cumprir o contrato nos termos que ele funciona hoje”, disse. O imbróglio envolvendo a cobrança ou não do ISSQN surgiu no fim de 2019, quando os vereadores votaram o fim da isenção do imposto ao Consórcio. Conforme o definido em outubro, o Consórcio Guaicurus terá cobrado 1,5% de ISSQN durante 2020. Já no ano que vem, o valor subirá para 3%, chegando a 5% em 2022.
Na primeira alegação sobre o processo movido pela concessionária, a Agereg chegou a alegar que o Consórcio poderia solicitar o reequilíbrio econômico-financeiro a qualquer tempo, mas que o pedido para recalcular a tarifa nem apresentou a planilha com o impacto do retorno do ISSQN em suas finanças. Os procuradores-gerais pediram também a revisão de outro ponto polêmico da sentença judicial, que determina o depósito do pagamento do ISSQN em juízo. A Procuradoria alega que a decisão desfalca os cofres municipais em época de “gravosa mitigação dos recursos públicos, ante a incidência da pandemia da COVID-19”. Em seguida, ressaltou que há risco de dano de difícil reparação aos cofres públicos.
Com base na entrevista do diretor-presidente da Agereg, a reportagem questionou sobre a possibilidade de o Consórcio Guaicurus deixar a concessão e a assessoria informou que irá comentar.
(Texto: Rafael Ribeiro)