** Landes Pereira
Os sistemas educacionais do mundo todo foram afetados pela pandemia decorrente do novo coronavírus, mas cada país, do mais rico ao mais pobre, reagiu de forma diferente, segundo suas tradições e prioridades. O Brasil recebeu o impacto sem estar preparado para tanto, mas foi rápido e decretou o fechamento de milhares de escolas e a interrupção das aulas presenciais e, consequentemente, a não distribuição de merenda escolar para os mais necessitados. Tudo indica que essa era a atitude correta.
Milhões de estudantes deixaram de ir às escolas, da noite para o dia, descortinando a implacável desigualdade educacional e social existente no país. As escolas, públicas e privadas, tiveram que improvisar oferecendo um currículo (e aulas) online, aumentando a gritante desigualdade, onde dois grupos básicos foram identificados: os que tem acesso à internet de alta qualidade e os que não tem acesso a essa tecnologia (impedidos, portanto, de acompanhar as aulas pelos aplicativos oferecidos).
O isolamento social aconteceu no Brasil, a exemplo do acontecido no resto do mundo, contrariando as diretrizes do ex-capitão Messias Bolsonaro. Entretanto, isso provocou a segregação dos alunos com melhores condições de aprendizagem e infraestrutura para estudar e aprender daqueles sem a mesma oportunidade. Sem dúvida uma enorme discriminação social.
A professora Marília Arraes destaca que as “Dificuldades de acesso ao emprego e à renda, maior exposição à violência (incluindo a institucional), comunidades sem infraestrutura, moradias precárias e preconceito social e racial são ingredientes cruéis dessa receita de desalento que o País tem oferecido aos nossos jovens”. Se agora é assim, com a avassaladora depressão econômica que se aproxima, o cenário econômico-social com desemprego e subemprego irá piorar, e muito.
Dados do IBGE mostram que um em cada quatro brasileiros não têm acesso a conteúdos digitais, cerca de 46 milhões de pessoas. Outra informação preocupante, segundo a ONG Casa Fluminense, no ENEM de 2018, dos 5,5 milhões de inscritos, 42,2%, 2,3 milhões de jovens, não tinham acesso a um computador (e destes, 89,1% eram de escolas públicas, ou seja, de baixa renda). Tal situação preocupa os educadores, mas não os políticos que se engalfinham na luta por cargos, emendas e benesses outras. O atual ministro da Educação esclarece que “O Enem não existe para fazer justiça social”, enquanto isso o FUNDEB foi entregue ao Centrão em troca de votos contra um possível processo de impeachment. O ministro já anunciou que faltará recursos para adquirir livros.
O ano letivo de 2020 está perdido, segundo os parâmetros previstos pela “Base Nacional Comum Curricular”. Fica a pergunta: E agora, os alunos da rede pública serão aprovados automaticamente ou serão avaliados? Se avaliados, como será a avaliação e quais os critérios para aprovação? Mozart Neves Ramos, professor da USP, diz que os estudantes deveriam ser aprovados automaticamente para não aumentar ainda mais as desigualdades do ensino. O professor Fred Amancio, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, ao contrário, afirma que: “Neste momento de crise e incertezas, a aprovação automática dos estudantes, especialmente os da rede pública, pode garantir o percurso escolar deles, mas não asseguraria o mais importante: os direitos de aprendizagem”.
Os responsáveis pelo MEC nada dizem, como se não fosse problemas deles. Se na atualidade da coronacrise o cenário é esse, quais os cenários para os anos escolares dos próximos períodos? Só Deus sabe, dirão os que acreditam na espiritualidade superior.
Sal Khan, fundador da Khan Academy, diz que a educação não será a mesma no mundo pós-coronavírus. “O mundo será um lugar onde as pessoas vão alternar entre relações presenciais e virtuais. Ferramentas tecnológicas para a educação vão se tornar convencionais”. E complementa: “É possível equipar um país como o Brasil com internet e computadores gastando até US$ 20 bilhões de dólares”. Simples assim.
** Economista e professor universitário com doutorado.