O Mercosul ficou paralisado. A Casa Rosada anunciou na última sexta-feira (24) à noite que está deixando as negociações para novos TLCs (tratados de livre comércio) que seus parceiros insistem em promover com Coreia do Sul, Canadá, Índia, Líbano e Cingapura.
O Ministério das Relações Exteriores da Argentina afirmou que o mundo está de cabeça para baixo e que é hora de lidar com os efeitos devastadores que a pandemia terá sobre as economias domésticas.
A Argentina tomou a decisão de deixar as mesas de negociação após uma reunião virtual de coordenadores nacionais, durante a qual pediu o congelamento das negociações com terceiros até novo aviso.
Apresentou aos parceiros um quadro desolador, onde “organizações internacionais preveem a queda do PIB nos países mais desenvolvidos, a queda repentina no comércio global de até 32% e um impacto imprevisível na sociedade”, de acordo com o conteúdo do encontro divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores em comunicado.
O texto assinala que o Governo de Alberto Fernández fez da proteção das empresas locais e dos mais pobres uma prioridade diante da pandemia de coronavírus. E em seguida lança o dardo da discórdia: “Faz isso em contraste com as posições de alguns parceiros, que propõem uma aceleração das negociações para acordos de livre comércio com Coreia do Sul, Cingapura, Líbano, Canadá e Índia, entre outros”.
Brasil, Paraguai e Uruguai responderam que de modo algum congelariam as negociações com esses países, e a Argentina bateu a porta. Por trás de tudo estão as grandes diferenças ideológicas entre Fernández e seus pares do Mercosul, que, com diferentes nuances, pregam a abertura comercial e o livre mercado.
O peronista não tem relação com Jair Bolsonaro, a quem não viu pessoalmente desde que tomou posse na Casa Rosada há mais de quatro meses, e mantém uma distância cordial com o uruguaio Luis Lacalle Pou e o paraguaio Mario Abdo Benítez. Longe vão os tempos em que Mauricio Macri se unia em abraços com Bolsonaro para celebrar o acordo Mercosul-União Europeia. O Governo argentino disse que esse TLC prosseguirá, mas nada mais.
A reação dos parceiros foi diplomática. O ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Ernesto Talvi, desejou à Argentina “um retorno imediato à mesa” porque “juntos somos mais”. O Paraguai disse que analisará os mecanismos legais necessários para a continuidade das negociações. Acontece que a decisão argentina deixa qualquer progresso no limbo. Sem a assinatura dos quatro membros, nenhum acordo terá validade.
É possível, então, que a crise acelere outras questões pendentes, como o relaxamento das regras que proíbem os membros do Mercosul de assinar acordos bilaterais sem a aprovação dos demais. No Brasil, o Itamaraty recebeu a notícia de forma positiva. “O Governo brasileiro continuará, junto com Paraguai e Uruguai, a perseguir o objetivo de comércio aberto e livre com outros países”, disse em nota para a Folha de S. Paulo.
(Texto: João Fernandes com El País)