A quantidade de posts sobre armas no Instagram passa de cem. São formas de fabricantes burlarem as restrições da plataforma. Eles usam mulheres jovens para anunciarem seus produtos. As publicações dos influencers armados se misturam com as de restaurantes deslumbrantes, férias em lugares paradisíacos, com roupas de diferentes marcas e com produtos de beleza. Há também os que promovem videogames, esportes ou estilos de vida.
O Instagram garante que avalia todos os anúncios antes de torná-los públicos na plataforma. “Não permitimos anúncios que promovam a venda ou o uso de armas, munições ou explosivos. Isso inclui anúncios de acessórios para modificação de armas”, dizem fontes da empresa. A rede usa inteligência artificial para detectar conteúdo que possa violar suas políticas. Analisa os links e a página de destino, imagens e mensagens.
Além das armas, também não é permitido fazer publicidade de gás de pimenta, facas que não sejam de cozinha ou pistolas de paintball. Mas se o público-alvo de um anúncio tiver mais de 18 anos, as marcas podem promover objetos como visores, sistemas de mira, lanternas acopláveis para armas de fogo, roupas militares ou estojos. A rede social também autoriza a publicação de armas, desde que não esteja relacionada com venda ou a troca privada desses objetos.
Nesse contexto, muitas empresas descobriram nos influencers de armas uma oportunidade de anunciar e atingir grandes públicos. Por exemplo, a Gunship Helicopters —uma empresa de Las Vegas, onde seus clientes podem disparar armas de um helicóptero— faz fotos e vídeos de mulheres jovens testando seus serviços, com milhares de seguidores em campo.
Essas influencers costumam ser defensoras do direito de portar armas que posam com pistolas de todos os tamanhos. Algumas são esportistas, outras, amantes da caça e há ainda as que começaram a se interessar por armas depois de serem vítimas um episódio violento. Todas acumulam milhares de seguidores. Charissa Littlejohn tem mais de 390.000 seguidores; Liberte Austin, mais de 220.000; Lauren Young, mais de 190.000; e Kimberly Matte, mais de 85.000.
O perfil desta última usuária está repleto de fotografias nas quais posa com armas grandes. “Deus abençoe a América! Feliz 4 de julho”, diz ela em um post em que carrega um rifle grande e usa um maiô com uma estampa de bandeira dos EUA e botas altas vermelhas. A foto tem mais de uma dúzia de tags de contas nas quais fotografias deste estilo podem ser encontradas, como por exemplo, america.guns.girls.freedom,
Austin também compartilha fotos desse tipo. Em uma delas, aparece dormindo com um pijama da bandeira dos Estados Unidos, e muitas armas atrás. A publicação tem o seguinte texto: “Foto minha dormindo tranquilamente”. E também posa com uma menina que carrega uma pistola. “Eu peguei da minha mãe”, explica um texto na foto publicada no Dia das Mães.
Da mesma forma, Littlejohn mostra suas armas ao lado de bichinhos de pelúcia de seu filho e afirma em sua conta que ele mal pode esperar para aprender a atirar. Algumas semanas antes do nascimento dele, ela publicou uma foto de sapatinhos de bebê ao lado das mesmas Converse dela e seu companheiro. Poderia ser um simples post antes do parto, não fosse o fato de os sapatinhos do menino estarem rodeados por quatro armas. “Até já consegui uma para @babyyygat quando chegar …”, escreveu ela a respeito.
Mais homens com armas
Os Estados Unidos são um país com 326 milhões de habitantes e 393 milhões de armas, de acordo com um levantamento de 2018 sobre armas leves, denominado Small Arms Survey. Possuí-las é um direito contemplado na segunda emenda da Constituição. Embora a maioria dos ‘influencers’ de armas no Instagram seja mulher, essas peças são principalmente de propriedade de homens nos Estados Unidos. De acordo com dados coletados em 2017 pelo Pew Research Center, 62% dos proprietários de armas no país eram homens e cerca de três quartos deles possuíam mais de uma arma.
Rita Pearl, uma mulher hispânica de 30 anos que mora na Califórnia, também compartilha frequentemente publicações desse tipo com seus 53 mil seguidores no Instagram: desde vídeos nos quais carrega armas e atira em diferentes alvos até fotografias posando com rifles grandes. Afirma fazer isso para inspirar outras mulheres e acredita que as armas de fogo são um esporte e uma ferramenta de defesa. “Ser uma pessoa influente em produtos de beleza, viagens ou moda se baseia mais no orgulho do que na adrenalina ou na segurança. Gosto de produtos de beleza e gosto de me maquiar, mas se for para influenciar as mulheres, prefiro falar da segurança das armas, porque ensinar como se maquiar não vai salvar a vida delas”, explica a EL PAÍS.
Tanto homens como mulheres citam a proteção como um motivo para possuir uma arma de fogo, em porcentuais praticamente iguais, de acordo com o Pew Research Center. Mas 27% das mulheres que têm armas dizem que esta é a única razão pela qual as possuem –em comparação com 8% dos homens.
Nos últimos anos tem havido uma crescente pressão social nos EUA para que se restrinja o comércio de armas. A probabilidade de ser morto a tiros no país é 24 vezes maior do que na Espanha e 100 vezes maior que no Japão. Desde o início do século 21 houve mais de 200 tiroteios em escolas primárias e secundárias e faculdades nos Estados Unidos, nos quais mais de 200.000 estudantes ficaram expostos, de acordo com informações coletadas por The Washington Post e por este jornal. Há vários estudos que vinculam uma legislação restritiva com a diminuição do número de homicídios e de assassinatos de crianças.
Em média, uma mulher é morta a tiros em meio a brigas por violência machista a cada 16 horas nos EUA, de acordo com a Associated Press. Neste contexto, é comum que os fabricantes de armas e alguns defensores da segunda emenda encorajem as mulheres a comprar armas para se defenderem.
É o caso de Pearl, que está convencida de que “não permitir armas de fogo deixa os criminosos felizes porque sabem que você não pode se defender”: “Não defendo a violência e não é certo matar pessoas, mas não está certo ser a vítima. Uma arma de fogo é para impedir que as pessoas más cometam mais crimes”. Além disso, considera que ao proibi-las “se cria um mercado negro e isso faz com que as quadrilhas, as gangues e os cartéis ganhem muito dinheiro”.
Controle do Instagram
Em algumas ocasiões, o Instagram não permitiu que Pearl publicasse algumas de suas fotos. A instagrammer diz que tentou um contato com a empresa quando isso aconteceu, mas não recebeu uma resposta a respeito. Há fabricantes de armas que também encontram dificuldades ao publicar conteúdo ou anunciá-las. Liberty Safe vende cofres de segurança para armas. Antes as fabricantes costumavam postar fotos de cofres abertos com armas dentro, mas quando tentaram promovê-las, o Instagram impedia o anúncio. Agora, anunciam os mesmos cofres, mas fechados e com muitas influencer na frente segurando grandes rifles. E as pessoas entram em contato com os ‘influencers’. Austin recebeu gratuitamente um cofre de cerca de 4.000 dólares (16.000 reais) em troca de uma série de posts no Instagram, segundo relatou ao site de notícias Vox.
Esta influencer contou ao mesmo site que costuma receber cerca de 175 dólares (700 reais) por publicação. Existem dezenas de influencers de armas que vivem parcial ou completamente de seus posts no Instagram, como o Vox comprovou. No entanto, outras como Pearl, garantem que não recebem para publicar suas fotografias: “Não sou patrocinada por nenhum fabricante de armas de fogo. Nem tenho apoio de nenhum partido político. Não estou promovendo a venda de armas de fogo. Estou promovendo, de forma gratuita, a importância da segurança das armas e o direito de portar armas”.
A grande maioria dessas influencers não publica só fotos portando armas de fogo. Por exemplo, Austin também patrocina suplementos de proteína ou kits de branqueamento de dentes. Entre as publicações de Pearl disparando em diferentes alvos, ela também aparece em fotos com cavalos, andando de quadriciclo, passeando com amigos e em imagens parecidas com as que outro perfil de influencer poderia compartilhar na rede social. (Rafael Belo com El País Brasil)