Athayde Nery participa da última edição abordando a importância da mobilização comunitária na preservação do patrimônio histórico da Capital
Encerrar o ano reunindo memória, afeto e história em torno de um café é a proposta da Casa Amarela e MuAU ( Ateliê do Museu de Arte Urbana), que realiza neste domingo (21), às 8h30, a última edição do ano do projeto Café com a Vizinhança – Histórias do Tombamento. O encontro acontece na Rua dos Ferroviários, 118, em Campo Grande, com entrada gratuita e classificação livre, reafirmando a vocação do espaço como ponto de diálogo entre cultura, patrimônio e comunidade.
A edição especial conta com a participação de Athayde Nery, personagem central no processo de tombamento do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, um dos patrimônios mais significativos da história urbana da Capital. A presença do convidado confere ao encontro um caráter de testemunho histórico, ao revisitar decisões que marcaram o destino de um conjunto arquitetônico fundamental para a identidade campo-grandense.
Durante a roda de conversa, Athayde Nery compartilha os bastidores da mobilização que, nos anos 1990, impediu a demolição do Complexo Ferroviário, ameaçado após a privatização da ferrovia. À época vereador, ele participou diretamente da articulação que resultou na Lei Municipal nº 3.249/96, considerada um marco por instituir o tombamento de um bem federal por iniciativa municipal, medida que mais tarde serviria de referência para processos semelhantes em níveis estadual e federal.
Para o artista e diretor de arte da Casa Amarela, Guido Drummond, os encontros cumprem um papel essencial na construção do futuro a partir da memória coletiva. “Esses momentos de diálogo são fundamentais para que a história não fique restrita aos livros ou aos prédios, mas permaneça viva nas pessoas. O ‘Café com a Vizinhança’ cria pontes entre gerações, fortalece o sentimento de pertencimento e reafirma a importância da participação social na preservação do nosso patrimônio cultural”, ressalta.
História do tombamento

Athayde Nery (C) Casa Amarela
Para o Jornal O Estado, Athayde Nery destacou a importância do tombamento do Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil para a preservação da memória histórica de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul.
Segundo ele, a medida não apenas protege o patrimônio físico, mas também reafirma o papel das ferrovias e das famílias que nelas trabalharam no desenvolvimento da cidade e da região. O tombamento, instituído pela Lei Municipal nº 3.249/96, representa um marco institucional que conecta passado, presente e memória coletiva.
“Com o avanço da Constituição Federal de 88, os municípios recuperaram seu protagonismo quanto aos seus destinos. Esta Lei do Tombamento foi um marco institucional de preservação da história do município, do Estado e do Brasil. Não se pode falar de desenvolvimento nacional sem que se fale das ferrovias e dos seus heróis ferroviários. Campo Grande é prova viva do que significou a ferrovia para o seu desenvolvimento como cidade central do centro-oeste brasileiro. E por muito pouco, toda essa história teria virado escombro”.
Athayde recorda momentos que marcaram a mobilização em torno da preservação do Complexo Ferroviário. Ele remonta às assembleias realizadas nas ruas de paralelepípedo, onde moradores, ex-ferroviários e apoiadores se reuniam para discutir a ameaça de despejo e a possível destruição do patrimônio. Essas reuniões eram um espaço de articulação e resistência, revelando a dimensão humana por trás da luta institucional pelo tombamento.
“As assembleias que fizemos aqui nas ruas de paralelepípedo discutindo o despejo e a destruição das casas e de todo o acervo. A preocupação das famílias. De uma hora para outra sem ter onde morar depois de anos de dedicação à rede ferroviária. A lei, além de preservar, principalmente, salvou as famílias dos ferroviários de serem expulsas das suas casas de uma hora para outra. Aliás, essa era a minha maior preocupação. As pessoas”, destaca.
Necessidade de luta
Athayde Nery relata que a necessidade de lutar pelo tombamento do Complexo Ferroviário surgiu a partir de informações anônimas de que uma empresa privada pretendia demolir o patrimônio para instalar centros comerciais.
“Quando me comunicaram de forma anônima de que o complexo seria derrubado por uma empresa particular para, em troca, serem construídos centros comerciais. Daí começou a mobilização e a construção de um remédio institucional que garantisse a permanência dos ferroviários no local. Estudamos os mecanismos legais e políticos para enfrentarmos esse absurdo”, conta.
Diante da ameaça, iniciou-se uma mobilização institucional que buscou assegurar a permanência das famílias de ferroviários e proteger o patrimônio histórico. A ação envolveu levantamento detalhado da área, estudos legais e políticos, e culminou na aprovação da Lei Municipal nº 3.249/96, que passou a ter impacto cultural, econômico, social e turístico na cidade.
“Fizemos o levantamento de toda a área dos ferroviários, delimitamos e apresentamos a lei que foi aprovada e hoje tem repercussão cultural, comercial, econômica, política, social, turística e patrimonial na vida de todos os campo-grandenses e daqueles que aqui nos visitam. Depois veio a feira para cá com a marca dos japoneses com o nosso soba, patrimônio imaterial. Virou nosso maior centro gastronômico. Só isso já valeu a pena ter sido vereador”.
Importância
Nery desta
cou que a mobilização das famílias de ferroviários foi essencial para a aprovação da Lei Municipal nº 3.249/96. A pressão organizada garantiu que a proposta, inicialmente rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça, fosse levada ao plenário e aprovada por unanimidade, mostrando a força da participação comunitária na preservação do patrimônio.
“A mobilização foi decisiva. Se não tivéssemos lotado a Câmara, a lei teria sido rejeitada. As famílias pressionaram de forma ordeira e firme, e meu voto divergente obrigou que a matéria fosse levada ao plenário, onde ganhou por unanimidade. Até os que eram contra votaram a favor. Colocamos a Professora de História Alisolete para defender o tombamento e, mesmo diante de alegações de inconstitucionalidade, vencemos”.
Athayde ressalta que a preservação do patrimônio é essencial para que as novas gerações compreendam a história de Campo Grande e aprendam com o passado. Ele destaca que a arquitetura reflete decisões que moldaram a cidade e cita o tombamento do Colégio Osvaldo Cruz, que será transformado em centro de formação de profissionais da saúde.
“Tudo começa com o nosso olhar no passado, do que fizemos certo e do que fizemos errado, para não repetir erros e aperfeiçoar acertos. A arquitetura diz muito de como chegamos até aqui. O Colégio Osvaldo Cruz, que também tomba, será transformado em centro de formação de profissionais da saúde. Era para ter sido um estacionamento. É uma história que precisa ser recuperada”, finaliza.
Serviço: A última edição do ano do Café com a Vizinhança – Histórias do Tombamento acontece neste domingo, 21, às 8h30, na Casa Amarela, localizada na Rua dos Ferroviários, 118, em Campo Grande-MS. A entrada é gratuita e o evento tem classificação livre.
Amanda Ferreira