Com temática forte e necessária, participantes do evento poderão compartilhar vivências e histórias
O projeto ‘SOBREVIVER’ realiza nesta sexta-feira (17) um ato poético e ensaios abertos no fim de semana, ações que integram o processo de criação da peça teatral ‘Carne Viva’, que trará para o palco temas como opressão de gênero, feminicídio e as diversas formas de resistência das mulheres.
Idealizado pela atriz e produtora cultural Estefânia Bueno, o projeto busca transformar experiências reais em arte e diálogo, com ações realizadas no Ateliê Cênico. O ato poético será aberto para qualquer mulher que se interessar, a partir das 19h30, e para além, mulheres com interesse em somar a partir de suas próprias vivências e testemunho. Esses relatos serão ressignificados poeticamente e incorporados ao ato poético, trazendo memórias e vozes femininas.
Para o Jornal O Estado, a idealizadora Estefânia Bueno explicou que o projeto nasce da ideia de promover o diálogo com outras mulheres, que vivenciaram ou ainda vivem, uma situação de opressão e risco.
“Eu sou uma sobrevivente de feminicídio e também, todos os dias, me levanto e encaro o machismo que está entranhado na nossa sociedade. A arte transforma a dor em comunicação e pertencimento, ela trata quem está na criação da obra e também traz cura para quem vive a obra ao assisti-la. Teatro e performance são obras vivas do presente. Quem assiste, vive”.
Bueno explica que o ato poético será um momento de partilhar intimidades, onde as participantes poderão se sentir seguras de falar da própria dor, mas também da superação dessa dor por meio da poesia, música e de suas próprias palavras, ouvidas por outras mulheres presentes. Será um momento de escuta e acolhimento.
“É um lugar para superar a solidão e se sentir conectada as outras pessoas que também vivenciaram a mesma tragédia. A arte se torna um bálsamo para tratar feridas, encerrar ciclos e abrir novos caminhos”. Quem quiser participar, precisa enviar um resumo da própria história, em meio de texto. O microfone também estará aberto no dia 17, a partir das 19h30, para aquelas que desejarem fazer sua partilha ao vivo.
Para a atriz Madu Flores, o processo de criação em “Carne Viva” ultrapassa os limites da representação e toca em zonas de desconforto e reflexão sobre o próprio conceito de gênero. “Eu não sou uma mulher, eu sou ciborgue”, afirma, provocando uma ruptura com os padrões naturalizados de feminilidade. Em cena, ela diz vivenciar “o desconforto liminar da autoconsciência”, ao incorporar múltiplas vozes femininas que dialogam com sua própria subjetividade e com a construção da personagem Estefânia. Ao refletir sobre as camadas políticas e poéticas do espetáculo, Madu destaca ainda “a ironia da discrepância entre feminismos” como uma das tensões mais pulsantes que deseja provocar no público.
Do visual para o palco
A artista Sara Welter, conhecida como SYUNOI, é responsável pela proposta visual da divulgação do espetáculo. Segundo ela, as artes foram desenvolvidas para que o público relacionasse o título ‘Carne Viva’ com a proposta temática.
“ A criação da identidade visual do projeto SOBREVIVER, surgiu em conjunto com a diretora da peça. A partir dai surgiu a figura da boneca porcelana toda quebrada e pedaços de carne penduradas em ganchos”, explicou. “Ao criar a arte do projeto, essas questões me fizeram pensar nesse corpo aberto, violentado, como uma marionete, esses ganchos que movimentam esse corpo de forma forçada, assim a identidade visual tem a intenção de transmitir essas tantas dores e variáveis”, complementa.
Como artista, Syunoi acredita que o design é essencial para uma construção visual consistente em um projeto, e serve para instigar os mais diversos sentimentos.
“Na minha experiência como artista e mulher sinto que o trabalho desenvolvido dentro da peça ‘Carne Viva’ e muito importante para nossa resistência como mulher, pois vemos quantas de nós sofremos diariamente, o sistema nos impõe padrões e nos fazem tipo marionetes, e uma peça como essa pode acontecer e pode contar a história de tantas mulheres faz”.
Ressignificar a lembrança
“SOBREVIVER” é um projeto que transforma dor em palavra, silêncio em presença e experiência em resistência. Através da arte, o projeto reafirma a importância de ouvir, acolher e dar visibilidade às histórias das mulheres que vivem e sobrevivem cotidianamente à violência.
Além da performance teatral, o projeto conta com Diego Ricarte e Pedro Gianoto na música, escolhas que não foram aleatórias, segundo a idealizadora.
“Resolvemos utilizar uma trilha sonora realizada ao vivo em que dois homens tocam os instrumentos, e esses dois colegas não estão ali à toa. Foram escolhidos porque apresentam o interesse em aprender, ler e colaborar com a liderança feminina. É determinante ter esperança na mudança e que tragédias como o feminicídio, tragédias diárias, venham a desaparecer com conhecimento e novas atitudes, principalmente dos homens. Vamos trazer a tragédia na performance de maneira poética, musical e tragicômica”.
Para Bueno, a força de “Carne Viva” nasce da coletividade e da escuta sensível entre mulheres e artistas que constroem juntas cada detalhe do espetáculo. “A coletividade nesse projeto é a base política que acreditamos para viver a arte”, afirma, destacando que o grupo ultrapassa a lógica profissional e se apoia em vínculos humanos, reconhecendo “pessoas que têm problemas no dia a dia, dificuldades a serem superadas, necessidades tanto financeiras como emocionais”. A atriz ressalta o papel essencial das parcerias femininas, como a sua dupla em cena e preparadora corporal, Sara Welter na arte e assessoria, Catia Santos na fotografia e filmagem, e a poetisa Gisele Rocha, que cedeu seus textos. Sob orientação cênica de André Tristão e com trilha executada por Pedro Gianoto e Diego Ricarte, Madu reforça que o projeto é fruto de uma rede afetiva e colaborativa que transforma o fazer teatral em ato político e de resistência.
A idealizado e artista finaliza desejando que o público leve a superação com sigo após o projeto.
“Carne viva é uma ferida ainda aberta, que grita, que denuncia, que canta, que declama e que se liberta das amarras e mordaças. Dói, mas é possível falar, é possível superar tendo o apoio de outras mulheres. A vida é muito corrida, parar para escutar, parar para ver, também é um trabalho que necessita de reconhecimento. A arte é uma ferramente onde tudo no presente, pausa e respira, toma fôlego para continuar e se enche de força para permanecer de pé e resistir sorrindo. A carne ainda vive, e é possível viver plenamente depois de tanta tragédia? É possível quando a comunidade compreende seu papel de cura e libertação”.
Serviço: O projeto ‘Sobreviver’ realiza o ato poético no dia 17 de outubro, às 19h30 e Ensaios Abertos nos dias 18 e 19 de outubro, no Ateliê Cênico, localizado na Rua Joaquim Murtinho, 2204, Itanhangá Park. A ação integra o processo de criação da peça teatral “Carne Viva”. Para enviar seu relato, acesse o link da bio do instagram do projeto @teatrocarneviva.
Por Carolina Rampi