Espetáculo ‘Kalivôno’: projeto leva peça infantil para crianças de escolas públicas e rodas de conversa

Foto: Kaique Andrade-Transgrafias/Divulgação
Foto: Kaique Andrade-Transgrafias/Divulgação

Celebrar a cultura popular brasileira e um convite para dançar as infâncias. Entre brincadeiras, sonhos e saberes que atravessam gerações, o grupo ‘Renda que Roda’, estreia seu primeiro espetáculo infantil, ‘Kalivôno’, com apresentações para crianças da rede público de ensino.

A apresentação faz parte do projeto ‘Renda que Roda’, que teve inicio no primeiro dia do mês, com espetáculo na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). No último dia 3, o grupo se apresentou na Escola Municipal Professora Oliva Enciso, com mediação artística e peça, bem como na Escola Municipal de Educação Infantil Paulino Romeiro Paré. O projeto seguirá com mais apresentações até o fim do mês.

´Kalivôno´: sonhar, brincar e dançar a cultura popular brasileira

A coordenadora do grupo e uma das diretoras do espetáculo, Gabriela Salvador, conta que a obra é sobre infância a partir da cultura popular brasileira. “Mesclamos algumas danças populares e tradicionais que trabalhamos no ‘Renda que Roda’, como o maracatu e a catira. Também trazemos para a cena as poéticas dos corpos brasileiros, como a capoeira, por exemplo, e mitologias da cultura popular”.

Em ´Kalivôno´, numa floresta encantada onde o vento dança com as árvores, uma criança sonha com uma cobra. Entre memórias, contos e símbolos, constrói-se uma poética embalada pela cultura popular brasileira: o brinquedo vermelho que gira na roda, a avó que conta histórias, a onça que protege a mata e o bicho-papão que rouba sonhos, mas não dá medo. No rastro do som da flauta e no despertar da alfaia, somos mães, pais, tios, avós, filhas, amigos que carregamos com a gente para todo canto. Kalivôno é a criança que somos e um convite para dançar as infâncias e tudo o que as constituem.

Arte de dançar: O processo criativo do espetáculo nasce do encontro de diferentes ritmos brasileiros – Foto: Kaique Andrade-Transgrafias/Divulgação

Para o diretor e artista Tom Conceição, o processo criativo de ‘Kalivôno’ nasce do encontro entre diferentes saberes e ritmos do Brasil profundo. “O processo criativo passa pelas coisas que nos inspiram”, explica. “Sou um artista popular de Salvador, e a professora Gabriela Salvador, bailarina e pesquisadora da cultura popular brasileira, compartilha esse mesmo olhar. Tivemos como inspiração manifestações como o maracatu, a catira e as danças do Nordeste, mas não no sentido de modificá-las — e sim de nos aproximarmos dessas bases culturais, de compreender suas organizações espaciais e simbólicas, e também de dialogar com a cultura terena, presente aqui em Mato Grosso do Sul.”

Segundo ele, o espetáculo foi sendo construído a partir de vivências práticas e improvisações, que permitiram que a força do ritmo guiasse a criação voltada ao público infantil. “Quando começamos a experimentar essas práticas e improvisar as cenas, muita coisa boa vinha e fomos selecionando o que ia para o palco”, conta. “Por ser um espetáculo voltado para crianças, aprofundamos o trabalho com o ritmo, porque é ele que chega de forma mais potente. Mesmo uma criança que nunca viu um maracatu, quando ouve o som, o corpo balança, ela dança. O ritmo atravessa culturas e conecta, e é essa potência que ‘Kalivôno’ busca despertar”.

Expressão para aceitação

Para Tom, a dança tem um papel transformador na construção de uma educação mais ancestral, cultural e antirracista. “A dança é uma linguagem muito potente, e quando começamos a pesquisá-la como expressão humana, encontramos nela um potencial para romper estruturas já estabelecidas”, afirma. Segundo ele, o movimento e a expressão corporal podem provocar em educadores e artistas uma ampliação de olhar sobre o que é arte e cultura. “Ao dilatar esse entendimento, a dança consegue provocar uma revisão da episteme — ou seja, do saber que orienta quem está nos espaços de ensino e aprendizagem — e abre caminho para o reconhecimento de outras culturas que não sejam apenas a cultura imposta, pautada em uma única referência.”

Essa abertura, explica o artista, é fundamental para que o ambiente escolar abrace o legado de matrizes indígenas, afro-brasileiras e quilombolas, promovendo uma pedagogia mais plural e equitativa. “Quando revisamos nossos olhares e percepções, conseguimos trabalhar com diferentes saberes e, nesse diálogo, construir um caminho mais equilibrado, que não negue a presença das outras culturas, mas as valorize com respeito e entendimento”, pontua. “A dança é uma via potente para essa educação ancestral, cultural e antirracista, porque permite que o aprendizado floresça de maneira mais saudável, colorida, alegre e poética.”

Foto: Kaique Andrade-Transgrafias/Divulgação

Programação

Pelo projeto, o ‘Renda que Roda’ vai levar para as escolas municipais Professora Oliva Enciso e Paulino Romeiro Paré, apresentações do espetáculo “Kalivôno”, ações de mediação artística (para ampliar o repertório estético do público atingido pelas apresentações) e rodas de conversa, democratizando o acesso físico e linguístico aos bens culturais do país, apresentando e legitimando as manifestações populares como geradoras de conhecimento.

“Nosso propósito é impulsionar nos ambientes culturais e educacionais de Campo Grande os saberes oriundos dos povos tradicionais: indígenas, afro-brasileiros e quilombolas e da cultura popular brasileira”, realça Gabriela Salvador, coordenadora do grupo e uma das diretoras do espetáculo.

Nesta quarta-feira (8), o grupo se apresenta na Escola Municipal Professora Oliva Enciso, com ação de meação artística das 8h às 9h30 e apresentação da peça, às 10h. Nesta escola também será realizada uma ação de formação de professores, uma roda de conversa sobre educação ancestral, cultural e antirracista com Mariana de Castro, em 30 de outubro, das 7h às 8h30.

Já no dia 19 de novembro, é a vez da Escola Municipal de Educação Infantil Paulino Romeiro Paré, com roda de conversa com Mariana de Castro das 7h às 8h30. proposta das rodas de conversa é ampliar o repertório oral e corporal dos professores com práticas e propostas educacionais antirracistas para serem desenvolvidas com crianças e adolescentes na escola.

“O tema da cultura popular é democrático, mas não é conhecido por todos”, explica o diretor. “Então, antes de oferecer uma proposta que passa por esse lugar, é preciso criar uma ponte, uma preparação para que o trabalho seja bem recebido, sem leituras equivocadas ou olhares exóticos.” Segundo o artista, essa mediação ajuda a esclarecer que o Renda que Roda não trabalha com religião, mas com arte e expressão cultural. “Quando levamos para a cena algo como o maracatu, que tem o batuque e toda a sua força simbólica, não trazemos uma abordagem religiosa, e sim cultural e artística. A mediação é o espaço para explicar isso e garantir que as pessoas recebam o trabalho de forma aberta, compreendendo a riqueza da cultura popular sem preconceitos.”

Além de preparar o público, essas atividades também resgatam elementos do imaginário infantil e promovem um contato afetivo com o simbólico. “Durante a mediação, apresentamos personagens como o bicho-papão e a cobra encantada, que aparecem no espetáculo e fazem parte das narrativas populares, mas que há muito foram se afastando do universo das crianças”, conta Tom. “Ao brincar com essas figuras antes da apresentação, as crianças já se familiarizam, riem, se divertem — e isso transforma o medo em curiosidade e encantamento. Assim, a mediação abre espaço para que a escola viva uma experiência artística mais completa, sensível e democrática.”

A obra tem direção de Gabriela Salvador e Tom Conceição. Em cena, apresentam-se acadêmicos e egressos do curso de Teatro e Dança da UEMS, acadêmicos do Mestrado Profissional em Artes da UFMS e artistas independentes: Ariela Barreto, Ell, Júlia Bree, Lana Figueiró, Lucas Herrera, Luciana de Bem, Mariana de Castro, Rafael Kauã, Sofia Hall, Thayson Dias e Well Batista. Produção geral e mediação artística por Marcus Perez. Assistentes de produção: Daynara Loubet, Gabriela Morais, Izzy Marcos, Kelly Ramos e Laís Bogado. Registros Audiovisuais por Kaique Andrade/Transgrafias e Chris Condi como intérprete de libras.

O ‘Renda que Roda’ é um grupo de pesquisa em danças populares brasileiras da UEMS, que investiga as danças populares brasileiras em suas raízes e tradições até os possíveis desdobramentos cênicos e poéticos gerados por essas danças. Mais informações pelo Instagram do grupo @rendaquerodaa.

 

Por Carolina Rampi

 

 

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