Elaboração da obra contou com pesquisa com familiares e amigos da figura controversa
O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul realiza no dia 27 de outubro, às 19h, o lançamento do livro “Filinto Müller, A verdade por trás das mentiras”, do escritor e historiador João Carlos Vicente Ferreira. A obra busca reavaliar a trajetória de um dos políticos mato-grossenses mais influentes do século XX, que ao longo da vida acumulou protagonismo nacional, mas também uma reputação marcada por controvérsias.
Nascido em Cuiabá, em 1900, Filinto Müller fez carreira no Exército e ganhou notoriedade ao integrar os movimentos tenentistas. Com a Revolução de 1930, aproximou-se de Getúlio Vargas e se tornou chefe da polícia do Distrito Federal durante o Estado Novo (1937–1945), período em que sua imagem ficou fortemente associada à repressão política. Após a redemocratização, seguiu carreira como senador por Mato Grosso, foi líder partidário, reeleito em diversas ocasiões, e alcançou o posto de presidente do Senado em 1973, quando morreu no acidente aéreo do voo Varig 820, na França.
A partir da década de 1940, porém, a memória pública sobre Filinto Müller passou a ser moldada por denúncias e acusações que o colocaram como símbolo do autoritarismo. Episódios como a prisão da militante comunista Olga Benário, posteriormente deportada para a Alemanha nazista, se tornaram centrais nesse processo. Para o autor do livro, no entanto, parte dessa imagem teria sido fabricada por campanhas difamatórias conduzidas por figuras influentes da época.
“Minha linha editorial é baseada no desmonte do que foi contado a respeito dele, de forma criminosa, por conta de uma vingança pessoal”, afirma João Carlos. O historiador sustenta que o empresário de comunicação Assis Chateaubriand, após se desentender com Müller, teria mobilizado o jornalista David Nasser para produzir textos e livros que ajudaram a consolidar a visão negativa do político. “Um exemplo disso foi a obra ‘Falta Alguém em Nuremberg’, que chegou a sugerir que Filinto deveria ser julgado como criminoso de guerra, apenas por ser descendente de alemães que chegaram ao Brasil no século XIX”, explica.
Ponto de partida
A motivação para escrever o livro vem de longa data. João Carlos recorda que, ainda na infância, ouvia do pai, Vitório Vicente Ferreira, relatos de admiração por Müller, vistos como contraponto à narrativa que se consolidaria mais tarde. Intrigado pelas versões divergentes, iniciou pesquisas nos anos 1990 e encontrou apoio em Júlio Campos, político mato-grossense e amigo de Müller. O contato com familiares foi decisivo: a filha do ex-senador, Maria Luíza Müller Almeida, hoje com 98 anos, concedeu entrevistas e abriu arquivos pessoais, revelando documentos e memórias inéditas.
Na obra, João Carlos procura também resgatar aspectos da vida pública de Müller que, segundo ele, foram esquecidos ou ofuscados. Entre eles, sua contribuição para a modernização da Polícia do Distrito Federal nos anos 1930 e sua atuação no Senado em defesa de obras de infraestrutura e da integração do Centro-Oeste ao restante do país. O autor afirma ainda que Müller foi um dos articuladores da criação das universidades federais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, tema pouco reconhecido em registros oficiais.
“Mais do que uma biografia, este livro é um convite à reflexão sobre como se constroem memórias históricas. O caso de Filinto mostra que as chamadas ‘fake news’ não são um fenômeno recente, mas já existiam em meados do século XX, capazes de moldar reputações e influenciar a opinião pública”, defende João Carlos.
O lançamento contará com a presença confirmada do deputado estadual Júlio Campos, que conviveu com Filinto nos últimos anos de sua vida e se tornou um dos principais defensores de sua memória. Campos, que já foi governador de Mato Grosso, senador e deputado federal, relembra sua relação próxima com Müller, inclusive recebendo dele uma caneta simbólica pouco antes de sua morte, que usaria para assinar a posse no governo estadual.
A escolha do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul para sediar o evento reforça a ligação do personagem com a região. O presidente da instituição, Walter Cortez, apoiou a proposta e ofereceu o espaço para o lançamento. “Resgatar a verdade sobre Filinto Müller é um dever de cada mato-grossense”, afirma o autor.
Com o lançamento, João Carlos espera não apenas resgatar a imagem de Filinto Müller, mas também fomentar novas pesquisas acadêmicas e discussões em escolas, universidades e instituições culturais. “Não se trata de apagar críticas legítimas, mas de oferecer elementos para que a sociedade compreenda que há nuances, contradições e interesses na forma como lembramos de nossos personagens históricos”, reforça o autor.
Ao longo de quase 50 anos após sua morte, Filinto Müller continua sendo alvo de debates, críticas e defensores. O livro de João Carlos Vicente Ferreira não busca encerrar a discussão, mas abrir espaço para que diferentes versões possam ser confrontadas. “Não aceitemos verdades prontas. Todo personagem histórico é complexo e precisa ser analisado em seu contexto”, conclui o autor.
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