FLIB se consolida como um grande festival literário e encerra 9ª edição de olho no futuro
Destaque nas HQ’s
O Circuito Literário da Feira Literária de Bonito (FLIB) apresentou duas rodas de conversa consecutivas no Pavilhão das Letras, ambas mediadas pelo jornalista e escritor Daniel Rockenbach, que conduziu o público por um mergulho nas possibilidades da biografia em quadrinhos.
Na primeira, “Biografar em quadrinhos”, o artista gráfico e quadrinista Fábio Quill falou sobre A Casa Baís, obra que resgata a memória da pintora e musicista sul-mato-grossense Lídia Baís. Ao narrar a vida da artista a partir da perspectiva de sua própria casa, Quill propôs uma abordagem poética e inovadora. Ele ressaltou que o projeto nasceu de conversas com pessoas que conviveram com Lídia, frequentemente descrita como uma mulher à frente de seu tempo. Em sua fala, o autor traçou ainda um paralelo entre Lídia e Frida Kahlo, mulheres que fizeram da arte um espaço de liberdade e resistência.
Já o escritor e quadrinista Eduardo Azevedo, o Dudu, trouxe duas de suas produções. Em A Biografia Não Autorizada de Minha Avó, definida por ele como uma “biografia sci-fi rural em quadrinhos”, mistura memória afetiva e imaginação, recriando sua avó em um universo de ficção científica. Em seguida, apresentou Sonhos Selvagens, HQ ambientada em Campo Grande, que acompanha o quati Simão, o lobo-guará Tobias e a pomba-asa-branca Joana, personagens antropomorfizados que vivem o desconforto da entrada na vida adulta. Entre conversas, eles refletem sobre os desafios dos “trinta e poucos anos”: a repressão do mercado de trabalho, a pressão da sobrevivência, o abandono de sonhos – sobretudo daqueles que planejavam viver da arte. A obra começa com a imagem de um outdoor estampando a frase “Campo Grande, a cidade do tamanho de seus sonhos”, provocação que conduz toda a trama.
Na sequência, a roda “Carolina em quadrinhos” trouxe o casal formado pela professora e pesquisadora Sirlene Barbosa e pelo ilustrador João Pinheiro, autores da HQ inspirada na vida e obra de Carolina Maria de Jesus. Sirlene compartilhou que a HQ nasceu de sua pesquisa acadêmica e exigiu um intenso processo de seleção dos conteúdos que melhor transmitissem a força da escritora. João, com seu olhar apurado para o desenho, foi responsável por transformar esse conteúdo em imagens carregadas de movimento e emoção. O casal destacou ainda como os quadrinhos podem ampliar o acesso do público a debates sobre desigualdade, resistência e identidade, sempre presentes na escrita de Carolina. A relevância do trabalho foi reconhecida internacionalmente: Carolina foi premiada na França, no Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, o mais importante prêmio de HQs do mundo, e também foi finalista do Prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira.
As duas conversas mostraram como a linguagem dos quadrinhos se afirma como um terreno fértil para contar vidas, misturando memória, crítica social e arte. Ao final, um debate com o público reforçou a percepção de que a cena dos quadrinhos em Mato Grosso do Sul vem crescendo e encontra na FLIB um espaço fundamental de reconhecimento.

Júlio Maria discute a arte de biografar grandes estrelas – Foto: Elis Regina/Divulgação
Ney, Elis e os bastidores da vida
A conversa “Encantar biografias”, com o jornalista e biógrafo Júlio Maria, mediada pela professora e curadora do evento Maria Adélia Menegazzo agitou o Festival. Autor das biografias de Elis Regina e Ney Matogrosso, finalista do Prêmio Jabuti e vencedor do APCA, Júlio compartilhou com o público histórias de bastidores, memórias afetivas e reflexões sobre a arte de narrar vidas.
“No jornalismo, a gente constrói uma ponte que pode cair no dia seguinte”, afirmou, lembrando que o papel do biógrafo é lidar com riscos e delicadezas. Para ele, o ponto ideal é quando não há retorno do biografado: “Se o telefone toca e ele reclama, você errou. Se toca e ele elogia, você errou. A biografia precisa ser honesta, não um julgamento.”
O público se emocionou ao ouvir relatos sobre a biografia de Ney Matogrosso, como a cena do parto do artista, reconstituída a partir da fala da mãe. “Eu entendi que o Ney é a fronteira. Essa condição dele de transbordar tem a ver com o lugar de onde ele saiu. Ney é tudo, mas não é pai, e eu, como pai, entendi a atitude do pai dele. O biógrafo precisa ter cuidado para não vilanizar personagens importantes”, comentou.
Um dos momentos de maior interação foi quando Júlio perguntou se alguém da plateia havia visto um show do grupo Secos & Molhados ao vivo. O ator Antônio Pitanga, presente na conversa, levantou a mão e descreveu o espetáculo como “algo de outro mundo”. Pitanga ainda contou sobre a fase teatral de Ney antes de assumir a carreira musical. Júlio completou: “O Ney queria ser ator de teatro. O canto veio depois, mas a meta inicial era o palco. As pessoas descreviam o show dos Secos como assombro, e eu queria muito ter sentido esse assombro como plateia.”
A conversa também trouxe provocações sobre os tempos atuais e o impacto da tecnologia na criação. “A inteligência artificial está prejudicando os medíocres. O que estou percebendo é que as IAs já fazem coisas interessantes. Para ser criativo, para ser original, precisamos nos esforçar mais. Quando tudo parecer muito igual, a IA vai acabar com os compositores. O desafio será a originalidade; e quem for original vai vencer.”
Com mais de 27 anos de carreira em grandes jornais, Júlio Maria mostrou que a biografia, quando bem conduzida, é mais que um retrato: é um mergulho em humanidade, cheio de nuances, silêncios e assombros. A plateia saiu com a sensação de ter participado de um encontro raro, onde jornalismo e literatura se encontraram para revelar o que há por trás das histórias que moldam a cultura brasileira.

Fábio Quill fala de sua experiência biografando Lídia Baís – Foto: Elis Regina/Divulgação
Carlos Porto, idealizador da FLIB, falou om exclusividade ao jornal O Estado e traçou um balanço da 9ª edição da FLIB. Do ponto de vista conceitual, desde a participação dos temas tratados, a autobiografia, e ontem nós encerramos o dedo de prosa com o escritor que traz a memória de dois grandes nomes da cultura brasileira, que é o Ney Matogrosso e Elis Regina, nós tivemos a presença de um público acima da expectativa. Com o Circuito Pedagógico com as crianças. Todos os dias, de quarta a sexta-feira. Foram mais de 4 mil crianças em todo o processo, com teatro infantil, circuito de contação de histórias, oficinas e brincadeiras para crianças.”
Concurso de redação
“Nós tivemos um concurso literário onde as crianças participaram e foram premiadas e tem a publicação do terceiro caderno com as redações premiadas. A Feira Literária de Bonito traz um legado já construindo uma memória de futuros escritores ou de escritores presentes. Essa edição marca um processo que transforma, Tivemos mais de cinco municípios trazendo crianças e adolescentes das escolas. Este é todo um processo no qual estamos caminhando para os dez anos. Então, acredito que a feira traz uma memória muito grande. Passaram pela FLIB cerca de 15 mil pessoas, sem contar esse processo pedagógico das crianças.”
Porto falou também da valorização dos artistas sul-mato-grossenses. “Este ano, a gente tratou muito da musicalidade sul-mato-grossense, com nomes como Celito Espiídola, Antônio Porto, as Meninas de Quinta aqui de Bonito e tantos outros talentos. A Feira Literária contribui para que a qualidade desses artistas cada vez mais possa possibilitar esse trabalho. Eles têm palco para poder fazer esse trabalho.

Carlos Porto – Idealizador FLIB
Olho no futuro
Vislumbrando a 10ª edição da FLIB em 2026, Porto já traça o que vem por aí. “Conversando com a Maria Adélia, que é a nossa curadora. A nossa projeção é fazer uma memória dos nove anos da feira literária e quem sabe fazer uma retrospectiva trazendo os grandes nomes da literatura brasileira para celebrar os 10 anos. Mato Grosso do Sul merece e devemos continuar construindo esse desafio. Sempre coloco como desafio e nós já estamos trabalhando isso, porque você tem que buscar parceiros, tem que buscar instituições para construir tudo isso. Bonito é o Mato Grosso do Sul sendo levado para o mundo. Então, o que nós produzimos aqui, mostra que estamos no centro do Brasil, nós não estamos na fronteira só. Por mais que sejamos fronteira, nós somos no centro do Brasil.”, finalizou Carlos Porto.
Imprensa Flib e Marcelo Rezende