O segundo dia da 9ª FLIB (Feira Literária de Bonito) foi marcado pela visita de diversos estudantes que vieram conhecer os atrativos do evento como oficinas e bate papo. Já no Pavilhão das letras a emoção tomou conta da feira. A homenagem “Flora e Carolina – Celebrar é preciso!”, conduzida pela doutora Melly Senna, gestora da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, e pela professora doutora Eliane da Silva, da FAIND/UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), reuniu o público para celebrar o legado de duas mulheres que marcaram a literatura brasileira: Flora Thomé e Carolina Maria de Jesus.
Melly destacou a relevância de Flora Thomé, poetisa de Três Lagoas que construiu sua obra a partir de memórias pessoais e coletivas. Especialista em haicais e em literatura memorialista, Flora foi também professora por 42 anos e responsável por mapear escritores sul-mato-grossenses em uma antologia pioneira. “Flora era uma grande difusora da literatura e compreendia que resgatar a memória não era saudosismo, mas sim uma forma de perpetuar o legado da escrita em Mato Grosso do Sul”, pontuou Melly. Em sua fala, ela lembrou a origem libanesa da escritora, a forte influência da mãe, Hassibi, e a presença da escola como tema constante na produção de Flora. “É preciso falar dela para que as próximas gerações a conheçam”, reforçou.
Na sequência, a professora Eliane Silva conduziu a reflexão sobre Carolina Maria de Jesus, considerada uma das mais importantes vozes da literatura brasileira do século XX. Doutora em Estudos Literários, Eliane relatou que só conheceu a obra da autora tardiamente, durante sua trajetória acadêmica, o que a fez questionar o apagamento histórico sofrido pela escritora negra. “Carolina esperançava a literatura. Ela narrava a própria vida, transformando a dureza da favela em potência literária e social. Ler sua obra é olhar para nossos mais velhos e mais novos, reconhecendo o valor da memória e das lutas cotidianas”, destacou.
A homenagem ressalta ainda as múltiplas facetas de Carolina como poeta, cantora, cronista do cotidiano, e o quanto sua escrita se mantém atual ao refletir sobre desigualdades sociais, racismo e resistência. O encontro terminou com perguntas do público e uma troca calorosa de reflexões sobre a importância de manter vivas as memórias de Flora e Carolina. A conversa reafirmou o compromisso da FLIB em valorizar a literatura como espaço de preservação da memória e de transformação social.

Bate-papo: Keka Reis trouxe reflexões sobre a escrita para jovens em conversa com a Karina Kristiane Vicelli, doutora em Literatura – Foto: Luana Chadid/Divulgação
Keka Reis é gente nossa
A escritora, roteirista, dramaturga e radialista Keka Reis, conhecida por sua originalidade e olhar sensível voltado à juventude e às questões femininas contemporâneas deu um show de carisma com sua quilometragem de expertise adquirida em seus trabalhos no cinema, televisão e na literatura. Mediado pela Professora Doutora em Literatura do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul Karina Kristiane Vicelli, o bate-papo “Minhas personagens e eu” trouxe reflexões sobre a escrita para jovens e encantou o público que estava presente.
Logo no começo da conversa, Keka relembrou, que já tinha passado por Mato Grosso do Sul vindo pra cá no Trem do Pantanal, ainda adolescente na companhia de amigos jovens também, decidiram que viriam viver essa aventura e foi isso que fizeram. A turma do meu primeiro colegial, ‘o colegial é hoje ensino médio’, lembrou a autora aos jovens. “Eu tinha acabado de mudar da cidade de São Paulo para uma cidade do interior, e eu descobri que ali perto, do interior de São Paulo, tinha um trem que vinha até Corumbá, e que chegava perto do Pantanal. Aí eu botei pilha nos meus amigos, vamos para o Pantanal! E assim, aí dois dias antes, meu pai falou ‘peraí’, menor de idade? Vocês vão pegar o trem? Aí um dos pais descolou um cara maior de idade Para levar a gente para ter pelo menos um maior de idade no grupo, porém o maior de idade tinha 21 anos E ele era um pouco mais rebelde do que a gente. Quer dizer, a viagem foi uma loucura divertida Acho que hoje em dia os pais são um pouco mais protetores Eu diria super protetores Naquela época era uma vida realmente muito livre”, relembrou.
Questionada sobre como é seu diálogo e como funciona essa troca com seu público, a autora salientou que é importante essa ligação com os jovens que leem seus livros e acompanham seu trabalho. “Pra mim é sempre muito legal conversar, encontrar os adolescentes, eu dei uma oficina aqui na FLIB, que é uma pesquisa viva. É muito difícil escrever para esse público, é difícil de verdade, não estou aqui me gabando, no sentido que você tem que estar sempre muito antenada, você tem que estar sempre sabendo o que tá acontecendo. Por que eles estão pensando? Existem coisas que são atemporais e que não importam. Quando era adolescente e não tinha rede social, eu pegava o trem para vir para o Pantanal. O mundo era muito diferente, mas tinham coisas que eu sentia naquela época que os jovens muito provavelmente sentem agora, que tem a ver com essa despedida da infância, que tem a ver com encontrar a nossa própria turma, que tem a ver com saber carregar suas dúvidas com você e falar isso, eu não sei mesmo quem eu sou. Isso já era naquela época. Mas tem coisas que são completamente diferentes O mundo é outro depois do advento da internet e das redes sociais.
Para o jornal O Estado, Keka falou sobre a ‘adultização’ de crianças adolescentes, questionada se a mídia e a cultura popular têm um papel na promoção da ‘adultização’, a autora foi categórica. “A internet entrou nas nossas vidas solapando tudo. E aí, óbvio que a gente não vai saber educar, a gente não foi educado. Mas eu acho que as mídias e redes sociais estão contribuindo para essa adultização. Acho que tem muitos pais jogando na carga, sobretudo dos adolescentes, esse peso do mundo, que já vem pesado, porque eles vêm nas redes sociais, mas esse peso do mundo capitalista, sobretudo, de você tem que dar certo, você tem que performar, você tem que ir bem no vestibular, você tem que ter números. Acho que a gente faz isso com as nossas crianças e com os nossos adolescentes. E os pais também fazem uma coisa inversa, que às vezes é superproteger de um jeito que também não prepara. Que aí também você está tirando a criança e o adolescente de um contexto ali que depois ele vai chegar no mundo.. Acho que essa adultização é parte de sinais trocados que nós damos e que as redes dão também.”
Keka Reis deixou dicas importantes para os jovens que desejam enveredar no universo da escrita. “Ouvir, ler muito, para começar, creio que esse é o número um. Ouvir muito. Essa é a primeira coisa que eu falo na oficina. Para você saber criar boas histórias, você tem que prestar muita atenção no mundo. E para prestar muita atenção no mundo, você precisa ter um ouvido muito bom, ouvir de verdade, ouvir com o coração. Então, eu acho que, para mim, a arma mais importante, a arma no bom sentido, tá? A arma mais importante de um autor é a curiosidade, a curiosidade com a vida.”
Marcelo Rezende