Cartazes prometem crédito na hora, mas operação é ilegal, garante advogado
Os cartazes estão por toda parte — pregados em muros, postes e, principalmente, em pontos de ônibus, locais de grande circulação e, muitas vezes, de espera. Prometem dinheiro “na hora”, sem consulta ao nome, com pagamento parcelado em até 12 vezes no cartão de crédito. A proposta parece simples e vantajosa, mas pode representar um risco sério ao consumidor.
A reportagem do O Estado entrou em contato com duas dessas supostas instituições financeiras. Por telefone, os atendentes explicam o funcionamento da operação: “Nós transformamos o limite do cartão em dinheiro na hora. Aprovou o cartão, eu passei na máquina, aprovou, eu te dou o dinheiro na hora.”
Pedimos uma simulação. Para receber R$ 5.000 em espécie, o consumidor assume um débito de R$ 6.684 no cartão de crédito, parcelado em 12 vezes de R$ 557. A diferença de R$ 1.684 representa o custo embutido no parcelamento. Não há contrato formal, nem explicações sobre taxas. Basta apresentar um documento com foto, o cartão físico e uma chave Pix ou dados bancários. A operação é feita na hora, com o uso de uma maquininha de cartão comum.
Na prática, o consumidor paga cerca de 2,4% de juros ao mês, o que representa aproximadamente 33,7% ao ano — mais que o dobro do teto atual do crédito consignado do INSS (1,68% ao mês), que é regulamentado.
Segundo especialistas, esse tipo de proposta se aproxima do que a legislação brasileira define como agiotagem, podendo configurar crime contra o sistema financeiro nacional, além de violar diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
“Esses anúncios de empréstimo com pagamento via cartão de crédito são totalmente ilícitos”, afirma o advogado Matheus Menezes, especialista em Direito do Consumidor. “Não há qualquer previsão legal que autorize uma pessoa física ou jurídica, sem autorização do Banco Central, a ofertar um serviço financeiro diretamente a outra pessoa.”
Menezes explica que a atuação de empresas sem autorização para conceder crédito configura crime previsto na Lei nº 7.492/1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, além da Lei nº 1.521/1951, que aborda a repressão à usura. “Os responsáveis podem responder criminalmente, inclusive na esfera da Justiça Federal, dependendo do caso”, alerta.
A falta de informações claras, como a taxa de juros, o CNPJ do responsável e as condições de contratação, também infringe o Código de Defesa do Consumidor. “A oferta deve ser cristalina, precisa e sem qualquer tipo de pegadinha. O artigo 6º, inciso III, e o artigo 31 do CDC são claros quanto a isso”, ressalta o advogado.
“Além disso, com a Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, tornou-se obrigatório considerar o mínimo existencial do consumidor ao oferecer crédito. Isso não acontece nessas situações.”
“Esse tipo de proposta é considerada agiotagem, sim — mesmo sendo feita com cartão de crédito — quando não parte de uma instituição autorizada. E o consumidor que se sentir lesado pode procurar o Procon, o Ministério Público e até registrar boletim de ocorrência na delegacia”, completa.
Superendividamento
Além da possibilidade de fraude, o consumidor corre o risco de se endividar ainda mais. Sem controle sobre o que está contratando e, muitas vezes, com o nome já negativado, esse tipo de operação atrai quem está em situação financeira frágil.
De acordo com o Mapa da Inadimplência da Serasa, cerca de 169 mil moradores de Mato Grosso do Sul têm dívidas de até R$ 100. No Brasil, são 77 milhões de pessoas com o CPF negativado, o equivalente a 47,3% da população adulta. O cartão de crédito é o principal vilão: 38% dos inadimplentes estão endividados por causa dele há mais de dois anos, segundo a Serasa.
“Os juros praticados nesses empréstimos paralelos são altíssimos, e o consumidor não tem acesso às informações necessárias para decidir de forma consciente. Isso agrava o ciclo de endividamento e empurra essas pessoas para situações cada vez mais difíceis”, alerta Aline Maciel, especialista em educação financeira.
Ela também destaca que, além dos prejuízos financeiros, o acesso facilitado a esse tipo de crédito amplia a vulnerabilidade de quem já está fragilizado. “O consumidor fica à mercê de práticas informais, sem garantias ou proteção legal. O barato, nesse caso, sai muito caro”, finaliza.
Djeneffer Cordoba