De Nova Andradina, grupo revoluciona e traz intérprete de libras para dentro do palco
A Companhia Teatral Corpo Cênico, traz para Campo Grande, diretamente da cidade de Nova Andradina, o espetáculo ‘Escorial’, em curta temporada. A peça é um diálogo com a farsa, o teatro do absurdo, o corpo do ator, a loucura e o poder. Serão duas sessões, na sexta-feira (14) e sábado (15), no Teatral Grupo de Risco, Rua Trindade, n° 401, Jardim Paulista.
Escrito em 1926 por Michel Ghelderode, a trama é uma crítica aos poderes absolutistas, onde o autor expõe o homem no seu limite mais básico. Um Rei refém da sua loucura, um bobo escravizado à sua condição de plebeu e um monge fiel às ordens de seu rei. A insanidade de um poder autocrata, para quem o povo merece a sua condição de oprimido, porque a vontade do poder assim, o determina.
Com direção de Breno Moroni, elenco e equipe da Companhia Teatral Corpo Cênico de Nova Andradina, o espetáculo ainda propõe diversos questionamentos como: haverá espaço para o otimismo, num mundo governado pela vontade em detrimento da razão? A retórica é concreta, quando abrimos o jornal, mas, Ghelderode vai mais além e inverte os papéis: se por um capricho da vontade (do Rei), o bufão ascende à cadeira do poder, confundir-se-á ele com a figura do opressor?
O diretor ainda traz um jogo entre lucidez e a loucura, enquanto as personagens discutem temas como o amor, a hierarquia, posturas reais e traições. O enredo relata a disputa entre um Rei (Fábio Arruda) e um Folial (George Lalier), costurada pela presença sombria do monge (Jessé Macedo) que chega ao público como uma provocação e que os instiga a entender o que está acontecendo em cena, o plano de fundo é questionar se todas as situações são reais ou existem apenas na imaginação de três loucos em uma ala psiquiátrica qualquer.
“Essa peça foi feita em Nova Andradina, e até a pretensão era apenas essa. Já havíamos começado o processo com outro diretor, o Anderson Rodrigues, que é um parceiro antigo. Porém, o Anderson precisou deixar o processo e convidamos o Breno Moroni”, contou Juliano Zampieri, produtora cênica.
Destaque
Um dos pontos mais importantes da peça é a presença do intérprete de libras. Mas, diferente do que estamos acostumados, ele entra na história como um personagem, estando no palco junto aos outros intérpretes. “Quando o Breno veio somar conosco, trouxe essa ideia do intérprete de libras em cena; não só no cantinho do palco, mas como uma das personagens que contam essa história. Com essa experiencia, para nós, inédita, entramos em contato com a Pastoral dos Surdos de Nova Andradina”, relata Zampieri.
Para a produtora, essa inovação foi um dos melhores motivadores da companhia. “O intérprete Jessé Macedo enviou um vídeo em libras para convidá-los [a Pastoral]. Eles se sentiram acolhidos. E após a apresentação, nos disseram que aquele dia era um marco na vida deles, que foi a primeira vez que se sentiram realmente incluídos na arte e que voltariam sempre que fosse, convidados”, relembra. “Essa fala deles nos emocionou muito, e pensamos em expandir o trabalho. Levar para apreciação de outros grupos, da comunidade surda e intérprete de libras, como uma forma de dizer: olha, isso foi muito legal e chegou de uma forma legal para esse público”.
Relevância
Datada de 1926, a produtora aponta que os temas abordados nela ainda são relevantes quase 100 anos depois. “Esse texto traz exatamente esse recorte sobre a linha tênue entre a lucidez e a loucura, principalmente no que tange as pessoas que estão no poder. O mais interessante é que em determinado momento o autor sugere que as posições sejam invertidas, o Folial e o Rei trocam de papel. E a peça explora esse lugar do oprimido chegando a posição do opressor. Eu particularmente acho essa sacada sensacional”, discorre.
“As relações continuam exatamente iguais até hoje. Foi pensada e escrita em 1.926, mas poderia ter sido escrita ontem”, completa.
Conforme a produtora, a troca de experiência entre atores, diretores e equipe é um dos cernes da Companhia Teatral Corpo Cênico, incluindo entre interior e Capital.
““Isso é muito importante para nós. Nesse trabalho em específico, o diretor da companhia, Fábio Arruda, está em cena como ator, e ganhamos muito com a experiência do Breno Moroni dirigindo sua atuação nesse espetáculo. Em outro trabalho nosso que se apresentou tanto no Boca de Cena em Campo Grande quanto no festival de inverno de Bonito, Fábio estava na direção de outros atores”.
A peça Escorial trouxe um intenso processo de montagem, marcado por reflexões e trocas constantes entre elenco e direção. “Falando do Escorial em específico, que é um texto mais denso, foi muito bacana o trabalho de ator feito pelo preparador de elenco Anderson Rodrigues e lapidado pelo diretor Breno Moroni, e a maneira particular em que cada pessoa trouxe para nós suas percepções e até questionamentos sobre a peça”, destaca um dos Zampieri. A complexidade do espetáculo gerou debates não apenas entre o público, mas também para a produção. “No Escorial até nós que estávamos imersos no processo de montagem discutimos por várias vezes as intenções de cada cena, o que estava ali na nossa frente e o que estávamos lendo. Breno tirou essa cena de dentro de um palácio e a colocou em uma ala psiquiátrica, então sempre digo que é literalmente uma loucura”.
Promessa
Com um texto identificável e a novidade do interprete de libras presente na cena, as expectativas da produtora são as melhores, principalmente com o objetivo de proporcionar uma troca com o público.
“Temos amigos queridos em Campo Grande, artistas que admiramos muito… A expectativa é que esses encontros aconteçam e que a troca aconteça. Por enquanto o sonho de circular com essa peça no nosso estado, estamos em busca de uma maneira de viabilizar financeiramente que isso aconteça”, reforça.
“Embora o Escorial seja uma peça aberta para o público, gostaríamos de levar para além da discussão sobre os temas trazidos para cena, a inclusão do intérprete de libras na cena e como essa montagem chega principalmente na comunidade surda. Nós esperamos que o público permaneça após a apresentação para podermos ouvir deles esses destaques, esses pontos de vista”, finaliza Zampieri.
Serviço: O espetáculo Escorial será realizado nos dias 14 e 15 de fevereiro de 2025, as 19:30 h, no TGR, Teatral Grupo de Risco, Rua Trindade, n° 401 Jardim Paulista, Campo Grande. Os Ingressos podem ser reservados nos seguintes links:
https://www.sympla.com.br/evento/espetaculo-teatral-escorial-sexta-feira-14022025/2824064, e
https://www.sympla.com.br/evento/espetaculo-teatral-escorial-sAbado-15022025/2824266
Carolina Rampi