“Então isso que é cinema?”. Essa é uma das perguntas que crianças da Capital fizeram durante o projeto de cinema itinerante do coletivo Flor e Espinho. Os bairros Coophasul, Vila Nasser, Jardim Seminário e São Caetano foram os primeiros a receber as apresentações; nesta semana será a vez da população das Moreninhas II, Parque Tarsila do Amaral e Vila Almeida terem uma noite de cinema, com direito a pipoca e uma experiência cultural.
Conforme o ator, produtor cultural, integrante do coletivo e idealizador do projeto Cine Flor, Anderson Lima, as primeiras apresentações já foram um sucesso. “Houve muito engajamento da comunidade, os agentes comunitários se envolveram de maneira muito produtiva, ajudando nas sessões. A comunidade também se envolveu de maneira muito especial, carregando bancos, resolvendo de maneira própria o que estava ao alcance deles”, relata Lima, que ainda destacou que mesmo com a chuva, a população compareceu.
O começo
Anderson faz parte do coletivo Flor e Espinho Teatro, que trabalha com teatro, circo e cinema. Em 2013, o grupo fazia exibições abertas de filmes em sua sede, no centro da Capital, promovendo debates a cerca de vários temas no fim. Entretanto, o coletivo sentiu a necessidade de se aproximar mais de outras comunidades, criando assim o projeto ‘Kombinado’, que promovia a acessibilidade em ruas e praças de Campo Grande.
“Compramos uma kombi e preparamos ela para funcionar como uma unidade cultural móvel. Conseguimos o apoio de algumas livrarias e sebos, montamos uma estrutura de livros, colocamos música, circo e cinema, e saiamos por alguns bairros fazendo isso. Em seguida doamos alguns livros para a comunidade. Nós estreamos esse projeto na Cidade de Deus, um bairro que tinha em Campo Grande que na época vivia um conflito, pois não podia ficar no local por ser situação de lixão, e o prefeito precisava dar um lugar para eles, então virou uma crise social ali”, relembra Anderson, em entrevista ao jornal O Estado.
E o projeto não ficou apenas em Campo Grande. O produtor levou o Kombinado por várias partes do Brasil, do Rio Grande do Sul a estados do Norte e Nordeste, para populações em situações vulneráveis.
Começar de novo
Por meio do incentivo da Lei Paulo Gustavo, o projeto conseguiu se reinventar com nova estrutura, e de kombi foi para uma van, com nova estrutura. “Conseguimos oferecer uma rela mais, um som de mais qualidade. Foi a primeira vez que o projeto pegou um recurso de financiamento. Agora, com essa estrutura, podemos ir para lugares sem energia, pois temos energia solar, que auxilia na manutenção dos equipamentos”, explicou Anderson.
Democratizar
Na atual realidade, o cinema fica mais inacessível a cada ano que passa. Com ingressos acima de R$ 50, salas apenas em shoppings e locomoção difícil, o acesso ao cinema e a filmes é limitado, e às vezes, inexistente. É essa situação que o Cine Flor quer combater.
“Escutamos as crianças falarem ‘isso que é cinema?’. Eles conhecem o cinema pelo nome, sabe que está ligado a filmes, mas fica no imaginário o que é uma sala de exibição. Entendemos que a criança que fala isso nunca teve a oportunidade de ir ao cinema, então é emocionante que a gente, de alguma forma, está fazendo um trabalho, que diminui um pouco essa desigualdade social para aqueles que não tem dinheiro”, ressalta o idealizador.
Com a oportunidade de conhecer a sétima arte, Lima acredita que isso planta uma semente cultural nas crianças.
“Como a cultura é muito plural, pode nascer muitas coisas. A gente tem o objetivo de ampliar o projeto, de levar oficinas, de estabelecer uma conexão mais profunda dentro da comunidade, com o diretor, com a equipe que produziu o filme, por exemplo”, explica.
Além disso, o projeto quer ampliar, lançando-se no campo das oficinas. “A gente quer fazer uma imersão, oficina de edição, oficina da linguagem, do que é cinema, de direção, de interpretação, então para um próximo passo, um edital mais robusto, vamos buscar parcerias para estabelecer conexões mais profundas com a comunidade, com o cinema, de criar núcleos para poder, de repente, surgir talentos, descobrir talentos para retratar a sociedade”, enfatiza.
A exibição
Anderson Lima comenta que o resultado das participações é fruto de todo o trabalho de dez anos. “Percorremos cidades no Brasil à fora, para as pessoas estarem mais próximas do cinema, para democratizar a cultura e arte. Esse é um dos fundamentos do Flor e Espinho.
O filme escolhido foi o curta-metragem com produção local “As Invenções de Akins”, do cineasta Ulísver Silva. “As Invenções de Akins” é um curta-metragem infanto-juvenil, com classificação livre e 33 minutos de duração, produzido na cidade de Campo Grande–MS. O filme conta a história do pequeno Akins, filho único de mãe solteira, que resolve construir sozinho uma máquina feita de sucatas e brinquedos.
Porém, a complexidade da empreitada acaba trazendo à tona uma série de inseguranças do menino que, além de sofrer com limitações materiais, sente a falta de uma figura paterna para lhe ajudar a encarar os desafios complexos da vida.
Usando de muito humor, aventura e uma pitada de fantasia, a narrativa de “As Invenções de Akins” busca mostrar para as crianças que é possível resolver situações-problema por meio da persistência, da curiosidade e do aprendizado proveniente da tentativa e erro.
“O nosso foco é passar filmes que tenham uma relevância social, que não seja só entretenimento, preferimos passar algo que tenha uma relevância e possa levar a uma reflexão. O filme que estamos passando traz bastante repercussão porque fala de uma mãe solo, de uma criança que precisa inventar coisas para serem brinquedos, de superação, de pedir ajuda… são questões que posteriormente a sociedade reverbera, sobretudo as mulheres comentam. Além de levar a experiência artística, levamos a reflexão com o discurso que a arte produz. Queremos produzir sempre uma reflexão, porque a arte tem esse lugar, a gente acredita na arte que transforma, que alimenta a alma, e alimenta também a nossa cultura, inteligencia”, finaliza.
Serviço
As sessões do projeto Cine Flor são sempre ao ar livre, às 18h30, com distribuição gratuita de pipoca. Veja as próximas datas:
– 23/01 (quinta-feira): Moreninha II – Rua Anacá, n.º 320
– 24/01 (sexta-feira): Parque Tarsila do Amara – Rua Bidu Sayão
– 25/01 (sábado): Vila Almeida – Campo de Futebol, Rua Fluminense Américo.
Por Carolina Rampi
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