Caso com protetora acende alerta para situação do cuidado animal na Capital

Foto: Reprodução/Redes Sociais
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Na última semana um caso envolvendo uma protetora independente de Campo Grande, chocou quem luta pela causa animal na cidade.

A protetora de animais, Marlene Batista Gonçalves, de 55 anos, foi presa no início do mês por deixar mais de 100 cães e gatos em ambiente de insalubridade, no bairro Universitário. Além disso, o irmão da protetora, Neilton Soares Cabral, de 49 anos, que já estava acamado, foi encontrado morto no local.

Segundo o boletim de ocorrência, o Corpo de Bombeiros foi acionado para atender uma vítima que estava em parada cardiorrespiratória, mas que não conseguiu resistir até a chegada do socorro. O ambiente onde o homem estava era insalubre, com poucas condições de habitação. Familiares que estavam no local relataram a polícia que a situação da vítima inspirava cuidados médicos, já que ele estava acamado, tendo recebido alta da Santa Casa de Campo Grande recentemente.

A polícia identificou que na varanda e no quintal da residência havia mais de cem animais, dentre cachorros e gatos, alguns soltos e a maioria presa em gaiolas ou outros compartimentos adaptados. Os policias também notaram que havia animais mortos junto a outros com vida, em aparente desnutrição, maus-tratos, pouca ração e muitas baratas.

O CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) chegou a ser acionado pela polícia no momento da ocorrência, mas o órgão alegou que não havia efetivo para esse tipo de caso. A protetora foi presa em flagrante e encaminhada para a Decat (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista). Ela foi solta no domingo (10), após passar por audiência de custódia, que determinou que a protetora ficará proibida, por pelo menos três meses, a recolher animais desassistidos.

Ajuda

O Instituto Guarda Animal foi um dos principais responsáveis pelo resgate dos animais após a prisão de Marlene. Conforme as redes sociais do instituto foram em torno de 60 animais resgatados, dentre cães e gatos, divididos entre duas clínicas veterinárias de Campo Grande para receberem tratamento. Desses, pelo menos 15 não sobreviveram.

No dia do resgate, as responsáveis contam que a situação era desesperadora. “Vários bichinhos mortos, dentro de gaiolas, maioria gatos filhotes, os cães filhotes muito doentes com cinomose, TVT e desnutridos”, contam em publicação nas redes sociais.

Até agora, os gastos veterinários ficaram em mais de R$ 32 mil reais, nas duas clínicas. Pelo menos 45 gatinhos já conseguiram se recuperar e estavam em um hotel, porém o custo para manter os animais no local é alto, então o instituto pretende alugar uma casa para abrigar os animais. Entretanto, é preciso de pelo menos três meses de aluguel adiantado, então é possível ‘apadrinhar’ os animais com doações no valor de R$ 60 reais.

Qualquer doação é bem-vinda, por meio de Pix (CNPJ 37.912.316/0001-60 ou E-mail [email protected]) ou através do link, www.vakinha.com.br/4295008

 

Entretanto, o caso joga luz em uma situação vivida pelo município: a obrigação dos cuidados dos animais de rua não deveria ser dos órgãos públicos?

Proteção independente

Conforme pesquisa realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB-MS (Ordem dos Advogados de Mato Grosso do Sul), Campo Grande possui, aproximadamente, 2.815 animais em abrigos independentes e ONGs, todos vindos de situações de maus-tratos e abandono, “evidenciando a problemática existente decorrente da omissão do município em adotar política de acolhimento e proteção”, divulgou a ordem.

A realidade da proteção independente na Capital é complicada. Pelas redes sociais, diversas ONGs e pessoas que cuidam de animais de forma própria precisam lutar por doações de alimentos para os animais, que por vezes passam dias sem comer após as rações acabarem. E tudo isso é feito com pouca ou nenhuma ajuda do poder público.

A reportagem entrou em contato com a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), pasta responsável pelo CCZ, para entender a situação da protetora Marlene Batista Gonçalves. A pasta alegou que no momento da ocorrência, na última sexta-feira, não tinha pessoal para encaminhar para a ação, ‘jogando’ a responsabilidade dos regates para as ONGs e protetores. “Os animais que estavam vivos foram encaminhados para instituições e ONGs que atendem esse tipo de ação. Não foi nenhum animal desses a para o CCZ, nem temos informações para quais instituições eles foram”, informou.

O órgão ainda reiterou que não houve nenhuma notificação em relação à casa da protetora ou sobre algum caso de maus-tratos contra animais, que pudesse levar as equipes até o local ou para realizarem alguma ação específica. Também informou que o Centro de Controle de Zoonoses possui um espaço físico limitado e não conseguiria absorver toda a demanda da ação policial.

“Também precisaria fazer uma triagem prévia dos animais, para ver se tinham condições de serem colocados para adoção, os doentes encaminhados para exames, no caso de terminais, seria para a eutanásia, já que o órgão municipal, conforme as portarias do Ministério da Saúde, não tem condições de fazer o tratamento para terminais. Aí entra outros aparelhos, como a Subea, e os protetores independentes. Desses animais, nenhum foi encaminhado para o CCZ”.

Em 2021 houve na Capital a abertura de um cadastro por meio da Subea (Subsecretaria de Bem-Estar Animal) para protetoras independentes que quisessem ser beneficiados com a castração de animais. O objetivo do cadastro era realizar um censo de ONGs e protetores existentes em Campo Grande, que poderiam ser atendidos por projetos e programas e com possibilidade de recebimento de verbas públicas.

Entretanto, esse cadastro não é tão benéfico quanto parece. A protetora independente Luciana Albuquerque, por exemplo, relata que o cadastro está desatualizado.

“A Subea foi na minha casa, mas eu não tenho o direito a vaga, porque esse cadastro que dá o direito a vaga, já está ultrapassado. Tem muita gente que se diz protetora e tem as duas vagas por mês, mas nem tem animais, e nem resgata, só passa para frente a vaga. Ai quando eu pedi para fazer o cadastro, eles falaram que não tinha como aumentar, então precisava fazer um recadastramento para ver quem realmente precisa”.

Segundo Luciana, a situação com Marlene era conhecida no meio da proteção animal, porém, ela relata que muitas pessoas levavam animais para a protetora, que recolhia todos mesmo sem ter as condições necessárias.

“Já indiquei duas pessoas para levar resgates até a casa dela, infelizmente. Uma dessas pessoas falou para mim que a casa dela não era boa, que estava insalubre. Mas, visivelmente, a Marlene é uma pessoa com problema mental, ela tem dois filhos com problemas”.

“Foi terrível o que aconteceu com esses animais, mas teve um pouco de culpa do poder público, que não fez nada para mudar essa situação de tantos animais na rua, das pessoas que ficavam ‘entupindo’ ela de animais e nunca iam ajudar. Tinham pessoas que levavam lá, faziam vídeo falando que estava resgatando, mas estava levando para ela. Então, eu acho triste o que ela deixou acontecer, mas ela também é uma vítima de tudo isso”, ressalta Luciana.

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Na sessão ordinária da semana passada, na Câmara Municipal de Vereadores, o vereador André Luis, que acompanhou o caso e esteve presente na audiência de custódia, disse que falta a presença do poder público. “Isso reflete a situação da proteção animal em Campo Grande; ela inclusive recebia da PMA (Policia Militar Ambiental) os animais recolhidos em sofrimento. A polícia não tem aqui em Campo Grande um local para recolher os animais, e isso vai para casa de quem? Das protetoras, que são em sua maioria pessoas muito simples”, disse.

Abrigo

A criação de um abrigo municipal para os animais é uma promessa antiga em Campo Grande. O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), chegou a embasar pedido à Justiça para que prefeitura criasse um centro municipal de acolhimento de cães e gatos. A Justiça indeferiu o pedido e a prefeitura contestou, alegando que não havia possibilidade de acatar as medidas por não haver ‘previsão orçamentária’ e pelos altos custos aos cofres públicos.

Para Luciana Albuquerque, a criação do abrigo seria vista apenas como ‘depósito de animais’ para muitas pessoas. “Antes de fazer um abrigo precisaria de políticas de castração mais efetivas, e leis, porque as pessoas continuam pegando cachorros, por exemplo, e quando ficam doentes levariam para lá, misturando animais doentes com saudáveis. E não adianta falar que iria fazer certinho, porque ficaria pela metade, igual a Subea, que tem consulta, mas não tem raio-x, exame”.

“O que precisamos é de um hospital que tenha raio-x, hospital, ultrassom, nem que cobre mais barato, com áreas de isolamento, é isso que a gente precisa. Trabalhar com informação, conscientização, ensinar que animal não é brinquedo, que precisa ser protegido do sol, da chuva”.

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