Casos de interrupção de gestação ilegal diminuíram e as mulheres buscam ajudam com mais rapidez
Com o aborto sendo discutido com frequência nas redes sociais e em Brasília, o jornal O Estado MS observou os números de casos registrados no Mato Grosso do Sul. De acordo com os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), foi possível notar que os números de abortos ilegais estão em queda. No ano de 2021, 14 casos foram registrados, sendo 11 no interior; em 2020, já foram 11, em todo Estado e em 2023, até agora, oito.
O aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Nas demais situações, a interrupção da gravidez é considerada crime, de acordo com o Código Penal, de 1940. Levando em consideração os casos de violência sexual, o portal de estatísticas da Sejusp mostra que a maioria das vítimas são meninas, crianças e adolescentes. O jornal O Estado MS conversou com Ricardo dos Santos Gomes, médico ginecologista e obstetra, sexólogo e membro da equipe de referência de atendimento a vítimas de violência sexual e aborto legal do Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian), para saber o que o setor constatou com os atendimentos.
Ricardo destaca que os números são muito relativos e que vários fatores precisam ser levados em consideração, principalmente quando falamos de crianças e adolescentes que são atendidas por interrupção da gestação. “Crianças, geralmente, sofrem abusos sexuais contínuos, com repetições. Eu atendi criança que estava há 5 anos sofrendo abusos sexuais e só foi descoberto porque ela engravidou. O que a gente vê é que Mato Grosso do Sul tem uma alta taxa de denúncias de violências contra a mulher, de abusos, de modo geral. Temos maior notificação de casos de denúncias do que em outros pontos do país. Por exemplo, o Maranhão já teve situações de quase não ter denúncias, sendo que é conhecido pela violência”, pontua o especialista.
Segundo ele, mulheres adultas são abusadas uma ou poucas vezes e logo procuram ajuda especializada, sendo rapidamente atendidas com os coquetéis de remédios que evitam doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. “Crianças são mais vulneráveis, não têm poder físico nenhum e a violência não é exatamente física. Com isso, a criança é forçada a entender que aquilo é normal. A estimativa é de que 60% dos abusos são realizados pelo pai ou padrasto, o que vem com um grau de confiança”, destaca.
Aborto legal, ilegal e métodos contraceptivos
Por nota, a SES (Secretaria de Estado de Saúde) confirmou que o Humap é referência estadual para interrupção legal da gravidez resultante da violência sexual. Nessa referência, são atendidas mulheres, adolescentes e crianças que tiveram como agravo, resultante da violência sexual, uma gravidez indesejável. O acesso a este serviço é feito de forma direta, sem fila de espera e sem a necessidade da inserção da paciente no sistema de regulação de vagas do Estado.
Atualmente, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS) possui 32 processos de abortos ilegais em tramitação. Ricardo lembra que, quando começou os atendimentos, em 2015, testemunhou duas mulheres que foram a óbito, após realizarem o procedimento de forma precária e sozinhas. Hoje, quando se trata de vítimas de estupros, além da procura por ajuda ser mais rápida, muitas recorrem ao remédio abortivo no Paraguai ou o abuso não resulta em gestação, pois aumentou a busca por contraceptivos.
“Pacientes com aborto legal estão procurando mais, usando métodos menos perigosos, estão sendo acolhidas e estão sabendo mais dos seus direitos. Se as mulheres estão usando mais métodos contraceptivos, como a divulgação do DIU (Dispositivo Intrauterino) de cobre, estão engravidando menos de forma não planejada, por isso teremos menos tentativas de aborto. Parando para pensar, no Estado, houve uma ampla divulgação dos usos de métodos disponíveis”, acredita Ricardo.
Por fim, ele confirma que é válido que o tema seja discutido, mesmo com tantos tabus, pois o importante é que menos mulheres morram tentando interromper a gravidez, de forma precária. “No acolhimento, apresentamos documentos e explicamos todos os direitos que a vítima tem, inclusive de prosseguir com a gestação e colocar a criança para adoção, depois. Quanto mais falamos sobre o assunto, mais as mulheres terão acesso a outros métodos contraceptivos e mais vidas serão salvas”, concluiu.
Por – Kamila Alcântara.
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