As ciências humanas discutem amplamente o valor da ciência. Seria o conhecimento científico verdadeiro? Seria ele melhor que o senso comum? Se todo conhecimento tem determinado valor, deveria a ciência ter mais prestígio?
Quando falamos em “verdade”, de que estamos falando, afinal? A maioria das pessoas pensaria numa forma de conhecimento pronta, imutável e perfeita, mas podemos notar que nossos conhecimentos científicos estão em constante transformação. Então não existe verdade na ciência? Se a verdade aqui buscada é a verdade absoluta, sinto muito, a ciência não pode oferecer isso. Entretanto, podemos julgar criticamente o conhecimento produzido e decidir se um é mais verdadeiro que outro, pois a ciência tem um objetivo claro: predição e controle. Assim, determinamos como verdadeiras as teorias que nos levam a mais sucesso nesse objetivo. Este é o critério pragmático de verdade, que é amplamente utilizado nas ciências: a eficiência.
Se levarmos isso em consideração, podemos agora retomar com mais propriedade a nossa primeira questão: o conhecimento científico é verdadeiro? Bem, isso depende do propósito de quem pergunta. Quando um médico legista elabora um obituário, são dessas verdades científicas que ele irá se utilizar, mas seria no mínimo estranho, – ineficiente, diria eu – responder a um familiar em luto que pergunta “por que isso aconteceu?”, com a leitura de tal obituário.
Tal qual a ciência, outros saberes foram construídos ao longo da história e também têm, pragmaticamente, suas próprias verdades. Nossos antepassados se encontraram em diversas situações nas quais certas práticas foram mais eficientes que outras, então, alguns saberes foram selecionados como melhores e ensinados para as gerações seguintes. Assim se deram os saberes que hoje chamamos de “senso comum”, conhecimento religioso e mesmo a própria ciência.
Seria então impossível dizer que o saber científico é melhor que outros saberes? Em suma, sim, mas isso não quer dizer que o conhecimento científico seja igual a outros saberes. Vejamos mais profundamente o que é a ciência.
É sempre importante lembrar que a “ciência” não é uma entidade mística que nos comanda, mas uma comunidade de pessoas com o objetivo mais ou menos comum de entender como as coisas funcionam. Para isso, essa comunidade passa adiante certas práticas que tem lhe ajudado a ser mais eficiente, como controle e observação precisos de determinados fenômenos, buscando um resultado prático e eficaz. Além disso, é preciso não esquecer também que essa comunidade necessita de supervisão, já que cientistas são humanos. Daí certas regras para prevenir exageros e mentiras e tentar limitar as influências pessoais na atividade científica.
Se é isso é o que diferencia o conhecimento científico de outros saberes, como podemos responder nossa segunda questão: deveria a ciência ter mais prestígio que outros tipos de conhecimento? Bem, para responder categoricamente, eu deveria, em primeiro lugar, buscar concordância entre meus colegas cientistas, mas ao fazer isso, imagino que a maioria de nós concordaria que sim, afinal, somos todos humanos e, nesse caso, cientistas.
Por Lucas Fialho Pereira, psicólogo analista do comportamento, formado pela UFMS e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da mesma instituição.