Marco temporal, aborto e liberação de drogas são temas que geram insatisfação
A obstrução dos partidos de oposição e das Frentes Parlamentares da Agropecuária, Evangélica, Católica e da Segurança Pública à interferência do STF (Supremo Tribunal Federal) em matérias de competência do Congresso Nacional já teve resultados práticos: sem quórum para deliberação, as sessões da Câmara e do Senado, pela segunda vez, foram canceladas nessa quarta-feira (27).
A Comissão de Constituição e Justiça, do Senado, aprovou um novo projeto do marco temporal. Em Plenário, os senadores aprovaram, por 43 votos a 21, o PL 2.903/202, que estabelece um marco temporal de referência para a demarcação de terras indígenas. Isso acontece uma semana depois da decisão dos ministros de derrubarem o marco, deliberando o fim da demarcação de terras indígenas em 5 de outubro, data da promulgação da Constituição Federal.
Por meio de nota oficial, a FPA informou a criação de um blocão formado por outras 17 frentes parlamentares e mais dois partidos. Outras pautas estão em debate como a descriminalização do aborto e do porte de drogas. Além disso, os parlamentares também estão avançando na coleta de assinaturas para a proposta de emenda à Constituição, do deputado Domingos Sávio (PL-MG), que possibilita ao Congresso Nacional sustar decisões do Supremo, caso três quintos do Plenário da Câmara e do Senado concordem com a medida. A PEC ainda não foi protocolada, mas já tem o apoio de 150 parlamentares.
A Frente Parlamentar da Agropecuária, que abriga o ruralismo no Congresso, emitiu nota para condenar o que classifica como “usurpação de competência” do Legislativo pelo STF e suas decisões sobre temas como legislação das drogas, aborto e demarcação de terras. “Os integrantes das frentes parlamentares e dos partidos abaixo-assinados, cientes do verdadeiro papel do Poder Legislativo, eleito pelo voto popular, repudiam a contínua usurpação de competência pelo voto popular, repudiam a contínua usurpação de competência pelo Supremo Tribunal Federal em temas como legalização das drogas, descriminalização do aborto, direito de propriedade e legítima defesa, entre outros, manifestando seu firme e integral repúdio às decisões que invadem as competências do Parlamento nos termos do art 49, XI”, diz a nota.
O deputado de MS, Rodolfo Nogueira (PL), enfatiza que “é hora de lutarmos, temos que avançar sobre as prerrogativas dessa Casa”. O discurso se deu em relação à decisão do STF sobre a derrubada do marco temporal. “Toda a produção está sendo ameaçada, ou seja, a produção de alimentos está sendo ameaçada pelo marco temporal. Só em Douradina, uma cidade ao lado da minha cidade (Dourados), 1/3 do município corre perigo de se perder. São 30 municípios que serão atingidos diretamente pela derrubada do marco temporal. Cidades vão desaparecer, o agro, a produção vai sumir nesse Brasil. O alimento vai ficar mais caro e a fome vai bater no mundo, pois o agro brasileiro é responsável por 1/5 20%) do alimento do mundo”, alertou.
Críticas diretas ao STF
O deputado Marcos Pollon (PL) utilizou a Tribuna da Câmara dos Deputados e criticou a atuação das decisões feitas pelo STF. Segundo ele, existe pesquisa que demonstra que 30% da população brasileira teme a atuação dos ministros da Suprema Corte. “Isso porque alguns de seus membros, não a instituição, têm, de maneira catastrófica, assassinado a democracia. Uma das formas mais abjetas de fazer isso é usurpando as competências dessa Casa (Câmara). Porque é pressuposto essencial à existência da democracia o respeito à representatividade. E aqui, dentro dessa Casa, temos 100% dos votos válidos do Brasil, razão pela qual somos responsáveis pelas alterações legislativas. E não representantes de instituição, que vem alterando a legislação desse país, sob a pecha falsa de que esta Casa não legisla”, desabafou.
Pollon ainda comentou sobre outros temas polêmicos. “Pretendem legalizar as drogas, que é crime nesse país. Pretendem autorizar o assassinato de bebês no ventre de suas mães, legalizando o aborto, o que há legislação contrária, como crime. Portanto, a falsa alegação de que essa Casa não legisla, é mentira.”
O deputado Luiz Ovando (PP), que é médico e membro da frente Parlamentar de Medicina, usou as redes sociais para criticar o que classificou como interferência entre os Poderes. “Minha posição é clara e determinada: defendo veementemente a independência dos poderes e o respeito irrestrito à Constituição Federal. A recente decisão do STF sobre o marco temporal me inquieta profundamente. É importante enfatizar que minha posição não nega, de forma alguma, os direitos dos povos indígenas. Pelo contrário, busco uma abordagem equilibrada e coerente, que estabeleça critérios justos para demarcações de terras, garantindo simultaneamente o direito de propriedade. De fender esse debate, no âmbito Legislativo, reflete meu compromisso inabalável com os princípios democráticos e o desejo de encontrar soluções justas e equitativas para questões complexas”, publicou.
Projetos prioritários para a bancada do agronegócio
Apesar da FPA ainda discutir os detalhes de como atuar para impedir o avanço de temas importantes para o governo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, uma coisa já é certa: os deputados e senadores que integram a FPA – mais de 350 parlamentares – pressionam para avançar na tramitação de três propostas que abordam demarcações de terras e outra que pretende conter o anseio do STF por debater temas que são de competência do Legislativo.
De acordo com o segundo vice-presidente da Frente Parlamentar de Agropecuária na Câmara, deputado Evair de Melo (PP-ES), uma das prioridades será a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) 48/2023, apresentada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), na semana passada, com apoio de outros 26 senadores, e que busca consolidar o marco temporal no país, com base na Constituição Federal de 1988. A proposta tem como meta evitar conflitos e incertezas que prejudiquem tanto as comunidades indígenas quanto os produtores rurais, segundo justificou o autor. Outra proposta a ser encampada pela FPA é a PEC 132/2015, relatada pelo deputado Alceu Moreira (MDB/ RS), que tramita na Câmara dos Deputados. Ela trata da indenização de terras destinadas à demarcação. Por fim, a bancada também promete pressão para aprovar, no Senado, o projeto de lei (PL) 2903/23, que já passou pela Câmara. Nesta quarta (27), ele deve ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Em paralelo, a bancada do agro e a oposição buscarão apoio e assinaturas para uma PEC de autoria do deputado Domingos Sávio (PL-MG), que possibilita ao Congresso Nacional sustar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), caso três quintos do Plenário da Câmara e do Senado concordem com a medida. O autor da proposta justifica que há, hoje, um desequilíbrio entre os Três Poderes, devido a decisões do STF que extrapolam os limites constitucionais.
Famasul vai se posicionar oficialmente sobre marco
A Famasul convocou a imprensa para uma coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (28), em que vai se posicionar sobre o marco temporal. Na semana passada, quando o STF declarou o marco temporal inconstitucional, a Famasul emitiu nota classificando como “injustiça com milhares de produtores rurais que possuem justo título de propriedade há séculos e, mesmo assim, nenhuma garantia da posse do seu imóvel”.
O presidente da Famasul, Marcelo Bertoni, disse, ao jornal O Estado, que respeita a decisão, mas não concorda. “Nós não concordamos, mas respeitamos a decisão do STF e agora esperamos que o Senado aprove a PL 2903, trazendo realmente uma segurança jurídica a nossos produtores. Não podemos resolver uma injustiça criando outra. Precisamos de paz no campo”, argumentou o presidente.
Cientistas políticos falam em situação ‘complexa’
O cientista político e professor de ciências sociais da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Daniel Miranda Estêvão, acredita que essa “queda de braço” entre a oposição, no Congresso Nacional, e o Supremo Tribunal Federal é uma situação complexa. “Por um lado, o STF ocupa um espaço não ocupado pelo Legislativo, em temas que ou são polêmicos ou não têm a mesma força dos lobbies de grupos poderosos. Ocupar esse espaço não é, necessariamente, invasão do Legislativo pelo Judiciário, pois a Constituição de 1988 estabelece um amplo arco de direitos, cujo cumprimento exige a promulgação de legislação infraconstitucional apropriada. Quando o Legislativo não legisla, a Constituição permanece válida, mas sem normatização, basta alguém acionar o STF para que, na ausência de lei específica, a Corte diga algum entendimento sobre tais temas”, explica.
O cientista também recorre ao outro lado da questão, que é política. “Por outro lado, politicamente, não decidir e não pautar certos temas é também decidir, é também assumir uma posição sobre os temas. Então, o Legislativo não se move, não somente porque há negligência, mas sim porque não há disposição política para isso. O choque está aí: ou o Legislativo demora (propositalmente) para normatizar ou tramita projetos com outras perspectivas distintas daquelas acolhidas pelo STF. Então, essas iniciativas do Congresso são reativas. O Congresso, aparentemente, não quer tratar tais temas, mas precisa reagir, se avalia que o STF está tendo protagonismo, além do que, os parlamentares consideram isso razoável”, concluiu o professor Daniel Estevão.
O advogado e especialista política, Tércio de Albuquerque, realizou uma análise dessa situação. “O que percebemos é que, nesses assuntos pontuais, marco legal, aborto e drogas, o Supremo tem avançado em matérias que seriam, originariamente, competência do Congresso Nacional. Temos que destacar dois aspectos. O primeiro, no momento em que o Congresso Nacional retarda providências legislativas que deveriam adotar, e os assuntos acabam sendo antecipados no Supremo por fatos que acontecem. Não há nenhum tipo de ação do Supremo, que não seja reação a ações interpostas por partidos políticos, associações civis, ou mesmo povos originários, que buscam, com o Supremo, ante a um vácuo legal. Mesmo que a Constituição traga algumas situações, ela não autoriza o Supremo a legislar, então, ele está dentro de um vácuo. Como sabemos, em ciência política, para todo poder que não exerce a sua atribuição, sua competência, há outro que acaba assumindo essa posição e fazendo as coisas se adiantarem. Isso acontece no Congresso Nacional, no Supremo, que está sendo demandado e tomando medidas. Dando resultados que repercutem nnegativamente na atuação do Congresso. Essa é a grande realidade do que está acontecendo”, definiu Tércio.
Na questão política sobre a obstrução da pauta, o especialista acredita que a situação piora. “Nenhuma das duas casas, seja a suprema casa do poder Judiciário brasileiro, o Congresso que, por parte do Senado, representa os Estados e a Câmara Federal representando os povos dos Estados, os eleitores, nesse momento, o dano é muito maior, se o Congresso assumisse sua postura legislativa e determinasse, imediatamente, quais são as regras legais a serem seguidas. Porque ficaria muito mais fácil e o Supremo teria de cumprir normativas. Então, há um exagero. A justificativa do Supremo, tendo o princípio da democracia, quando envolve o direito do ser humano, que são as questões sociais e política, ele entende que interpreta a Constituição e estende as decisões além do que é legislável, que deveria ser objeto de legislação”, concluiu.
Por – Alberto Gonçalves
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