Data comemorada hoje, foi instituída com o propósito de celebrar a arte e acessibilizar manifestações artísticas aos PCDs
Com o propósito de tornar as manifestações artísticas mais inclusivas, hoje (19) comemora-se o Dia Nacional do Teatro, data que foi instituída pela lei 13.442/2017 e busca possibilizar apresentações teatrais para além do público geral, complementando com recursos de áudio, legenda, entre outros dispositivos que possam contribuir para que as PCDs (pessoas com deficiência) acompanhem os eventos, e, além disso, permitindo que elas mesmas possam, também, participar ativamente de apresentações.
O teatro chegou ao Brasil em meados do século 16, com o intuito de propagar a crença religiosa. Ao longo desses anos, as características e as transformações das artes cênicas no Brasil foram consideráveis, tornando-se entretenimento aristocrático e, em seguida, uma arte popular. Atualmente, há diversas variações dessa vertente: realista, comédia, política, do oprimido até o adaptado.
Tendo em vista que o teatro é uma manifestação artística que contribui para a inclusão social e juntamente é uma ferramenta incisiva para a promoção de reflexões críticas e transformações sociais, pode também ser uma grande aliada às PCDs que, ainda, por diversas vezes, precisam se desdobrar para serem vistos como integrantes do corpo social.
A relevância da adaptação
“A falta de acesso da comunidade surda brasileira, por exemplo, aos discursos que circulam na sociedade compreende pelo fato de que por serem uma minoria linguística, acabam ficando à margem. As consequências dessa postura envolvem a não participação de discursos do cotidiano e na falta de acesso a informações que circulam nas grandes mídias, em discursos oficiais e – ressaltamos aqui – a produções culturais que circulam na sociedade brasileira. Tudo isso traz consequências à comunidade”, ressalta o tradutor, intérprete de libras e ator, Felipe Sampaio.
O teatro adaptado permite que possa ser agregado às apresentações artísticas softwares que geram legendas em tempo real, dispositivos que transmitem audiodescrição diretamente para os fones de ouvido dos espectadores e até mesmo aplicativos que permitem que os deficientes visuais “sintam” a peça, por meio de vibrações em seus celulares. Esses, são apenas alguns dos recursos que podem oportunizar o acesso às apresentações, que também dispor de intérpretes e outros acessos relacionados à estrutura local, conforme explica Felipe.
“A importância do traduator neste sentido é trazer de fato a inclusão da libras de forma efetiva para o espetáculo. Onde saímos de ‘um quadrado’ e passamos a fazer parte da peça. Então, como traduator, eu tenho figurino, cenas, tudo marcado para que a pessoa surda entenda todas as falas de forma efetiva. Mas, para ser realmente acessível uma peça de teatro, existem recursos de acessibilidade física e comunicacional simultaneamente: como língua de sinais, libras tátil, material de comunicação em braille, letra ampliada e formatos digitais, assentos reservados para cadeirantes ou quem tem mobilidade reduzida, visita tátil ao cenário, linguagem simples, banheiros adaptados e atendimento com acessibilidade desde a fila – além da acessibilidade física geral dos locais de apresentação. São muitos os recursos que precisam ser agregados”, destaca.
No entanto, o profissional acrescenta que, no Estado, os investimentos estão sendo realizados gradualmente, contudo, o ator ressalta que esse é um processo que não é novo e precisa ser ampliado e ser mais efetivo. “Tenho a experiência dos festivais sul-mato-grossense que vêm, gradualmente, incluindo essas acessibilidades, como o FIB (Festival de Inverno de Bonito 2023) que além da libras, tivemos um espetáculo de teatro com audiodescrição. No entanto, em minha perspectiva, aqui, no Mato Grosso do Sul, ainda não temos muitos investimentos neste tipo recursos, de tecnologia assistiva. Até percebo que o Estado vem se adaptando para a arte acessível há um tempo, como a acessibilidade em AD (audiodescrição), mas isso precisa ser mais ampliado, em todos os sentidos, e esse recurso tão importante é pouco comentado”, pontua o ator
Mas, Felipe afirma estar otimista quanto ao futuro e acredita que o cenário artístico tem se transformado, e que dentre os próprios artistas locais há quem esteja trabalhando com afinco para alcançar esse objetivo. “O teatro adaptado tende a crescer nos próximos anos, produtores e diretores estão saindo de sua ‘zona de conforto’ e buscando ampliar sua percepção de mundo. Por consequência, começaremos a ter espaços em que todas as pessoas com deficiência tenham os mesmos acessos. Acesso à cultura de forma plural, seja ela com tradutores, intérprete de libras, AD e todas as formas de acessibilidade possível e principalmente fazer a mesma! E em Mato Grosso do Sul podemos ver isso, a acessibilidade vem mudando cada vez mais, temos, por exemplo, o espetáculo ‘O que os Olhos não Veem o Coração Sente’. A cena do teatro vem mudando, projetos de arte e inclusão vêm sendo criados. Estamos lutando por uma realidade mais justa. Como sempre digo: nada deles, sem eles!”, enfatiza Felipe.
Temática sobre acessibilidade gera reflexões e conquista seis prêmios
“O que os Olhos não Veem o Coração Sente” é uma peça dirigida por Alexandre Melo e narra a vida de Lucas, um personagem que acaba de ficar cego e enfrenta o desafio de lidar com uma nova realidade e fazer com que as pessoas a sua volta compreendam sua nova condição. O espetáculo traz em cena atores e atrizes com deficiência visual e aborda a temática da acessibilidade e utiliza-se de recursos sensoriais.
Em conversa com o diretor, Alexandre revela que o interesse pelo tema surgiu em conversa com um tio, deficiente visual, que sempre elogiava o seu trabalho, mas lamentava não poder assistir. Diante da queixa, o diretor utilizou o período pandêmico para se aprofundar sobre a temática da acessibilidade, até concretizar a peça, uma experiência singular e enriquecedora para Alexandre.
“Foi uma experiência diferente, é um teatro inclusivo e totalmente sensorial. Para quem está acostumado com teatro tradicional se surpreende, tanto que temos um público frequente, pessoas que assistiram mais de uma vez, para poder reviver essa experiência. Muitos chegam até mim e dizem ser algo inovador e comovente. Como diretor, eu fico muito feliz quando recebo o feedback de pessoas que dizem que o espetáculo as fizeram repensar e enxergar situações que no dia a dia acabam se passando, sem darmos muita importância.”
A peça já foi apresentada em diversas cidades de MS, Campo Grande e Corumbá, em locais onde houve reapresentações com casa cheia. Devido a sua autenticidade e relevância, o trabalho foi contemplado com o prêmio principal do “Prêmio Campo Grande ao Teatro”, além de conquistar mais seis troféus da premiação.
Alexandre ainda comenta que, atualmente, a peça não está em cartaz, mas que o objetivo do grupo é conseguir patrocínio para circular com o projeto pelo país, em busca de uma sociedade com igualdade e equidade.
“A arte tem papel crucial na construção de uma sociedade mais igualitária e consciente, em que todas as pessoas, independentemente de suas capacidades ou características individuais, tenham a oportunidade de participar plenamente na vida cultural e artística dela. E a inclusão não se dá apenas por criar artes para incluir essas pessoas como espectadores, mas também como fazedores de cultura, não há limitações para o fazer artístico”, afirma o diretor.
Aos interessados em conhecer o trabalho dos artistas, Felipe pode ser encontrado no @felipeesampaioo e na página do projeto @ des_calco; o diretor Alexandre possui o perfil @alexandremelo_oficial, no Instagram.
Por Ana Cavalcante – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.
Confira mais notícias na edição impressa do jornal O Estado de MS.