A jogadora, assim com Ana, se desdobra todos os dias para dar conta do esporte e da vida acadêmica
São sete da manhã. Luana sai de casa com os cabelos amarrados, vestindo tênis, camiseta branca e calça jeans. Na mochila carrega o caderno, duas mudas de roupas e uma chuteira, pronta para enfrentar o dia que, para ela, só termina meia-noite. Parece puxado, mas é um dia típico na rotina de muitas jogadoras, que se dividem entre o trabalho, a faculdade e os treinos.
O Campeonato Sul-Mato-Grossense de Futebol Feminino encerra no sábado (8), com a final entre Aquidauanense x Serc, no Estádio Sansão. Como de costume, as equipes participantes firmaram parceria com times de futsal universitários, já que não possuem elenco próprio para atuar em campo. Com isso, as atletas se desdobram para dar conta do recado.
Luana da Silva França tem 23 anos e cursa Letras na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), que neste ano está vestindo a camisa do time de Chapadão do Sul. Todos os dias ela anda algumas quadras até o ponto. O 407 é o primeiro dos cinco ônibus que ela pega por dia. De manhã e a tarde se divide entre dois empregos, para só depois subir no 474 e desembarcar na faculdade.
Um deles é uma marcenaria, localizada no fim do Jardim Carioca, região Oeste da Capital. Ela foi descoberta pelo dono do negócio enquanto vendia títulos de capitalização em frente a um mercado do bairro em pleno sábado. “Estava frio demais, eu não queria nem trabalhar naquele dia. Quando ofereci o emprego não achei que ela ia vir, mas na outra semana ela estava aqui. Até homem corre desse serviço”, comenta Cleber Aguilar.
Lá ela auxilia o artesão a transformar troncos de árvores em móveis e utensílios domésticos. “Ela é mil e uma funções. Para fabricar uma pia de madeira dessa [vide foto], chamada cuba, o cara leva o dia todo para fazer duas peças. Ela já fez três em menos tempo. O que ela tem de vergonhosa, tem o dobro de esforçada. Se fosse minha filha eu seria o pai mais feliz do mundo”, ressalta o ‘padrinho’.
Com aula e treino no mesmo horário, entra e sai na sala virou rotina
Suas aulas acontecem à noite, justamente durante os treinos, concentrados entre as 19h30 e as 21h30. “Os coordenadores conseguiram mudar algumas matérias para o EaD [educação a distância]. Graças a isso consigo treinar e depois vou para aula, que acaba uma hora depois. Mas tem dias que não consigo, então assisto o primeiro tempo, treino e volto para o segundo”, fala a atleta.
Seu técnico, Luiz Fernando Borges, não poupa elogios. “Ela dá muito apoio, tem um passe e um preparo físico bom, tanto no campo quanto na quadra. Só precisa melhorar mais a finalização, mas ela é esforçada, então isso compensa alguma falta que ela tenha. Mesmo com a rotina ela não falta treino, é um exemplo de jogadora”, diz.
Luana é bolsista na Católica, mas durante a infância e adolescência jogou pelo Colégio Dom Bosco. “Me acostumei, já que faço isso desde os 12 anos. Mas é muito cansativo, as vezes chego em casa quebrada, parece que passou um caminhão em cima de mim. O corpo e a mente pesa. Mas compensa, porque se eu não fizesse isso, não sei o que faria da minha vida”, comenta.
Na família tem referências. Seu tio jogou já jogou pela Portuguesa, em São Paulo. Uma das tias passou pelo São Paulo. Ela sonha em seguir carreira, mas diz que não pretende se desfazer de tudo tão cedo. “Aqui eu estudo, trabalho, tenho moradia, então não sairia daqui por qualquer coisa. Eu só sairia da minha casa por algo melhor, no mínimo igual”, fala.
“Não sei o que seria da minha vida se o esporte não tivesse aberto essas portas”
Quem também se desdobra para manter a paixão é a Ana Caroline Moura, de 21 anos, que cursa Educação Física na IESF (Instituto de Ensino Superior da Funlec) e atua pelo Aquidauanense. O futsal está presente na sua vida há 13 anos, quando saiu de Rondonópolis (MT) para se aventurar em Campo Grande. Começou na E.M Nagen Jorge Saad, passou pelo Colégio Viva até chegar na Funlec.
Durante a semana ela prioriza os estudos e o esporte, mas sempre que pode, faz ‘bico’ em uma lanchonete, seja nos dias úteis ou aos fins de semana. “É difícil manter os compromissos com o time. Agora que tenho 21 anos a família cobra bastante. Eles perguntam ‘E aí, isso vai dar certo? Não vai arrumar um emprego?’. O que eles não entendem é que meu emprego é o treino”, declara.
“Se eu falar para você que nunca pensei em desistir, eu tô mentindo. Já tiveram momentos em que quis trabalhar e me formar, dar andamento na minha vida sem o futebol. Mas mesmo com todas as dificuldades eu continuei”. – Ana Carolina
Entre um compromisso e outro, a moça com rosto e jeito de menina se vira com o transporte público ou as caronas. Ainda sim, é grata por tudo que as chuteiras proporcionam a ela. “As coisas estão difíceis, mas não sei o que seria da minha vida se o esporte não tivesse aberto essas portas. Se eu falar para você que nunca pensei em desistir, eu tô mentindo. Já tiveram momentos em que quis trabalhar e me formar, dar andamento na minha vida sem o futebol. Mas mesmo com todas as dificuldades eu continuei”, desabafa à reportagem.
Seu treinador, Edival Simões, acompanha sua evolução há uma década. “É uma atleta raçuda, de muita qualidade técnica, além de ser uma líder nata. No campo não é diferente. Claro quelá ainda precisa treinar mais parte física e na bola pelo alto, mas ela está muito bem. Hoje ela é uma atleta completa, coisa que não era há dez anos”, elogia.
(Texto: Danielle Mugarte)