Escolher uma mochila nova para a volta às aulas nos Estados Unidos, em agosto, pode se tornar tarefa mais complexa. Depois de o país registrar uma série de ataques a tiros, pais, escolas e autoridades debatem se a escolha do modelo pode ajudar os estudantes a se proteger.
O caso mais recente em instituições de ensino, em Uvalde, no Texas, matou 19 crianças em maio, no final do ano letivo. Agora, algumas cidades anunciaram medidas para tentar aumentar a segurança.
Na segunda (18), Dallas, também no Texas, determinou que alunos do ensino fundamental e médio terão de usar mochilas transparentes, dadas pelo governo – eles poderão levar uma segunda bolsa, menor e opaca, para itens pessoais, como remédios, absorventes e carteira.
“Reconhecemos que mochilas transparentes, sozinhas, não eliminarão as preocupações. Esse é apenas um de vários passos de um plano amplo para garantir a segurança”, afirmou o governo da cidade.
Em Lafayette, na Louisiana, as mochilas transparentes também serão obrigatórias a partir deste semestre. Lá chegou-se a debater a exigência de que até lancheiras deixassem o conteúdo visível, mas pais reclamaram do custo de trocá-las, e a ideia foi descartada.
Apesar das boas intenções, analistas e profissionais de ensino questionam as medidas. “Se um aluno quiser de fato cometer um crime, ele pode enrolar a arma em um pano ou colocá-la dentro de um caderno ou livro falso na mochila. Ou levá-la junto ao corpo”, pondera Jorge Lordello, especialista em segurança.
Para ele, o mais indicado seria restringir o acesso de pessoas de fora às escolas e reforçar cuidados com a saúde mental dos estudantes. Investimentos em atendimento psicológico e monitoramento de pessoas com comportamentos destrutivos são quase um consenso entre democratas e republicanos.
Em vários casos recentes, os atiradores tinham dado sinais de que sofriam de problemas como depressão e que planejavam um massacre. Em outros pontos, porém, há divisão forte: democratas defendem que é preciso restringir o acesso da população a armas, especialmente as que disparam muitos tiros por vez; republicanos dizem que elas não são o problema e que a saída é reforçar a segurança nas escolas. Assim, surgem ideias como mudar mochilas, criar bunkers em sala de aula e armar professores.
Houve aumento na procura por mochilas à prova de balas desde o caso de Uvalde, e as buscas seguem acima da média, segundo o Google Trends. O produto em geral não é encontrado em grandes varejistas, como Amazon e Walmart, e tem preço elevado: mais de US$ 100, cinco vezes mais do que uma comum.
Outras propostas também têm a eficácia questionada. Criar espaços seguros, para onde os estudantes possam correr em caso de ataque, é de implantação complexa: eles precisariam ser grandes para abrigar dezenas (ou centenas) de pessoas e, ao mesmo tempo, rapidamente acessíveis.
Para barrar por completo a entrada de armas, seria preciso fazer revistas, como em aeroportos, mas as escolas possuem dinâmica diferente. “Ao viajar, as pessoas chegam aos poucos, ao longo do dia, com antecedência. Na escola, entram todas no mesmo horário. Seria preciso ter uma grande estrutura, com vários agentes e detectores de metal”, pondera Lordello. “E uma fila de estudantes parados na frente da escola, esperando para entrar, seria um potencial alvo para um atirador.”
Karla Hernandez-Mats, presidente de um sindicato de professores em Dade, na Flórida, vê com restrições essa abordagem que, nas palavras dela, transformaria escolas em prisões. “Nós, professores, não somos agentes da lei ou militares; e não queremos ser. Estamos lá para cuidar e dar educação”, diz ela à reportagem.
Ela conta que o estado mudou diversas regras depois do ataque a uma escola de Parkland, em 2018, com 17 mortes. “Desde então, não temos mais campus abertos, tentamos ter o máximo de proteção em relação ao lado de fora e limitar o acesso à escola o máximo possível. Temos um policial em cada escola. E ensinamos às crianças como se esconder e se proteger quando dissermos que há um código vermelho.”
A professora aponta que o treinamento é dado para alunos a partir de três anos, idade em que eles ainda não entendem bem o conceito de morte. “Elas repetem palavras que os adultos dizem, mas realmente não entendem porque estão sendo treinadas. É muito triste.”
Informações de Rafael Balago, EUA, da Folhapress.
Acesse também as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram.