Procon MS trabalha com rigor para combater preços abusivos de combustíveis
Acostumado a lidar com as reclamações de consumidores, o superintendente do Procon-MS (Superintendência para Orientação e Defesa do Consumidor), órgão integrante da Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho), Marcelo Salomão, tem se mostrado preocupado com a sequência de altas da gasolina que Mato Grosso do Sul vem sofrendo. Isso porque, em dois meses, a Petrobras já elevou o custo do combustível cinco vezes nas refinarias e, com isso, alguns postos aproveitaram para aplicar preços abusivos.
Nesta questão, o papel do Procon estadual não é reduzir os valores e sim fiscalizar, orientar e lutar contra preços abusivos, destaca o superintendente nesta entrevista exclusiva ao jornal O Estado. Em uma das ações, o Procon solicitou à diretoria do Sinpetro-MS (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Lubrificantes de Mato Grosso do Sul) que avisasse aos seus associados para que o aumento dos combustíveis fosse aplicado após o término do produto em estoque e, consequentemente, aquisição de novas remessas. Confira abaixo mais pontos deste e de outros assuntos.
O Estado: Como a Procon avalia o aumento sequencial dos combustíveis, tendo em vista que alguns postos da Capital já vendem o litro da gasolina a R$ 5,54, conforme a ANP?
Salomão: Nós avaliamos de forma negativa na relação de consumo. Não é possível que nós tenhamos já o quinto aumento de combustível no ano de 2021. É uma política de preço por parte da Petrobras muito ruim, que faz com que os consumidores paguem uma conta cara e isso não é justo. O Procon tem feito um trabalho ostensivo. Quando teve o aumento, imediatamente chamamos o Sinpetro e solicitamos que avisasse aos seus associados que não elevasse o valor da gasolina enquanto tiver combustível de estoque no tanque dos postos. O consumidor não pode pagar duas vezes por um aumento que sofreu por parte da Petrobras. É uma pena que o consumidor sempre pague a conta sozinho e nós não ficamos felizes. Alguns postos infringiram a norma, aumentaram imediatamente mesmo tendo comprado gasolina por um preço menor e, quando são notificados, justificam que a alta é porque eles não conseguem ter poder de compra posterior. Ora, sempre é só o consumidor que paga essa conta? Não é possível isso! A política de preços da Petrobras no consumo interno é muito carnívora, muito feroz, não é possível que nós passemos a pagar o quinto aumento neste ano. O Procon não tem poder de gerência no preço, não consegue reduzir o preço, como algumas pessoas acham. O Procon verifica se houve abuso, mas quando uma empresa de capital de economia mista, que detém o monopólio da extração desse produto, indica o preço, o Procon não tem o que fazer senão cuidar para que os consumidores não paguem acima daquilo que é permitido, e também cuidar de alguns estabelecimentos que praticam o abuso. É uma pena que essa política de preços da Petrobras tenha sido aplicada neste ano de 2021, em um momento tão difícil que vive o planeta.
O Estado: Como tem sido a atuação do Procon nos postos de combustíveis de MS? Quantos postos já foram autuados este ano e por quais motivos?
Salomão: Nós já temos 180 processos administrativos abertos. Autos de infrações que chegam ao volume de R$ 10 a 15 mil, por conta de práticas abusivas de alguns estabelecimentos. Fizemos várias operações junto com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), junto com o Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia], junto com a Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra a Relação de Consumo) nas quais constatamos irregularidades na bomba, irregularidades na qualidade do combustível, principalmente no interior. Na última operação que fizemos em Campo Grande, nós não identificamos nenhum posto com gasolina adulterada, isso é bom. A gasolina aqui na Capital tem uma boa qualidade, mas isso tem de ser perene. O Procon faz fiscalizações constantes, principalmente junto com a ANP e isso tem sido uma rotina. Esses postos que foram notificados e fiscalizados estão em trâmites nos processos. Para ser exato, são 188 postos fiscalizados, são processos administrativos de todas as ordens, desde bomba, produto vencido, gasolina adulterada, placa informativa. Tudo isso é importante para que o consumidor tenha ciência da relação de consumo clara.
O Estado: Se os postos de combustíveis são livres para repassar o preço ao consumidor, por que são autuados pelo mesmo motivo? Até que ponto é considerado preço abusivo?
Salomão: Realmente, existe a liberdade de mercado, mas essa liberdade não é indiscriminada. Quando nós vamos fazer uma fiscalização e o posto tem uma média de lucro aferido na venda, e ele muda essa média de lucro sem um motivo justificável, caracteriza-se a abusividade. Ele pode praticar o preço que ele bem entender, mas essa liberdade dele não é absoluta, ele precisa justificar quando ele faz um aumento desse tipo de produto, principalmente produtos como combustíveis; se porventura ele fez uma compra mais cara, ele não pode aumentar a margem de lucro dele por vontade própria.
O Estado: Em se tratando do congelamento da pauta fiscal do combustível, o Procon acredita ser uma forma de barrar mais aumentos?
Salomão: O Procon viu com bons olhos o congelamento da pauta. O congelamento da pauta vai evitar que a gasolina tenha um acréscimo no seu valor, tenha um valor agregado nos impostos, ou seja, não tem motivo para se aumentar a gasolina por tributos estaduais. Quando o governo do Estado reduziu o ICMS do etanol e do óleo diesel, essa redução não chegou à bomba. Os postos alegam que precisavam exterminar o estoque dos tanques para poder levar esse desconto à bomba. Ora, quando houve o aumento a mesma justificativa não serve. Não chegou à bomba o valor do desconto do ICMS do etanol e do óleo diesel. Autuamos muitos postos por causa disso, agora, nós vamos cuidar do congelamento da pauta para que esse combustível não sofra acréscimo por encargos estaduais. Contudo, infelizmente, a Petrobras anunciou um novo aumento de gasolina no dia 1° de uma forma vil. O Procon teve até de abortar uma pesquisa de preço, porque o número de aumentos desse produto está sendo muito rápido, nós não conseguimos acompanhar com nosso setor de pesquisa o preço desse produto, tendo em vista que a Petrobras vem aumentando consideravelmente esse produto para os consumidores e isso é uma prática, que infelizmente, apesar de ser legal, de mercado, vem sangrando os consumidores, deixando-os extremamente vulneráveis.
O Estado: De todo o trabalho que o Procon realiza, qual a maior demanda?
Salomão: Nós temos fiscalizações de todas as ordens, desde um pequeno comércio que pratica abuso até um grande estabelecimento também que pratica abuso. Em época de pandemia em 2020, nós tivemos fases sazonais, nós fiscalizamos abusos de EPIs, abusos de produtos de cesta básica, fiscalizamos combustíveis, fiscalizamos vencidos. Até pouco tempo atrás, a maior demanda eram os supermercados, nós fizemos várias fiscalizações e, nisso, tiramos de circulação mais de 50 mil itens vencidos em 2020. Foi uma luta forte de fiscalização da Procon, várias divergências de preço, tanto nos mercados como em lojas de departamentos pequenas ou grandes. Mas os postos não são nossas maiores demandas de fiscalização. Nós temos fiscalizações em supermercados, que é um número muito alto, nós temos fiscalizações em bancos, que talvez tenha sido um número muito crescente; as fiscalizações em bancos por não ter respeito à fila de bancos é uma prática extremamente abusiva, que a Procon entende como devastadora. Não é possível que os bancos que lucram bilhões de reais ao ano, que lucram muito dinheiro com o consumidor, não venham respeitar uma lei tão simples que é a lei dos 15, 20, 25 minutos de espera por atendimento na agência. Os bancos precisam respeitar o Código de Defesa do Consumidor, os bancos não estão acima da lei e os bancos vão respeitar, porque só no ano de 2020 foram mais de 35 autuações em bancos. Nenhum banco que foi fiscalizado pelo Procon saiu ileso.
O Estado: Quais são os setores mais reclamados no Procon?
Salomão: Por um determinado período, as telefonias dominavam o número do ranking das que mais eram reclamadas. Depois que acabou os monopólios de telefonias, vieram as concessionárias de serviço público. Hoje, as maiores demandadas no Procon, primeiro, são as concessionárias: concessionárias de energia e de água. Por isso que nós lutamos pela quebra do monopólio da concessionária do serviço, principalmente do setor elétrico; não podemos mais conviver com apenas uma empresa, o consumidor ficar refém de apenas uma empresa sem um mercado competitivo. Nós já podemos estudar um novo modelo do setor elétrico, o consumidor paga muito caro na conta de energia e isso é um fator que precisa ser discutido com a quebra do monopólio. No interior do Estado a situação é pior, nós temos vários relatos de cidades sem luz, porque nossas linhas de transmissão para o interior são muito precárias, área rural sem luz; quando se tem uma chuva de médio porte, mais ou menos forte, já se tem a queda de energia elétrica e por horas. Isso só se resolverá com a quebra do monopólio. Hoje, as concessionárias são as que detêm os maiores índices. Contudo, em contrapartida, elas também detêm os maiores índices de resolutividade, principalmente a concessionária de água. Nós temos um índice de resolutividade acima de 92%, ou seja, a cada 100 consumidores que reclamam da sua conta de água, 92% têm uma solução para esse problema. Isso é muito positivo, isso é muito bom para a relação de consumo. Depois da concessionária, o setor financeiro, os bancos, depois o setor de telefonia, que caiu para o terceiro lugar, mas isso só aconteceu em virtude da quebra do monopólio do setor telefônico.
O Estado: Os consumidores têm algo a comemorar em termos de direitos do consumidor?
Salomão: Não têm muito a comemorar, não, nós não temos o que comemorar. Infelizmente, a relação de consumo ainda tem muito que melhorar. A pandemia mostrou a fragilidade da relação de consumo, consumidores que pagaram por eventos e não podem ter eventos e não tiveram seu dinheiro devolvido; claro, tem de ter equilíbrio, o fornecedor também precisa ter a garantia de não quebra financeira. Mas temos muito a melhorar ainda, nós só vamos melhorar quando os dois lados tiverem consciência, consumidor e fornecedor. Consumidor tiver consciência de buscar seus direitos; nós temos um número de quase 2% só da população economicamente ativa que busca seus direitos, os demais deixam pra lá. O consumidor se conscientizar de que o direito dele foi um direito conquistado por lei, ele tem de denunciar o errado. E o fornecedor respeitar seu cliente, um cliente em potencial que vai levar o dinheiro para o fornecedor. Quando ele identificar o consumidor como sendo seu cliente, talvez nós tenhamos uma relação de consumo mais equilibrada. Não podemos pensar no lucro pelo lucro. A meta do Procon é de que se torne um órgão obsoleto. A relação consumidor e fornecedor ter uma solução caseira lá no fato, que o fornecedor entenda que o consumidor tem seus direitos, e que o consumidor entenda também que existe um limite para esses direitos. Que nós tenhamos um equilíbrio justo, para que o Procon possa apenas cuidar da política para a relação de consumo.
(Texto: Izabela Cavalcanti)