A Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo, afirma o superintendente
Marcelo Correia Botelho assumiu em setembro o cargo de superintendente da Polícia Federal de Mato Grosso do Sul. O bacharel em Direito pela UFT (Universidade Federal do Tocantins), pósgraduado em Direito Penal e Processual Penal, completa 20 anos de carreira como agente da Polícia Federal. Por ter chefiado diversos setores da PF no Estado, está responsável em fazer que a polícia “investigue os fatos e não pessoas”.
Botelho acredita que a Lava Jato fez com que a sociedade olhasse para o trabalho de investigação da PF, mas a instituição não é refém de uma única megaoperação. “Acho que as outras investigações foram surgindo naturalmente e temos outras investigações, talvez, tão importantes quanto a Lava Jato”, diz. A questão de interferência debatida em razão de acusações entre o ex-ministro da Segurança Sérgio Moro e o então presidente da república, Jair Bolsonaro, colocou um ponto de interrogação sobre o assunto. Botelho sai em defesa e diz ser impensável que isso ocorra no estágio de maturidade que alcançou a Polícia Federal no Brasil. “Com as investigações que a PF tem demonstrado para a sociedade, isso é impensável e nunca ao menos foi cogitada qualquer coisa neste sentido”, afirma.
O Estado: Estar à frente do comando da PF em um estado que faz fronteira com dois países requer mais atenção e um trabalho mais apurado?
Botelho: É um cargo de extrema responsabilidade em qualquer estado da Federação, mas que se destaca muito em estados que fazem fronteira com países produtores de drogas. Temos o Paraguai, que é o maior produtor de maconha, e a Bolívia, que é um dos maiores produtores de cocaína. Então, em um Estado que faz a fronteira com esses dois países, se torna mais complicada a função de um gestor.
O Estado: Como o senhor define as áreas de atuação da PF e que tipos de crimes são investigados?
Botelho: Por fazer fronteira com dois países produtores de drogas e também que demandam outros crimes transnacionais e transfronteiriços, a nossa maior demanda é na repressão ao contrabando de cigarros, na repressão ao tráfico de drogas, mas também a gente tem muitas questões relacionadas a facções criminosas e também à corrupção.
O Estado: A entidade precisa de mais autonomia?
Botelho: A PF, hoje, tem autonomia. A Polícia Federal é uma polícia de Estado e não de governo. Ela investiga sempre fatos e não pessoas. Portanto, o que determina a atuação na investigação é tão somente a lei. A PF segue a lei estritamente, portanto acredito que nós temos, sim, autonomia investigativa.
O Estado: O senhor sofreu alguma interferência no período de atuação? Como lidava com isso?
Botelho: De forma alguma. É impensável que isso ocorra no estágio que estamos de maturidade democrática no país, e ainda mais em uma instituição como a Polícia Federal. Com as investigações que a PF tem demonstrado para a sociedade, isso é impensável e nunca ao menos foi cogitada qualquer coisa neste sentido.
O Estado: No meio desse barulho provocado pela Lava Jato, a PF acabou pegando fama de ser uma instituição cheia de vazamentos!?
Botelho: A Lava Jato é uma operação importantíssima para toda a sociedade. No atual estágio e pela magnitude dela, o olhar de toda a sociedade se direcionou para ela, vigilância de vários órgãos de controle, órgãos de persecução penal, o Judiciário e a imprensa. Então, acho que não. É uma saturação mesmo da própria investigação, que já dura algum tempo. Acho que as outras investigações foram surgindo naturalmente e temos outras investigações, talvez, tão importantes quanto a Lava Jato.
O Estado: Não houve um período em que a PF focou só em investigar políticos?
Botelho: Não houve. Como falei no início, a PF não investiga pessoas. A gente recebe a notícia de um fato, em tese, criminoso e passamos a investigar. O fato de chegar a determinadas pessoas é apenas uma consequência da investigação.
O Estado: Este ano de 2020 foi atípico em razão da pandemia; na questão de ação da PF, teve mudança significativa, ou ao contrário, houve aproveitamento?
Botelho: Esse período de pandemia afetou todos os setores da sociedade, mas a PF, por ter uma atividade essencial à sociedade, não parou. E a gente, em alguns pontos, incrementou as estatísticas, como a apreensão de drogas, que aumentou no Estado. Justamente por conta da pandemia, e tivemos o mesmo número de operações de erradicação no Paraguai, porque a gente tem um acordo bilateral em que o Brasil auxilia o Paraguai na erradicação da maconha. Então, esse ano aumentou a oferta e, como consequência, aumentou a apreensão do entorpecentes. Nós também tivemos o aumento, no segundo semestre, de apreensão de bens e valores oriundos do tráfico.
É bom que se destaque que esses bens voltam para a sociedade, pois são leiloados e o dinheiro é revertido para a sociedade. Em 2020 a PF, entre bens apreendidos e sequestrados, chegou à cifra de R$ 500 milhões no Estado. A gente deve comemorar porque não basta só apreender a droga e prender o criminoso, tem de descapitalizar a organização criminosa, porque só assim a gente consegue estancar o crime organizado.
O Estado: O número de policiais federais atuantes no Estado é suficiente?
Botelho: Com o novo concurso da PF, a gente vai chegar a um número histórico. Teremos o maior número de servidores na Polícia Federal. Nesse último concurso, o Estado recebeu um reforço de efetivo, mas é lógico que, pelas características do Estado, o efetivo ainda não é o ideal, mas a qualidade desse efetivo e os recursos de que a PF dispõe fazem com que o esforço seja otimizado.
O Estado: No que diz repeito a equipamentos, a PF está em dia e atualizada tecnologicamente?
Botelho: A direção-geral da PF tem uma série de projetos, principalmente na parte tecnológica e de estrutura. Voltados para toda a Polícia Federal. Para MS, estão previstas viaturas novas. Nós já recebemos mais viaturas. Temos aprovada a construção de duas novas delegacias: em Ponta Porã e em Corumbá. A de Ponta Porã orçada em R$ 10 milhões e a de Corumbá em R$ 7 milhões. Então, os recursos estão sendo feitos.
A direção-geral sabe que o Estado é importante em todo o cenário de segurança pública do país, por ser um estadocorredor, onde passam os ilícitos que vão parar nos grandes centros distribuidores e de lá para as exportadoras, em São Paulo e Rio principalmente. Os recursos tecnológicos estão chegando, os equipamentos, estão chegando coisas novas na perícia, e muita coisa boa para fazermos frente à criminalidade.
O Estado: Existem parcerias com outros países no combate ao crime organizado? Como funcionam?
Botelho: A PF tem 28 postos espalhados pelo mundo de adidância e oficialatos de ligação. Felizmente nos dois países que fazem fronteira com o Brasil nós temos representantes da Polícia Federal. Temos representantes na Bolívia e no Paraguai, e também há a oportunidade em que nós trazemos policiais paraguaios para o país a fim de trabalhar conosco no intercâmbio de informações e capacidades. Essa cooperação internacional nos auxilia muito no combate ao crime organizado.
Um exemplo muito exitoso dessa cooperação internacional foi a Operação Status, deflagrada no segundo semestre, em que nós operamos simultaneamente no Paraguai. Houve cumprimento de mandados de busca no Paraguai e no Brasil, ao mesmo tempo, com a identificação de patrimônio de brasileiros que foram bloqueados no país vizinho e a prisão de brasileiros com a imediata expulsão para o Brasil. A gente
foi até a fronteira e recebeu esse alvo da nossa operação, tudo mediante o acordo de cooperação entre os dois países.
O Estado: De que maneira a sociedade pode contribuir com o trabalho da PF?
Botelho: Sempre pode contribuir porque o cidadão, além de fiscalizar o nosso próprio trabalho, nos ajudando com sugestões de melhoria, ele ainda pode apresentar as famosas notícias de fatos ou denúncias.
O Estado: As operações da PF se tornaram até mote de filme e têm se caracterizado por nomes criativos e muita divulgação. O senhor acha isso positivo?
Botelho: Acho que foi um ponto positivo para a polícia e para a sociedade. Todos querem um órgão público eficiente e merecem, até pelos impostos que pagam. A sociedade merece um órgão público que demonstre o resultado do investimento que nele é feito. E a Polícia Federal, ano a ano, tem demonstrado retorno à sociedade.
O Estado: O diretor da PF ser indicado pelo presidente é o modelo ideal?
Botelho: Olha, esta é uma discussão que é mais restrita ao Congresso Nacional, que é a voz do povo. É lógico que o diretor-geral, como somos do Executivo por norma, deve ser escolhido pelo presidente da República. A gente tem certeza de que, pelo currículo e pela gestão que está fazendo, foi uma escolha muito técnica e acertada.
O Estado: A PF participa pouco de confrontos e não tem estatística de mortes em operações. Por quê?
Botelho: Cheguei em setembro e não houve notícias de morte provocada por disparo de arma de fogo por policial federal. A gente é sujeito a eventos dessa natureza por estar constantemente atuando e entrando na casa de pessoas que portam armas. Tanto que a gente tem um índice de apreensão de armas considerado também. O nosso grupo tático faz o ingresso de forma que evite o confronto, por isso o índice na PF é mínimo, e quando ocorre normalmente é em legítima defesa.
(Texto: Andrea Cruz)