Não mensuramos o quanto nossos sentidos são parte fundamental do nosso dia. Somos jogados no mundo para trabalhar e constituir família e, por muitas vezes, não nos damos conta de como é não ouvir ou não enxergar. Se colocar no lugar do outro tem sido um tema recorrente neste ano e, principalmente, no novo século. “The Sound of Metal – 2019” é um filme que explora bem essa visão e como vemos as pessoas com alguma deficiência.
O “Som do Silêncio” chegou aqui no Brasil pela Amazon Prime. O estúdio tem sido bem espertinho, aproveitando filmes que têm baixo custo ou que não tiveram boa repercussão em festivais que estrearam. Como no caso de “Vastidão da noite- 2020” já comentado aqui na coluna meses atrás. Ruben Stone (Riz Ahmed) é um baterista muito talentoso que, como o primeiro ato do filme sugere, está em turnê com sua namorada Lou (Olivia Cooke). Os dois soam como um som experimental bem interessante. Até que, depois de algumas apresentações, Ruben começa a perder a audição de forma galopante. Ele considera, de forma lógica, isso bem improvável e logo busca uma resposta rápida junto como uma solução também.
Só que, além de sua situação ser permanente, ouvir de novo só será possível fazendo uma cirurgia coclear bem cara. Um fato bem interessante é que esse implante não traz a audição de volta. Na verdade, há um estímulo por eletrodos no cérebro, fazendo com que a percepção sonora volte, mas seja meio confusa ou, por vezes, aguda ou bem saturada nos médios e graves. Essa informação é bem importante pelo fato da montagem, junto com a direção do Darius Marder, se ater a detalhes de sintonia ou como se o aparelho tivesse uma qualidade bem inferior a audição natural. Isso nos dá uma outra visão para entender o quão é importante para esse personagem ouvir, ou parecer ‘normal’ para as pessoas ao seu redor.
A produção bate muito nesta tecla de ver pessoas com deficiência como algo a ser superado, mas que, na verdade, não há nada a ser superado e sim aceito. Fica mais do que claro que qualquer um pode ter uma vida normal e cheia de alegrias como qualquer outro indivíduo.
Ruben é um cara que tem um pouco de dificuldade em fazer amizades, mas é daquele tipo que, quando se conhece ou deixa-se levar, torna-se muito importante na vida das pessoas. O empresário da banda que ele tem com a namorada encontra uma comunidade disposta a acolhê-lo e dar apoio nessa transição, até mesmo dar, de fato, uma nova vida. Joe (Paul Raci) é um coordenador tão acolhedor que tudo que ele diz soa agradável, mesmo que seja um puxão de orelha. Sua vontade de observar o próximo e ajudar é maior que qualquer outra coisa. Neste lugar, Ruben aprende a língua de sinais e também a dar valor ao seu novo mundo e a forma como encarar isso daqui pra frente. E como ele vai fazendo amigos na mesma condição deixa o segundo ato bem agradável.
Esse filme, infelizmente, sofre com um ritmo meio anticlimático no terceiro ato, o que pode desanimar um pouco, já que ele se arrasta e insere alguns personagem sem necessidade. Em alguns momentos, até parece que estamos acompanhando dois filmes diferentes, visto que o personagem toma atitudes bem contraditórias ao que já tinha sido estabelecido. Mas o final dá um jeito de amarrar esse terceiro ato
de uma forma positiva.
O que vai te segurar até o fim é o carisma e ótima interpretação de Riz Ahmed. Se as premiações fossem um pouco justas, ele merecia uma indicação de melhor ator. A mixagem de som desse filme é quase que um personagem de tão presente, já que em algumas cenas nem sequer há diálogos ou legendas para o que está sendo dito em libras. A fotografia é algo muito importante para dar uma dimensão dos problemas de Ruben. Você pode reparar que, em cenas xeque, a câmera está em lugares que compõem a narrativa e até mesmo está num close up como quem pergunta: “O que você vai fazer agora?”.
O diretor Darius Marder é bem competente em desenvolver essa história de uma forma original e arriscar em certos aspectos, até mesmo ter a sensibilidade de cortar cenas em momentos muito precisos. “The Sounds of Metal” é um filme para se sentir profundamente e que, com certeza, vai tocar de forma diferente. Por mais que seu ritmo seja comprometido, a imersão é algo que vai acompanhar do início ao fim.
(Texto: Filipe Gonçalves)