Entrevista: Carla Stephanini, Subsecretária municipal de Políticas para a Mulher

Campo Grande teve aumento de 120% nos crimes de feminicídio em 2020, o que preocupa subsecretária municipal de Políticas para a Mulher

O Estado: Como a pandemia impactou nos crimes contra a mulher?

Stephanini: De modo geral, a pandemia potencializou a violência contra as mulheres. Em Campo Grande tivemos um aumento de 120% nos crimes de feminicídio em 2020, quando tivemos 11 feminicídios consumados, em relação a 2019, ano em que a Capital registrou 5 feminicídios. Conforme alguns relatos de mulheres atendidas na Casa da Mulher Brasileira, a pandemia impulsiono a violência, aumentando os episódios e a gravidade das violências.

O Estado: A senhora acredita que, assim como na saúde, vamos viver as consequências da pandemia também no que dizrespeito à violência doméstica?

Stephanini: Acredito que deve haver uma grande demanda reprimida de mulheres que estejam passando por violência doméstica e que não estão conseguindo acessar os serviços de atendimento por vários motivos: ou porque perderam a renda e têm dificuldades de locomoção, ou porque os filhos não estão na escola e elas não querem ir até a Casa da Mulher Brasileira levando as crianças, embora a Casa da Mulher Brasileira possua uma brinquedoteca para o acolhimento das crianças enquanto as mães são atendidas, ou porque o próprio agressor está sem trabalho ou em trabalho domiciliar e ela não consegue se desvencilhar e buscar ajuda. Portanto, acredito que haverá uma grande procura aos serviços quando as medidas de isolamento social forem flexibilizadas.

O Estado: A criação da casa em MS, primeira do país, se deu pelos altos índices de crimes contra as mulheres. Na visão da senhora, nesses seis anos, a casa impactou na cultura machista do Estado, reduzindo os índices de crimes, ou ainda é sentido que a violência de gênero continua alta no Estado?

Stephanini: É importante ressaltar que a Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande não foi a primeira porque nós somos a capital com mais violência, mas sim por uma história de pioneirismo do Estado de Mato Grosso do Sul e na Capital, Campo Grande, nas políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Acredito que a Casa da Mulher Brasileira tem impactado na cultura machista na medida em que aumentou a visibilidade da violência contra as mulheres na sociedade e estimulou as mulheres a buscarem ajuda e a denunciar, o que demonstra também a confiança que as mulheres têm no serviço. Além disso, o serviço acolhe, protege e contribui para o rompimento do ciclo da violência com segurança.
Mesmo com os avanços, a violência ainda se manifesta de maneira inaceitável, por isso precisamos continuar fortalecendo as mulheres e trabalhando no sentido de promover uma sociedade mais justa para que as mulheres possam exercer o direito de viver sem discriminação e violência.

O Estado: Apesar das campanhas de conscientização, os números de feminicídio só crescem. A que a senhora atribui esses aumentos?

Stephanini: As campanhas de conscientização servem para informar a população sobre os serviços existentes e sobre uma transformação social necessária para a igualdade entre homens e mulheres, e a consequente diminuição das violências. As meninas e mulheres estão se empoderando, denunciando, não aceitando mais a opressão, e os homens precisam acompanhar e mudar seus conceitos. O aumento dos feminicídios é uma realidade mundial, não apenas local. O sentimento de perda de controle sobre o corpo e sobre as decisões da mulher, bem como o aumento da competição econômica, ameaçam o poder dos homens, que têm agido de maneira cada vez mais violenta.

O Estado: O que falta, na sua avaliação, para o enfrentamento adequado à violência contra a mulher?

Stephanini: O Poder Público e a sociedade têm desenvolvido diversas ações de sensibilização e enfrentamento à violência. Mas precisamos de uma grande transformação social no sentido da promoção da igualdade entre meninos e meninas, entre homens e mulheres, que disseminem a ideia de que as mulheres devem ser respeitadas no seu direito de escolha, tanto no âmbito privado quanto na esfera pública.

O Estado: No último ano, houve redução das denúncias de violência contra mulheres, mas aumento no número de feminicídios. Vivemos uma epidemia de crimes cometidos contra as mulheres? O que teria dificultado o acesso dessas mulheres às autoridades para denunciar os agressores?

Stephanini: A violência contra a mulher é histórica e apenas há poucas décadas passou a ser tratada como uma violação dos direitos humanos das mulheres e criminalizada. O movimento de mulheres, principalmente o brasileiro, tem chamado a atenção para as diversas formas de violência que as mulheres vêm sofrendo ao longo da história, mas só recentemente vimos os países criando leis e combatendo de forma mais efetiva essa forma de violência. Em tempo de pandemia, verificamos que esta realidade atual pode ser vista como um fator potencializador da violência e dos feminicídios, pois aumenta os conflitos nas relações domiciliares em razão do maior tempo de convívio doméstico, das tensões causadas pelo desemprego e pela perda de renda. Além disso, o medo de adoecer, a maior exposição das mulheres que trabalham nas profissões de cuidado e na saúde, a falta de divisão sexual das tarefas da casa que sobrecarrega as mulheres e gera mais estresse também são fatores a serem levados em consideração.

O Estado: Pode detalhar quando a Casa da Mulher Brasileira deve implantar o trabalho de corpo de delito?

Stephanini: O exame de corpo de delito será implantado na Casa da Mulher Brasileira tão logo a adequação do espaço físico seja concluída e o trâmite para a contratação de médico-legista seja concluído pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.

O Estado: A Casa da Mulher Brasileira em MS foi a primeira do país, representando um marco no combate à violência doméstica. Além da implantação do trabalho de corpo delito, há mais avanços para a casa previstos neste ano?

Stephanini: A Casa da Mulher Brasileira é o serviço mais avançado de enfrentamento à violência contra a mulher de que se tem conhecimento. Em Campo Grande, o serviço se tornou uma referência mundial por integrar os serviços necessários ao atendimento humanizado e qualificado das vítimas. Com a realização do exame de corpo de delito, a Casa da Mulher Brasileira passa a ter todos os serviços considerados essenciais para o enfrentamento à violência contra a mulher. Esses avanços conquistados serão mantidos e as dificuldades cotidianas,ou que vierem a surgir no decorrer dos atendimentos, serão avaliadas pelo Colegiado Gestor na busca por soluções efetivas.

O Estado: Qual é a orientação que a senhora deixa às mulheres que sofrem algum tipo de abuso?

Stephanini: Não se sintam culpadas por sofrerem violência! Não se envergonhem! O único culpado pela violência é o agressor. E nenhuma mulher merece viver uma situação de violência. Busquem ajuda, denunciem!

(Texto: Andrea Cruz)

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