Precisamos falar sobre Fleabag

Os assuntos desconfortáveis da nossa vida muitas vezes são de processos que devemos assimilar ou começar a pensar em como normalizar e também mudar de atitude. O machismo estrutural e os preconceitos com as mulheres são assuntos hoje em dia tratados com mais espaço e sem tabu o que com certeza é uma grande conquista do movimento feminista e um grande avanço para o progresso. Uma das obras que retrata bem esse atraso por parte dos homens é “Fleabag- 2016”, que conta com duas temporadas muito consistentes escritas pela brilhante Phoebe Waller-Bridge que também atua na série.

É muito difícil classificar essa série ou dizer do que realmente ela se trata, por tocar em tantos assuntos espinhosos. Acompanhamos a Fleabag que não tem o nome revelado em nenhum momento da série e está à deriva na vida, mas tenta tirar o melhor dela assim como a maioria de nós. O cerne da questão é como uma mulher caminhando para meia idade sofre com muitas imposições da sociedade ao mesmo que passa por problemas familiares e conflitos internos, não dá pra dizer que isso é um problema muito recorrente por muitas pessoas hoje em dia, até pode ter muitas pessoas que se identifiquem mas generalizar é tirar importância do que acontece no geral.

A protagonista tem uma espécie de café em Londres e tenta tocar o projeto ao mesmo tempo procura bons relacionamentos com o pai, a irmã e a madrasta que deixa sempre um tom amargo no ambiente. Sob essa construção a trama se espalha pelas mais diversas agruras da personagem como solidão ou um desejo sexual constante seguido de uma vontade de estar com alguém que não a veja como uma objeto ou realmente se importe com esse envolvimento.

Phoebe é uma roteirista muito competente na hora de criar situações dentro de um contexto difícil e transformar isso em comédia, com quebra de quarta parede e interações que são bem constrangedoras revelam muito sobre esse universo feminino e como ele é sufocado pelos homens. Esse tipo de produção nos diz muito sobre como a sociedade caminha para um conservadorismo que endossa o machismo e a subserviência das mulheres de uma forma cínica e, como o querer e até mesmo os desejos das mulheres são resumidos a falar de forma censurada ou nas entrelinhas. Se você é o tipo de pessoa que se sente incomodado com assuntos assim, talvez seja algo que deva mudar, e claro que as vidas das pessoas não vão mudar completamente por conta de uma série, mas revelam como é pisar em ovos quando toca na moral e nos bons costumes.

A maneira como os diálogos são direcionados para o público é feita de maneira muito contundente, tanto que não chateia nem se torna cansativo. Os cenários dizem muito sobre a vida dessas personagens, Claire (Sian Clifford) vive em uma casa intocada onde o zelo é uma forma de autopunição pela vida infeliz que ela leva, ou como o ambiente de Bill Paterson é rico em arte mas por ser realacionado a sexo é algo que gera um desconforto tanto que ele mantem linhas de diálogos coesas e fluídas mas quando chega nessa assunto fica totalmente perdido.

O roteiro bate muito nessa tecla da hipersexualização e desconforto que ela traz, justamente para nos indagarmos o quanto esse assunto é normalizado para um gênero e não para outro. E não é uma daquelas séries que talvez tenha intuito de falar para todos, mas sim relatar um ponto de vista enquanto o outro lado, que são os homens e a masculinidade tóxica ouve calada.

Fleabag é uma série necessária, emocionante e muito atual e fácil de maratonar já que conta com 12 episódios, 11 dos quais são dirigidos por Harry Bradbeer. Que recentemente estreou o filme que conta a história da irmã de Sherlock Holmes “Enola Holmes – 2020” que coincidentemente também conta com muitas intervenções da protagonista com o público, ao que parece uma especialidade deste diretor.

(Filipe Gonçalves)

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