Queimadas no Pantanal facilitam o tráfico de pássaros

Ocorrências mostram ação do mercado negro com desastre ambiental

Se não bastassem as chamas que já destruíram 3,186 milhões do Pantanal, 22% do total do bioma, e as consequências negativas para a fauna da região, é também pelas mãos dos homens que os animais correm o risco predatório pior do que as chamas: o mercado negro. 

O tráfico de animais silvestres, fragilizados e fáceis de serem capturados pelos mercadores, é um risco real apresentado com os incêndios do Pantanal para especialistas ouvidos pelo jornal O Estado. 

Apesar de não haver dados concretos sobre aumento de ocorrências no Estado neste sentido – a Polícia Militar Ambiental ainda não fechou o balanço de ocorrências do tipo, desde o início do fogaréu –, já é possível observar que muitas apreensões ocorridas fora de Mato Grosso do Sul tiveram suas cidades como origem. 

Foi o caso do último dia 20, quando a Polícia Militar Rodoviária de São Paulo flagrou três acusados com 160 filhotes de papagaio e uma arara-vermelha, escondidos em caixotes de feira, em Pongaí. Interrogado, o trio acabou confessando que adquirira a “carga” em Ivinhema e a levaria para vender a R$ 150 cada pássaro na capital paulista. Uma apuração mais detalhada da Polícia Civil daquele estado entregou que as aves vieram da região da fronteira de MS com a Bolívia.

Não foi um caso isolado. Em Volta Redonda (RJ), operações da Guarda Civil local, desencadeadas ao longo dos últimos três domingos, flagraram venda de filhotes de papagaio e arara nas feiras livres da cidade. “Quase todos os vendedores são retirantes de Minas Gerais e contaram que adquiriram os pássaros na Região Centro-Oeste”, disse o tenente-coronel Rômulo de Souza Faria, comandante da 2ª Unidade de Polícia Ambiental do Rio de Janeiro, responsável pelo município interiorano. 

“Está tudo queimando no Pantanal, pode ser uma explicação, sim”, respondeu de imediato o coronel Alex Augusto Chinelato de Souza, comandante da PM mineira em Uberlândia, onde aconteceram ao menos duas ocorrências de apreensões de papagaios e araras desde o início do mês. 

“Temos recebido mais araras e papagaios apreendidos de traficantes de animais. Mas só tem tráfico porque há quem compre. É uma vergonha que exista gente que se aproveite da situação e compre esses animais para aprisioná-los por prazer e ostentação”, destacou a bióloga Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul, que vê o trabalho de tirar a espécie do risco de extinção ameaçado após o chamado “santuário”, a Fazenda São Francisco de Perigara, em Barão de Melgaço, ter 92% de suas dependências destruídas pelo fogo. 

Em campo durante toda a semana avaliando as consequências do incêndio, entre eles a ação dos traficantes, Neiva explica que a captura das aves se torna facilitada pelas condições precárias de sobrevivência por conta do bioma depois de incendiado. 

“O pós-fogo é um período de agonia de duração incerta, muitas vezes, pior que as chamas. Ele traz fome e perda de habitat.” 

Nas queimadas de 2019, no caso das araras-azuis, Neiva aponta que foram perdidos 40% dos casais reprodutores, com um impacto grande no futuro da espécie. Sem comida e ninho, os animais ficam desorientados. E aí que se tornam alvos. 

“Aumenta muito a predação por animais famintos. Documentamos araras e jaguatiricas matando e comendo araras-azuis adultas no ninho. As azuis voam, são as maiores aves da família das araras e papagaios, mas também são vulneráveis. É desesperador”, concluiu a bióloga.

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(Texto: Rafael Ribeiro)

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