Com a vida cinza parada no sinal vermelho, a esperança pinta o amanhã de verde. E é essa a cor que simboliza a campanha de enfrentamento da depressão, o “Agosto Verde”. Ações de combate e de prevenção à depressão são importantes em qualquer época, mas adquirem relevância especial neste período de pandemia, causada pela Covid-19.
A campanha foi instituída pela Lei 5.088/2017, dedicada a “ações preventivas à integridade da pessoa, combatendo e prevenindo depressão, prostração ou desânimo, abatimento, esgotamento, estresse, tristeza, melancolia, ansiedade e outras doenças”.
Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em parceria com a Yale New Haven Hospital, nos Estados Unidos, indicou agravamento expressivo de 4,2% para 8%, os de estresse agudo, de 6,9% para 9,7%, e os de crise aguda de ansiedade, de 8,7% para 14,9%, de acordo com o professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Uerj, que coordena o estudo. Foram entrevistas 1.460 pessoas de 23 estados brasileiros em dois momentos, de 20 a 25 de março e de 15 a 20 de abril.
Isolamento, incertezas e ansiedade
Quebra da rotina, mortes, medo, isolamento social, falta de contato… Isso tudo que, de repente, despendeu-se, pesadamente, sobre todos, impacta na saúde mental. Para entender essas relações, a reportagem conversou com os psicólogos Adriano Luiz Pardo, Mariela Nicodemos Bailosa e Selma Lúcia da Costa Xavier.
“Somos seres essencialmente sociais e precisamos de trocas afetivas tanto quanto de água. Quando impedidos dessas relações ou severamente distanciados, sofremos um processo que a psicologia comportamental chama de privação de reforços positivos. Isso significa que perdemos grandes fontes de prazer, o que aumenta o nível de estresse, ansiedade e, às vezes, o aparecimento de humor deprimido”, explica Mariela.
Adriano acrescenta que a ruptura no cotidiano gerou, inicialmente, uma atitude de negação e, depois, medo e pânico. “Isso atinge em cheio a saúde mental, pois gera desequilíbrio e necessidade de mudança e adaptação, o que é vivido pela nossa psique como sofrimento e dor. Como diria [Carl Gustav] Jung, uma das maiores paixões humanas é a inércia”, afirma o psicólogo.
Trata-se de uma pandemia, com elevada velocidade de contágio e de mortes. Isso fragiliza a segurança existencial, gera incertezas quanto ao futuro e à vida. “Com a pandemia, a morte se tornou tema recorrente no meu consultório e penso que não seja diferente nos dos meus colegas”, observa Adriano.
O temor da morte é acompanhado da “incerteza do futuro, a impossibilidade de planejar e a impotência diante do imponderável”, conforme lista o psicólogo. “Isso vem causando aumento significativo do quadro de ansiedade. O golpe no nosso ego está sendo duro demais. Literalmente não sabemos como será o próximo domingo, qual novo decreto virá, se teremos trabalho amanhã, enfim a vida se tornou imprevisível demais”, considera.
A imagem do novo coronavírus como equalizador das diferenças, uma vez que “todos estamos no mesmo barco”, corresponde à realidade? Para Adriano Pardo, estamos, no máximo, no mesmo mar, que é a pandemia. “Alguns estão de iate, outros de barco, outros ainda, de transatlântico e muitos, a maioria dos brasileiros, apenas de jangada ou de colete salva-vidas”, metaforiza.
As mulheres também apresentam vulnerabilidades, como destaca Mariela. “As mulheres têm sofrido com a sobrecarga de trabalho (doméstico, cuidado das crianças, home office, trabalho externo) e com o aumento da violência doméstica”, cita.
A psicológica lista, ainda, outros grupos. “A população indígena e os quilombolas, que têm dificuldades no acesso a água, alimentos e assistência à saúde, famílias mais pobres, que sofrem com a ameaça da falta do sustento econômico, maior exposição nas ruas e transportes públicos e filhos sem acesso ou severas limitações às aulas online”, enumerou. Segundo Mariela, além desses grupos, pessoas, em especial crianças e adolescentes, com desenvolvimento atípico sofrem com a quebra de rotina.
Cuidados com a saúde mental
E como as pessoas, de modo geral, podem cuidar da saúde mental neste tempo de Covid-19? Não há, conforme adverte Adriano, receita pronta quanto a esses cuidados, pois “cada um vive uma pandemia diferente”. Para cada pessoa, a pandemia “tem um significado individual e particular”, produzindo variadas formas de sofrer. É preciso, então, que cada um identifique o próprio sofrimento e maneiras de lidar com ele.
Independentemente das particulares, alguns comportamentos e práticas podem ser relevantes, em maior ou menor medida, para diferentes pessoas. Para Selma Lúcia, é fundamental “retirar o foco dos pensamentos catastróficos, eliminando ideia e sensação de desamparo”. Neste sentido, é importante evitar o excesso de informações, segundo reforça Adriano. “Informe-se o suficiente”, diz o psicólogo.
É recomendável, conforme Selma Lúcia, que as pessoas reinventem “formas e maneiras de relacionar-se, de trabalhar, e de participar de atividades religiosas, bem como desenvolver atividades físicas e culturais que tragam prazer, retirando assim toda a carga psíquica de pensamentos negativos”.
Para Mariela, é importante que a pessoa olhe com criatividade seu antigo prazer, como visitar amigos, ir ao cinema, viajar, dançar. De forma criativa, a pessoa pode garantir esses prazeres, mesmo com o distanciamento social. “Pode, por exemplo, fazer, com as crianças, uma sessão de cinema com pipoca e cabana na sala de casa”.
O distanciamento social não impossibilita o afeto. “Deve-se manter o isolamento físico, mas não o afetivo. A troca de afeto, nestes momentos é fundamental e ela não depende apenas do toque físico, podemos também tocar o coração do outro”, afirma Adriano, realçando a importância da prática da generosidade e a gentileza.
“Qualquer pessoa – enfatiza Mariela – é passível de apresentar sofrimento psíquico em alguma fase da vida, isso é humano”. Caso perceba necessidade, a pessoa deve procurar ajuda profissional. “Isso não precisa ser motivo de vergonha, pois nem sempre conseguimos esse equilíbrio sozinho”, informa.
(Texto: João Fernandes com ALEMS)