Entrevista da Semana é com o atual presidente do CRF/MS

A maior missão será transformar os profissionais em farmacêuticos empreendedores, com visão de mercado, mas não esquecendo o cunho social, a promoção da saúde

Flávio Shinzato foi empossado como novo presidente do CRF-MS (Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul), na quinta-feira (16). E, além da presidência, Shinzato atua como consultor técnico de uma clínica de hemodiálise em Corumbá e é o responsável técnico de análise da água utilizada pela hemodiálise no Hospital Regional de MS e do Hospital Universitário (UFMS). E é sócio-proprietário de um Laboratório de Diagnósticos Citológicos e de Análises Clínicas.

Hoje MS tem mais de 1,1 mil farmácias e drogarias, 308 somente em Campo Grande

O presidente do Conselho Regional de Farmácia de MS quer trabalhar sobre o conceito de que a farmácia não é mais um estabelecimento comum, tendo em vista que, em 2014, a Lei nº 13.021, aprovada, passou a considerá-la um estabelecimento de saúde. Conforme Shinzato, a comercialização de medicamentos não se enquadra mais dentro do comércio “comum” – o Conselho almeja mudar o conceito perante a população e também os profissionais.

“Estamos bem, na proporção de números profissionais e de farmácias existentes no Estado”

O Estado – Por que há tantas farmácias em Campo Grande? Existe um número ideal para o tamanho da população?
Shinzato – Estamos bem, na proporção de números profissionais e número de farmácias existentes no Estado. Há mais de 3,5 mil farmacêuticos; é um segmento relativamente grande. Entre farmácias e drogarias totalizam-se 1.143 estabelecimentos, sendo 308 localizadas na Capital. O número ideal é ter uma farmácia para cada 8 mil habitantes em uma cidade. Mas é preciso ter um público que sustente o empreendimento. Claro que muitas vezes uma concentração ocorre em um local em razão de locomoção, circulação, movimentação, ou seja, a visão comercial vem prevalecendo em cima da visão social ou da promoção da saúde. É este conceito que a gente precisa mudar nos próximos anos. A gente levou de 20 a 30 anos para ter o conceito de que medicamento não é um produto comum. O estabelecimento que vende medicamentos não pode ser visto como um comércio “comum”, mas sim de promoção da saúde. Este é o nosso desafio: mudar o conceito para as novas gerações.

O Estado – Percebe-se que há uma concentração de farmácias em alguns pontos específicos de Campo Grande, como na Afonso Pena, Júlio de Castilho, Raquel de Queiroz, e mais recentemente na Avenida Guaicurus. Por que há essa tendência?
Shinzato – Esse conceito está dentro da questão de visão comercial. O que se nota é que as grandes redes e estabelecimentos procuram as avenidas para dar maior visibilidade à marca e estar mais próximos das pessoas. Como empresário, no segmento de análises clínicas, a visão é estar em área com maior tráfego de pessoas. É este pensamento que leva a uma agregação maior de número de farmácias, dividindo o público, levando à briga comercial de preços. Sendo que o conceito ideal do estabelecimento farmacêutico é de ser um estabelecimento de saúde, que não deveria ter, simplesmente, o cunho comercial, mas a promoção da saúde.

“A nova normatização do MEC, e que coloca uma margem muito grande de aulas on-line para o aluno, facilita o acesso ao estudo, mas não dá qualidade”

O Estado – Há cidades de Mato Grosso do Sul em que falta farmácia?
Shinzato – Todos os 79 municípios do Estado têm farmácias. O que há em falta muitas vezes é assistência plena farmacêutica, em razão das dificuldades de localidade para fazer com que aquele profissional farmacêutico se fixe. Esse é um papel do Conselho, de fazer com que essas farmácias e estabelecimentos cumpram as legitimidades, as leis, fazendo com que esse profissional esteja no local atendendo a população.

O Estado – Temos hoje quantas unidades de ensino oferecendo o Curso de Farmácia? O senhor é a favor do ensino a distância na profissão?
Shinzato –Todas as faculdades praticamente em Campo Grande oferecem o Curso de Farmácia. Na modalidade a distância, no segmento da saúde, somos contrários, porque se sabe que o conceito do estudo fica muito aquém, pois precisa do contato presencial do professor para ter a expertise de abordar o paciente. Então a nova normatização do MEC, que coloca uma margem muito grande de aulas on-line para o aluno, facilita o acesso ao estudo, mas não dá qualidade. A promoção da saúde exige este conceito maior de ter esse contato. Eu sou a favor de a grade ser totalmente 100% presencial. A gente, como empregador do setor, nota a diferença gritante entre os novos profissionais advindos da geração do curso a distância. Falta habilidade técnica, com conhecimento técnico na abordagem. Inclusive o Conselho participa junto do Fórum dos Conselhos de Saúde de Mato Grosso do Sul que é contra a ideia do EaD na Saúde.

O Estado – Qual a perspectiva no futuro para o setor farmacêutico em capitais como Campo Grande e para o Brasil de forma mais abrangente?
Shinzato – O setor farmacêutico é um setor muito tecnológico. Ele avança a largos passos porque o setor engloba muitas coisas, como ambiente hospitalar, laboratorial, farmácias de manipulação, farmácias comerciais e a indústria na confecção de medicamentos. Então, é um segmento muito diverso, e com o advento da promoção a estabelecimento de saúde, abriu-se mais um leque da prestação de serviço para o profissional farmacêutico, ou seja, ele pode ser atuante na promoção da saúde do cliente no controle do diabete, da hipertensão, ajudando o sistema de saúde do Brasil. Isso é conceito que já está acontecendo em nível nacional. O segmento farmacêutico está evoluindo para um atendimento personificado, personalizado ao cliente. Muitos profissionais têm encontrado um nicho no mercado, e as grandes redes têm trabalhado neste sentido, qualificando os profissionais ou buscando farmacêuticos que tenham esse perfil.

Todos os 79 municípios do Estado têm farmácias. O que há em falta muitas vezes é assistência plena farmacêutica, em razão das dificuldades de localidade para fazer com que aquele profissional farmacêutico se fixe

O Estado – Há farmacêuticos, em especial os recém-formados, que consideram que os Conselhos existem apenas para punir e cobrar taxas. A que o sr. atribui essa percepção?
Shinzato – Essa percepção se dá porque não se sabe a importância que tem um Conselho dentro de uma categoria ou classe. Essa propagação negativa se deve ao conceito comercial que há dentro da profissão, de que o Conselho serve para punir e multar donos de estabelecimentos farmacêuticos. A atuação da fiscalização existe para que seja cumprida a lei, de ter sempre um farmacêutico em atuação. O Conselho Regional de Farmácia garante também que os recém-formados tenham empregabilidade, e neste ponto, sem fiscalização não há empregabilidade e as farmácias cumprem a lei contratando farmacêuticos.

O Estado – Em muitas drogarias existe uma prática que se contrapõe à ética profissional com os interesses comerciais, ou seja, elas estipulam metas de vendas de medicamentos aos farmacêuticos. O Conselho pode fazer algo no sentido de inibir essa prática?
Shinzato – Isso é previsto inclusive no nosso Código de Ética, que o profissional não pode usar o lado comercial prevalecendo em cima da saúde do cliente. A gente vê que muitas das vezes há uma pressão do proprietário, que nós chamamos de “proprietário leigo”, ou até mesmo do proprietário farmacêutico, que vê simplesmente o lado comercial.

O Estado – A posse da nova diretoria foi no auditório do Sebrae. Isso é uma mostra de que o Conselho pretende ampliar sua ação política em defesa dos interesses dos farmacêuticos?
Shinzato – A posse foi estratégica até neste sentido de escolher o Sebrae como parceiro para mostrar ao segmento farmacêutico que nós temos de inovar. Nós, como estabelecimento de saúde atual, temos de mudar os conceitos e isso acontece tomando atitudes. Essa é uma atitude que a nova diretoria tomou junto com a autarquia, veiculando o nome Sebrae, que é uma instituição que tem como cunho principal a qualificação do profissional que vai ofertar para o mercado, e ter essa visão desde o início. Nós do Conselho temos de trabalhar muito essa visão de transformar os profissionais para que atendam melhor a população, porque com conhecimento mais adequado a gente protege a sociedade, tira o conceito punitivo somente do Conselho, para continuar fiscalizando, que é nossa atribuição. Mas fiscalizando o exercício pleno da profissão de maneira correta, simplesmente certificando que você é um bom profissional. A nossa maior missão será transformar os profissionais em farmacêuticos empreendedores, com visão de mercado, mas não esquecendo o cunho social, que é a promoção à saúde.

(Texto: Rafaela Alves)

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