Campo Grande 120 ANOS: “Frágeis” mulheres na história de MS

A história do povoamento do sul de Mato Grosso é sem dúvida a narrativa de um emaranhado de famílias oriundas de Franca do Imperador e de outras cidades mineiras, goianas, rio-grandenses e paulistas que usaram a rota francana para atingir pontos mais longínquos, como o “sertão”, no Centro-Oeste brasileiro.

[…] De Franca do Imperador partiram os colonizadores das terras para além da margem direita do rio Paraná: os Garcia, os Lopes, os Pereiras, os Barbosas, dentre outros. Ajudando-se mutuamente, ora com terras e condições mínimas de subsistência, esses homens superaram seus limites e as inóspitas estruturas para se enraizarem nessas paragens, buscaram novos caminhos e formaram povoados.

Fé e fibra

Esses mesmos homens construíram vilas e cidades nos sertões mato-grossenses, mas foram as mulheres que as consolidaram. Quem eram essas mulheres destinadas a transpor suas zonas de conforto e, muitas vezes, apenas com o alento de sua fé? Junto com seus pais, maridos e filhos, entraram elas em regiões impensáveis, povoadas por nativos hostis aos invasores de seus territórios ancestrais, animais ferozes e peçonhentos, impaludismo e tantas outras armadilhas da natureza.

Mulheres maduras ou jovens, poucas delas tiveram escolha ao se unirem a homens, geralmente rudes, em grande número da mesma família, primos e até tios. Partiram de seu reduto natal em busca de um novo e desconhecido lugar para colonizar, formar novas fazendas e comércios. Criaram filhos, inventaram seus próprios espaços e deixaram um legado.

Essas mulheres, ainda que seus esposos fossem evidenciados na memória da colonização, tiveram um papel fundamental nesse processo. […] Denominadas “frágeis”, foram capazes de construir, plantar, pastorear, parir e administrar o patrimônio material e cultural de seus espaços. Aliando fé e fibra, da mesma forma que fiaram suas vestes, teceram os destinos de todo um Estado – o Mato Grosso do Sul.

Educação, cultura, fé e resiliência

Protagonistas da arte de ultrapassar limites, em Campo Grande, assim como na história de Mato Grosso do Sul, inúmeras mulheres figuram na galeria dos construtores que forjaram o perfil da Cidade Morena. A seguir, com informações de pesquisas de Lygia Carriço de Oliveira Lima e Maria da Glória Sá Rosa, algumas dessas personagens.

MARIA CAROLINA DE OLIVEIRA (1830 – São João del Rei-MG). Casou-se com José Antônio Pereira em sua cidade natal. Desse enlace nasceram sete filhos. Em 1875 empreendeu longa viagem juntamente com seu esposo rumo ao sertão do sul de Mato Grosso. Toda a comitiva era composta de familiares e amigos, perfazendo um total de 62 pessoas em 11 carros de bois, um rebanho de bovinos, equinos e outros animais de pequeno porte. Como uma mulher de seu tempo, tecia a roupa dos familiares, trabalhava na terra e atendia quem precisasse de ajuda. Católica fervorosa buscou, juntamente com seu esposo, o padre Urchia em Miranda para abençoar o povoado que nascia na confluência dos córregos Prosa e Segredo. Pioneira, contribuiu expressivamente para a formação cultural de Campo Grande.

EVA MARIA DE JESUS (1847 – Mineiros – Goiás). Ex-escrava, Tia Eva, como era chamada, partiu de sua terra natal em um carro puxado por bois com três filhas menores para recomeçar a vida em Campo Grande. Tinha uma chaga na perna que, segundo a tradição oral, foi curada pela interseção de São Benedito, seu santo de devoção que ganhou uma capela no local onde escolheram para viver, no bairro do Cascudo. Renomada parteira e benzedeira, cuidava das parturientes e aliviava os males causados por cobreiro, mau olhado, engasgos, torceduras, picadas de animais etc. Respeitada pelos moradores não cobrava por seus serviços e recebia a todos nas comemorações em maio na festa do seu santo protetor e inspirador – São Benedito.

IRMÃ BARTIRA CONSTANÇA GARDÈS (1908 – Cuiabá-MT). – Em 1927 entrou para o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora fazendo seus votos perpétuos em Campo Grande. Foi professora primária por 25 anos e exerceu o magistério nos cursos normal e comercial. Também foi assistente de internato e externato, conselheira escolar, secretária, diretora do curso técnico de secretaria e orientadora da União das Ex-alunas Salesianas. Repetia sempre o seu lema aos demais educadores que formou: “Procurem não apenas ensinar, mas educar, porque a educação é a mola mestra do progresso individual e social”.

HENEDINA HUGO RODRIGUES (1918 – Guaxupé-MG). Professora, casou-se com o também professor José Barbosa Rodrigues. Chegou em Campo Grande na década de 1940 onde exerceu o magistério em diversos estabelecimentos de ensino. Foi conselheira de Educação, membro instalador do Instituto Sul-Aamericano de Estudos e Pesquisas Ambientais, presidente da Fundação Barbosa Rodrigues e membro da Academia Sul-mato-grossense de Letras. Deixou um legado de obras culturais, educacionais e sociais que tiveram sucesso graças ao seu desprendimento e sabedoria.

OLIVA ENCISO (1909 – Fazenda Taquaral – município de Corumbá-MS). Iniciou os estudos em casa e em colégios corumbaenses. Em 1923 mudou para Campo Grande onde continuou sua formação. No Instituto Pestalozzi, cursou o ginásio e iniciou sua carreira de professora. Em 1929 foi para o Rio de Janeiro estudar medicina. Iniciado o curso na Faculdade Nacional de Medicina descobriu que sua vocação era outra. Retornou para Campo Grande e, em 1932, matriculou-se na Faculdade de Farmácia e Odontologia de Campo Grande onde concluiu o curso de Farmácia. Inspirada pela leitura de uma conferência de Miguel Couto demonstrando ser a ignorância o fator que corrói os alicerces da nacionalidade, fez da Educação o fator prioritário de sua vida. Em 1940 deu início à Sociedade Miguel Couto dos Amigos do Estudante. Simultaneamente liderou junto aos governos municipal e estadual reivindicações que resultaram na abertura de várias escolas e ginásios. Foi vereadora de Campo Grande (1955-1959), deputada estadual por quatro anos a partir de 1959 cooperando, entre outras iniciativas, para a criação de institutos de previdência de servidores públicos, da Faculdade de Farmácia e Odontologia de MT (origem da UFMS) e da Faculdade Dom Aquino de Filosofia, Ciências e Letras (precursora da UCDB). Atuou nos entendimentos para instalação do Senai e do Sesi em Campo Grande e na criação da Apae. Como escritora publicou dois livros. Pertenceu à Academia Sul-mato-grossense de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico de MS. (Além-fronteira)

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